NONA ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(CVIII - CVIX)
O Louletano, 1 de Outubro de 2007
Três anos depois do término da Segunda Guerra Mundial, em 1948, os pais de José Ruy acolheram na sua casa em Lisboa uma menina austríaca, através da Caritas Internacional. Devia ficar alguns meses mas acabou por permanecer durante três anos. Nesse período, José Ruy fez muitos desenhos da rapariga, que se chamava Edil Traude. Foi ela a modelo para a história curta "Gizela", que só veio a surgir muito mais tarde, no Almanaque do Mundo de Aventuras, publicado no final de 1982.
Ainda por volta de 1948, chegou a Portugal a novidade da esferográfica e o inaudito instrumento passou a fazer parte da panóplia do artista. Mas as primeiras canetas
desse tipo eram caras e José Ruy elaborou um sistema para recarregar o tubinho de tinta, com a ajuda do impressor do turno da noite das Edições O Mosquito, Francisco Ribeiro. A primeira tentativa revelou-se hilariante, pois era necessário empurrar a tinta e a pressão fez saltar a esfera da caneta e, com trabalho em curso na máquina offset, os dois acabaram de gatas à procura da bolinha... E, como a necessidade por vezes favorece os azarentos, até acabaram por dar com ela e voltar a colocá-Ia na esferográfica de luxo.
O Mosquito avizinhava-se então de momentos funestos – consumados com a separação dos dois sócios, Raúl Correia e António Cardoso Lopes. Este ficou com as máquinas (as Edições O Mosquito), para o pouco que lhe serviram, e Raúl Correia foi imprimir O Mosquito propriamente dito para outro lado, o que pode ser constado na mudança da ficha técnica entre o n° 1025 e 1026, este de 23 de Abril de 1949. José Ruy cessou então o seu trabalho na preparação das cores da revista.
Na sua tipografia, o Tiotónio ainda tentou realizar um outro jornal infantil, a que chamou O Gafanhoto, iniciado a 11 de Dezembro de 1948, e de novo José Ruy colaborou na parte gráfica. Infelizmente, a revista não tinha sido normalmente declarada e a sua interrupção no ano seguinte deu-se por intervenção judicial.
Para as suas "Lendas Japonesas" publicadas em O Papagaio, já na Flama, José Ruy necessitou um dia do modelo de um rato. Oficialmente, no Jardim Zoológico não existia tal animal, pelo que o engenhoso José Ruy decidiu capturar um dos encantadores roedores que vagueavam à solta pelas Edições O Mosquito. Com uma ratoeira improvisada conseguiu mesmo apanhar viva uma bela ratazana que foi então modelo para a história aos quadradinhos adaptada de Wenceslau de Morais. Dois dias depois, descobriu-se que o renitente espécimen estava infestado de pulgas pelo que José Ruy lhe deu com uma dose de DDT, um produto que era então novo e com efeitos mal conhecidos. A rata ficou com convulsões e vai do desenhador dar banho ao bicho no pátio, à distância regulamentar de um jacto de água. No fim do estudo foi decidido libertar na rua o encantador animal – com uma parte da cauda pintada de encarnado para facilitar o exame das migrações dos roedores. Mas o bicho não mais voltou, pudera!
Para sobreviverem, as Edições O Mosquito captaram para si a impressão do Camarada, da Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, e por isso José Ruy também para lá trabalhou na separação de cores. Mas, no início de 1951, também esta revista cessaria de aparecer. Em O Mosquito, o desenhador apenas deixou uma única história aos quadradinhos, intitulada "O Reino Proibido", já em 1952. Sabendo do fim inevitável da publicação, José Ruy e Eduardo Teixeira Coelho tentaram cativar a Mocidade Portuguesa para a edição de uma nova revista, que se deveria intitular O Lidador. Mas o projecto não logrou ver o dia.
