Imagem do genérico inicial do documentário filmado sobre o Cortejo Histórico de Lisboa de 1946, que apresentamos no final deste post, onde se podem ver algumas das figuras previamente desenhadas por E.T.Coelho
NONA ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(XC – XCI)
O Louletano, 14 de Maio de 2007
O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO - 10
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy
(...Continuação)
- É-me impossível, Dr. Leitão de Barros. Mas conheço um rapaz amigo, muito bom desenhador...
- Não me venhas com essa! Só tu és indicado para o lugar. É um cargo de responsabilidade, que diabo!
O tempo ia passando, e o bom do mestre Alves não podia esquivar-se mais. Uma manhã disse para o E.T. Coelho:
- Junta aí uns desenhos numa pasta e vem comigo a um sítio. Vou arranjar-te um bom trabalho.
E lá foram para os armazéns da alfândega, que se erguiam onde é hoje o Campo das Cebolas, ao Terreiro do Paço e onde estava a ser elaborado o cortejo histórico. O Dr. Leitão de Barros, do recinto envidraçado onde se improvisara um escritório, viu o Rodrigues Alves aproximar-se e alegrou-se...
- Até que enfim te decidiste!
- Bem, doutor... - começou - trago-lhe aqui este rapaz, o Eduardo Coelho, que...
- Isto não é trabalho para rapazinhos! - interrompeu, repentinamente colérico, o Leitão de Barros. - De ti é que eu preciso, dum artista com experiência, que domine o desenho, que conheça bem história do trajo...
Nesta altura, o Rodrigues Alves teve de segurar por um braço o Coelho que dava já meia-volta para se «raspar à francesa». «Sacou-lhe» a pasta com os desenhos, e enquanto Leitão de Barros continuava a gritar (ele era muito temperamental) abriu-a e começou a mostrar o conteúdo.
Subitamente interessado, o doutor interrompeu o responso, pôs os óculos e começou a observar os desenhos. Passava-os um a um, demoradamente, e a certa altura dirigiu-se ao E.T. Coelho, olhou-o por cima das lentes de ver ao pé e disse:
- Foi você quem fez isto? - e continuou a folhear o trabalho. Por fim. voltou ao principio exclamando:
- Quer vir para cá trabalhar? Quanto quer ganhar? Pode ficar já hoje?
O E.T. Coelho ficou, e até partir para fora do país, muitos anos depois, não mais deixou de colaborar com esse grande artista, para cortejos históricos, filmes, empreendimentos artísticos, decorações...
Este contacto com o Coelho teve uma importância relevante na opinião do doutor Leitão de Barros. Logo a seguir pede ao mestre Rodrigo Alves para lhe arranjar uns alunos da Escola António Arroio onde este leccionava, para trabalharem na decoração do cortejo. Passara a acreditar que os artistas não se medem pela idade.
E lá fui eu com mais dois colegas amigos, o Luís Osório e o Daciano Costa, hoje arquitecto, trabalhar sob a orientação do pintor Domingos Saraiva, também da equipa do «Século Ilustrado».
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O Louletano, 21 de Maio de 2007
O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO - 11
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy
Aí criámos uma forte amizade com o Manuel Jorge, um jovem artista que acabara de sair da Marinha e grandes ensinamentos nos deu quanto a coisas do mar.
Como era fatal, deu-se uma nova tertúlia nesse cortejo. Para mim, era o primeiro trabalho pago (e bem pago), e uma forma de criar novas e saudáveis amizades que nunca mais se quebraram.
O escultor Alípio Brandão, o pintor Hermano Baptista, e o neto de Matos Sequeira, o Gustavo, completavam o grupo que viria a celebrizar-se entre os obreiros desse cortejo histórico. Quantas noites inteiras de trabalho seguido, sem descanso... mas quanta satisfação ao ver o êxito do esforço dispendido!
Para lazer a figura de S. Jorge montado a cavalo trespassando o dragão com uma lança, e que iria ser executado em pasta, com quatro metros de altura, o Leitão de Barros chamou um escultor famoso para modelar no barro a maqueta em formato reduzido. Mas o escultor não conseguiu fazer um cavalo decente.
Fazer animais correctamente não é assim tão fácil. E uma manhã, o Leitão de Barros, sob um acesso de cólera, despede o escultor, chama o E.T. Coelho e diz-lhe:
-Tens aí barro, faz o S. Jorge a cavalo. Anda!
O Coelho franziu o sobrolho, no seu jeito peculiar quando sentia o «barco aos solavancos». - Mas eu nunca modelei... eu não sei se... - balbuciou. Mas já o Leitão de Barros se afastava, lançando um último grito:
- Tens quatro horas para acabares isso! Há três dias que estou encalhado com essa maqueta e não posso esperar mais!
O Eduardo Coelho não levou só as quatro horas, mas no dia seguinte estava pronta a pequena estátua. Um cavalo cheio de movimento com a mesma graça e saber que o nosso artista imprime aos desenhos, estava ali, em três dimensões, sobre o dragão vivo, que o cavaleiro atacava com a lança. Toda a equipa foi admirar a pequena obra-prima. Depois, o formador João Barros fez a réplica da estátua para o tamanho gigante que desfilou pelas ruas de Lisboa. A nós, aos rapazes da Escola António Arroio, coube-nos pintar e decorar esse gigante.
Estava também programado que dois elefantes asiáticos viriam de um «zoo» espanhol para participarem no desfile, já que o nosso Jardim Zoológico só tinha exemplares africanos.
A figura de S.Jorge a cavalo, a matar o dragão, de que José Ruy fala no texto.
Da UBIcinema, realização de António Lopes Ribeiro, 25 minutos
Clique em cima desta última imagem para ver o documentário filmado.
(Continua...)
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Baseado no conto de Eça de Queiroz
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