terça-feira, 11 de junho de 2013

IX FESTIVAL INTERNACIONAL DE BANDA DESENHADA DE BEJA 2013 — LE GRAND FINALE NA CASA DA CULTURA DE BEJA — A SOLO (6 e 7): SAMA — ANDRÉ FERREIRA — CHORUS (5): ILAN MANOUACH E PEDRO MOURA

Os Cadernos de Sama

IX FESTIVAL INTERNACIONAL
DE BANDA DESENHADA DE BEJA 2013
LE GRAND FINALE NA CASA DA CULTURA DE BEJA

A SOLO (6 e 7)
SAMA
ANDRÉ FERREIRA

CHORUS (5)
ILAN MANOUACH E PEDRO MOURA
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SAMA (Eduardo Filipe)
UM AUTOR MULTIDISCIPLINAR
Jorge Machado-Dias
No Splaft!

Sama esteve no ano passado no XXIII Amadora BD’2012, com uma colectânia de histórias curtas com teor autobiográfico e por vezes até erótico imtitulada "Cadernos do Sama - vol I", onde cinquenta capas desta revista foram personalizadas pelo próprio autor in loco, durante as sessões de autógrafos.

Nesta publicação o leitor pôde apreciar também o preview de uma publicação futura, os "Postais do Sama". Trata-se de uma troca de postais entre autores de vários cantos do mundo. É um projecto em construção. O autor espera em breve, preparar uma exposição e uma publicação com este material que conta com a participação de autores como Cyril Pedrosa, Simon Bisley, Jim Woodring, Edmond Baudoin etc..

Mas Eduardo Filipe é um homem de múltiplas facetas. Trocou a deliquência juvenil pelo exército, trocou o exército pelo teatro e abandonou uma carreira na TV pelas artes gráficas. Hoje, concilia a arte contemporânea com os quadradinhos – designação brasileira, inspirada na portuguesa em voga até aos anos 1970, quando a trocámos pela expressão de origem francesa, banda desenhada –, o humor com a crítica social e, na maior parte do tempo, deixa o nome real de lado para se apresentar pelo pseudónimo Sama. É Sama quem assina "A balada de Johnny Furacão" (Editora Flanêur, Rio de Janeiro, 2011), graphic novel inspirada num lado B de Erasmo Carlos, que conta a história de um amante da velocidade.

Desenhadas em traços incertos, com ares inacabados, e coloridas com a técnica oriental do sumi-ê (uma técnica de pintura surgida na China no século II da era cristã), as 146 páginas da primeira história longa de Sama revelam um pouco da sua personalidade inquieta. "Juventude transviada", de James Dean, a estética de Saul Bass nos créditos dos clássicos de Hitchcock e Otto Preminger, os desenhos animados "Ren & Stimpy", as aventuras de "Speed racer", a violência de Quentin Tarantino e os thrillers de Stephen King... Todos emprestam elementos para esta road comic. A narrativa, cheia de mistério, é permeada por um clima quase onírico. Natural da cidade Conselheiro Lafaiete (Minas Gerais), Sama atribui essas características às lendas rurais de sua terra natal.

A mistura da sofisticação das referências reunidas durante toda uma vida com a simplicidade dos casos ouvidos na infância, passada no interior, poderiam tornar "A balada..." num livro autobiográfico – um caminho que Sama evitou seguir.

– Tenho muita ligação com histórias de estrada. Já fui para a Bolívia de moto, já morei na Argentina e em vários estados brasileiros, vivi até num barco no Pantanal. Apesar de não parecer, este é um projeto muito pessoal, mas não biográfico. Sempre tentei fugir do convencional e uma história baseada na minha vida me soa convencional demais.

Após actuar no horário nobre da TV, Sama, ainda Eduardo Filipe, rapidamente passou para trás das câmaras, trabalhou como assistente de direcção na TV e, no teatro, arriscou-se como cenógrafo, dramaturgo, director e até figurinista. Nas artes visuais pinta, faz instalações, grafita, aventura-se pelo quadrinho de humor e cria caricaturas. Caso da premiada "Bradesco Bin Laden", que une o logotipo do banco Bradesco, uma das maiores seguradoras da América Latina, ao atentado de 11 de Setembro nos Estados Unidos. Apesar de criticado pelo tema espinhoso, o trabalho conseguiu o primeiro lugar no Salão Carioca de Humor, em 2004, e espalhou-se pela internet. A repercussão da imagem foi tanta, que Sama se deparou com camisolas estampadas com um seu desenho numa feira de Buenos Aires.

– Esse é o meu maior sucesso, sem dúvidas. O problema é que ninguém que conhece o trabalho sabe de quem é a autoria dele! – brinca o autor, que, agitado, já pensa nos próximos projetos. – Tenho um livro em andamento, que é uma troca de correspondência entre artistas pláticos e autores de HQ. Há mais de um ano tenho trocado postais com o (artista plástico) João Mansur Anache e gostei tanto dessa brincadeira que estou fazendo o mesmo com o Odyr e o Rafael Sica, ambos dos quadrinhos. A ideia é transformar tudo em livro. – Os tais “Postais de Sama” referidos no início deste texto.

Sama numa visita guiada à sua exposição...


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ANDRÉ FERREIRA
MESMO OLHANDO O CHÃO, 
NADA NOS IMPEDE DE VOAR
Ana Albuquerque
No Splaft!

