Fábrica da Cultura no XI Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora 2000 (último ano em que lá se realizou o Festival)
ÀS QUINTAS FALAMOS DO CNBDI (7)
OS AMIGOS DO CNBDI (6)
Por José Ruy
(...Continuação)
OS AMIGOS DO CNBDI (6)
Por José Ruy
(...Continuação)
Mas a riqueza do CNBDI não se confina aos originais que recolhe no seu «bunker» e que já por si representa uma das mais valiosas coleções do género. É a sua biblioteca (ou bedeteca). Ao longo dos muitos Festivais, autores portugueses e estrangeiros foram oferecendo livros de sua autoria, e com os adquiridos pelo próprio Centro atingiu um número considerável.
Em 2009 tinha treze mil volumes.
Mas também a importância desta Bedeteca não é pela quantidade, mas sobretudo pelo seu conteúdo. A maior parte desses livros são hoje raridades, pois trata-se de edições de reduzidas tiragens e sem hipótese de reimpressões. Portanto, são praticamente livros únicos, consultados permanentemente e com todo o cuidado por investigadores e até editores, que dessa maneira puderam escolher para edições especiais, histórias franco-belgas há muito publicadas. Em muitos casos, nem as editoras de origem possuem hoje exemplares desses títulos. E falo com conhecimento de causa, porque livros meus editados pela Editorial Notícias ainda quando conservava este nome, antes de ser adquirida por um grupo editorial, já não conservava em arquivo alguns dos títulos. Também o caso da Meribérica/Liber e a Marginália, que ao serem desativadas perderam todo o seu arquivo particular.
Por aqui se pode verificar a riqueza acumulada com tão grande esforço e sem praticamente «custos aos contribuintes» (que parece preocupar agora alguns) nas prateleiras do CNBDI. Em 2009 foi inaugurada a Biblioteca Municipal construída de raiz, a que foi dado o nome do Dr. Fernando Piteira Santos, natural da Amadora e que doou todo o seu espólio num nobre gesto, permitindo dessa maneira uma consulta pelo público intelectual. E lembro-me de na altura alguém ter escrito num dos jornais do Concelho, discordando do facto de a Edilidade ter dado este nome à Biblioteca, pois achava que esta importante figura nacional nada tinha a ver com a Amadora. Era um dos muitos que falam de cor, sem investigarem sobre o que escolhem para dizer mal, só por que a figura usa bigode e «eles» não gostam, ou tem olhos de cor diferente dos seus. Mas com estes «criticastros» podemos nós bem, ignorando-os e votando-os ao desprezo.
Habituei-me a admirar o Dr. Piteira Santos, quando trabalhava nas Publicações Europa-América e antes da revolução de 1974, publicava os seus livros técnicos nesta editora enviando os originais a partir da Argélia, onde se encontrava exilado, com um pseudónimo inglês, e o editor Francisco Lyon de Castro enviava-lhe o pagamento dos direitos, para que conseguisse assim sobreviver no seu retiro forçado no Norte de África.
Mas estava a contar, que quando se preparava a inauguração da Biblioteca da Amadora, os responsáveis depararam-se com as muitas prateleiras da secção infanto-juvenil, sem um livro para lhes colocar. Então tiveram a brilhante ideia de ir buscar ao CNBDI dez mil livros dos treze mil existentes. Seria só para a inauguração, para compor a secção e que em breve adquiririam volumes para substituir aqueles. Até porque os livros ali em exposição são raridades, e deviam estar em resguardo. Embora sejam de tipo juvenil, não se trata de «bonecada», que os bibliotecários utilizam para deixar folhear pelo seu público de escalão etário mais baixo, e mesmo assim, com cautela com os escalões acima. Era um «faz-de-conta», como aquelas bibliotecas de «novos-ricos» que têm as prateleiras repletas de obras literárias, mas só as lombadas coladas em caixas de cartão. Era só para olhar mas não ver e muito menos folhear.
Mas o CNBDI viu-se assim espoliado da maioria do conteúdo da sua biblioteca. Naturalmente que na altura preocupei-me com esta situação, pois tudo o que possa prejudicar este Centro mexe comigo, porque me considero um verdadeiro amigo do CNBDI, tal como o Dr. Luís Vargas, para mim o principal garante do seu bom funcionamento, até por ter sido o seu criador. Em 2009 já o Dr. Luís Vargas não estava a dirigir o Centro, pois a sua carreira profissional elevou-o a outros cargos, talvez mais importantes, e neste caso tenho dificuldade em discernir importâncias em patamares com o nível em que se encontra o Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem, na Amadora.
Com a minha frontalidade para tratar de assuntos de que concordo ou discordo, tive na altura uma longa conversa com o Dr. Luís Vargas sobre esses livros, troca de impressões facilitadas pela amizade que lhe devoto, criada em tantos anos de colaboração intensa, agradável e produtiva. A sua teoria era que os livros em causa encontravam umas condições muito melhores do que tinham na instalação da Avenida do Brasil, na Amadora, alegando que se aí havia um privilegiado processo de preservação e tratamento para os originais, para os livros não. Além disso estavam muito apertados e receava pela sua segurança quando na «balbúrdia» dos Festivais com as portas franqueadas a todo o público. O caso é que nunca desaparecera um único livro até aí, e digo até aí, pois de um dia para o outro, tinham feito desaparecer dez mil de uma assentada. Questionei ainda porque não davam então as desejadas condições à sempre provisória instalação do CNBDI.
Mas é mais fácil fazer perguntas do que receber respostas.
«Prometeram-me» em dada altura, que os livros iriam ser devolvidos pois já possuíam outros volumes para preencher as prateleiras. O problema era a falta de pessoal para catalogar os novos livros adquiridos.
Passaram quatro anos. Os próprios funcionários do CNBDI quando precisam de consultar esses livros têm de se deslocar à Biblioteca. Uma incongruência.
E já agora, como foquei acima, «de que devemos falar e escrever do que sabemos, sem ir atrás do diz-se diz-se da má-língua», aqui alerto o ter aparecido em cedências domiciliária a jovens, para leitura, livros desses, os de raro valor inestimável, como se fossem simples álbuns que se podem comprar iguais na livraria mais próxima. Descuido da Biblioteca? Será que essas raridades estão, como me afirmou o Dr. Luís vargas, realmente em melhores condições do que no CNBDI?
Responsabilidades? Primeiro é preciso saber se as pessoas envolvidas foram consciencializadas do valor das peças e se houve esse cuidado de quem tem o poder de decisão.
Há um velho provérbio que diz: «manda quem pode, obedece quem quer». Em decisões como esta nunca obedecerei e lutarei sempre pelo que acho justo, e nunca deixarei destruir o que foi construído com tanto esforço e carinho, por tantas pessoas de boa vontade. Para essa luta conto com o Dr. Luís Vargas, para mim, o garante deste Valioso Centro que se distingue dos seus congéneres da Europa.
(continua...)
Nestas duas imagens: Projecto e maqueta do CNBDI em exposição no VIII Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora 1997
Aspecto do VIII Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora 1997
Fábrica da Cultura no XI Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora 2000 (último ano em que lá se realizou o Festival)
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Não foi possível apresentar imagens da demolição da Fábrica da Cultura e também do estado actual do CNBDI, que esperamos colocar aqui na próxima semana.
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