Em contrapartida, os contactos estabelecidos tornaram possível aquela que é considerada como a primeira exposição de banda desenhada em Portugal, realizada no final de 1952 no Palácio da Independência, em Lisboa. José Ruy e E. T. Coelho estiveram envolvidos na sua organização e para o efeito realizou-se uma folha colorida com extractos de histórias dos dois, de "Gizela" e de "O Caminho do Oriente", de ETC. A litografia a quatro cores era da responsabilidade de José Ruy. »»
O Louletano, 1 de Outubro de 2007
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(...Continuação)
Ainda por volta de 1948, chegou a Portugal a novidade da esferográfica e o inaudito instrumento passou a fazer parte da panóplia do artista. Mas as primeiras canetas
desse tipo eram caras e José Ruy elaborou um sistema para recarregar o tubinho de tinta, com a ajuda do impressor do turno da noite das Edições O Mosquito, Francisco Ribeiro. A primeira tentativa revelou-se hilariante, pois era necessário empurrar a tinta e a pressão fez saltar a esfera da caneta e, com trabalho em curso na máquina offset, os dois acabaram de gatas à procura da bolinha... E, como a necessidade por vezes favorece os azarentos, até acabaram por dar com ela e voltar a colocá-Ia na esferográfica de luxo.
O Mosquito avizinhava-se então de momentos funestos – consumados com a separação dos dois sócios, Raúl Correia e António Cardoso Lopes. Este ficou com as máquinas (as Edições O Mosquito), para o pouco que lhe serviram, e Raúl Correia foi imprimir O Mosquito propriamente dito para outro lado, o que pode ser constado na mudança da ficha técnica entre o n° 1025 e 1026, este de 23 de Abril de 1949. José Ruy cessou então o seu trabalho na preparação das cores da revista.
Na sua tipografia, o Tiotónio ainda tentou realizar um outro jornal infantil, a que chamou O Gafanhoto, iniciado a 11 de Dezembro de 1948, e de novo José Ruy colaborou na parte gráfica. Infelizmente, a revista não tinha sido normalmente declarada e a sua interrupção no ano seguinte deu-se por intervenção judicial.
Os últimos números, raríssimos, só seguiram para os assinantes e foram passados em contrabando pelos funcionários da editora-tipografia, mesmo nas barbas da polícia. Posteriormente, António Cardoso Lopes decidiria emigrar e desaparecer no Brasil – mas isto é outra história, triste e misteriosa. »»
À esquerda: Capa de José Ruy publicada no N° 508 de "O Papagaio", em 5 de Janeiro de 1945, a sua primeira ilustração impressa — À direita: Ilustração para a capa de "O Papagaio" N° 509, em 11/1/45, de um conto escrito por José Ruy publicado nesse número (ver aqui em baixo):
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O Louletano, 8 de Outubro de 2007
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Para sobreviverem, as Edições O Mosquito captaram para si a impressão do Camarada, da Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, e por isso José Ruy também para lá trabalhou na separação de cores. Mas, no início de 1951, também esta revista cessaria de aparecer. Em O Mosquito, o desenhador apenas deixou uma única história aos quadradinhos, intitulada "O Reino Proibido", já em 1952. Sabendo do fim inevitável da publicação, José Ruy e Eduardo Teixeira Coelho tentaram cativar a Mocidade Portuguesa para a edição de uma nova revista, que se deveria intitular O Lidador. Mas o projecto não logrou ver o dia.
Em contrapartida, os contactos estabelecidos tornaram possível aquela que é considerada como a primeira exposição de banda desenhada em Portugal, realizada no final de 1952 no Palácio da Independência, em Lisboa. José Ruy e E. T. Coelho estiveram envolvidos na sua organização e para o efeito realizou-se uma folha colorida com extractos de histórias dos dois, de "Gizela" e de "O Caminho do Oriente", de ETC. A litografia a quatro cores era da responsabilidade de José Ruy. »»
"Lendas Japonesas": Daymió Fú, o Senhor e o Tigre" em "O Papagaio" [2ª série], secção da revista "Flama" nº 90, de 25 de Novembro de 1949. Impresso.
"Gisela" uma de três tiras [da versão colorida em litografia] por José Ruy para a primeira exposição de banda desenhada em Portugal, no Palácio da Independência, em 1952.
Início de "O Reino Proibido", de José Ruy, n' "O Mosquito" n° 1335 de 29 de Abril de 1952
(continua...)
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