André Ferreira nasceu em Beja, em 1976. Partiu e regressou nove anos depois, para partir e regressar muitas outras vezes. Olhou o seu lugar de longe e, com isso, encurtou distâncias e formas de expressar os sonhos. Voou sem ter medo e de olhos no chão, com as ideias certas de que a aprendizagem diversificada o faria mais apaixonado pela arte e pela vida. Descobriu, nesses longes, pessoas que afinal não tinham diferenças profundas mas igualdades e desejos irmãos. Olhou-se, no reflexo da paisagem que ficava para trás, e reconheceu-se mais nítido, mais ser. Era esse o caminho, por entre outros itinerários longínquos, que havia de percorrer. Como forma de perpetuação, passou, para as folhas de um diário, grafismos de presenças em terras, viagens, trabalhos. Textos que­ davam cor aos desenhos e desenhos que ornamentavam contextos literários. Musicou-se e encontrou formas de apoiar melodias com pigmentações e figuras. Sob o pseudónimo "Goran Titol" subiu a palcos para dar a conhecer as suas composições musicais que, desde 2003, passaram a constituir o seu universo interior. Mais descobertas, mais experiências. Animou-se. Conjugou sons e imagens eletrônica e passionalmente. Hoje escava com o olhar e com as mãos as histórias de outrora e compõe, com os mesmos utensílios, as estórias que vão brotando do chão quente e seco da paisagem alentejana, chão nosso. É este encanto que serve de cenário inspirador à sua arte literária, pictórica e musical. De pés fincados entre o sonho e o real, está consciente de que essa aparente antítese se desfaz quando o produto final é algo concreto, algures entre o que tem realizado e o que tem pensado. Da miscigenação dos olhares e dos voos surge o Ouro Formigas, livro primeiro, editado pela Bedeteca de Beja e Prémio Geraldes Lino 2013.

André Ferreira foi o autor editado no nº 7 da Colecção Toupeira, da Bedeteca de Beja - pena que tenha sido a preto e branco...

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ILAN MANOUACH E PEDRO MOURA
VARIAÇÕES SOBRE O ANJO DA HISTÓRIA
OLHARES SOBRE O CAMINHO
Sara Figueiredo Costa
No Splaft!

Um excerto do trabalho de Pedro Moura e Han Manouach a partir da tese de Walter Benjamin já havia sido publicado no volume Aambaht, editado em 2011 com o selo Imprimitiv, projecto editorial holandês. Um ano depois, publicou-se a edição bilingue português-francês, agora na sua versão integral, com assinatura editorial Montesinos e La Cinquiéme Couche. Situando brevemente o génesis divulgado deste livro, Pedro Moura e llan Manouach partem de uma das teses sobre Filosofia da História escritas pelo filósofo alemão Walter Benjamin, concretamente o seu texto sobre "O Anjo da História", uma reflexão sobre o tempo, a memória e as constantes actualizações da narrativa que cruza ambos os elementos. Esse texto tem, também ele, uma origem, um gatilho externo que permitiu a Benjamin estabelecer a sua reflexão, e essa origem encontra-se no desenho de Paul KJee intitulado Angelus Novus: «Há um quadro de Klee intitulado 'Angelus Novus'. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Temos olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter este aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de factos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já as não consegue fechar. Este vendaval arrasta- o imparavelmente para o futuro, a que ele volta costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até ao céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval.» (edição Assírio & Alvim, 2010, tradução de João Barrento).

Os textos de Pedro Moura funcionam como pequenas vinhetas construídas a partir da leitura que Walter Benjamin traçou da História, com o desenho de Paul KJee como ponto de partida e a Europa flagelada pela guerra e o nazismo como contexto de reflexão. Essa leitura é como um detonador, mas a matéria verbal deste livro não é pastiche do autor alemão nem sua exclusiva interrogação, procurando, antes, modos de prosseguir os questionamentos de Benjamin à luz de um presente que Benjamin já não conheceu, e caminhos que sejam autónomos num processo que reflecte, mas que também aponta (por vezes em tom acusador, outras complacente), classifica, duvida. As ilustrações de llan Manouach não são traduções pictóricas dos textos, nem respostas directas aos enunciados de Moura, mas antes um caminho autónomo no enunciado de figuras e conceitos que compõe este livro. Essa autonomia não afecta, no entanto, a unidade do livro enquanto obra composta por textos e imagens, antes confirma que semelhante unidade não tem de alcançar-se sempre pela via das vozes fundidas num mesmo discurso, podendo encontrar o seu caminho através de um diálogo onde há espaço para discordâncias ou sobreposições de fala. Nesse sentido, o trabalho de llan Manouach estabelece com o texto de Pedro Moura relações que tanto podem ser de complementaridade como de contraste, de fuga como de exemplí >.

Os traços desenhados e as manchas que se constroem com a paleta de preto-branco e a suas múltiplas gradações e saturações interrogam o texto, acrescentam-lhe matéria, duvidam dele, sempre num gesto dialógico capaz de produzir novos sentidos e sobretudo novas perguntas: se a cabeça de João Baptista numa travessa é representada de um modo literal, funcionando o texto como decantador dos elementos que descrevem a imagem e a imagem como um momento estático que nos dá a ver o que esperamos ver, figuras como o Anjo da Inveja ou o Anjo da Imitação surgem nos traços de Manouach respectivamente como uma cabeça que ocupa toda a página e onde os leitores mais familiarizados com certa cultura popular reconhecerão a efígie da banda Kiss e como um anjo caído no sopé de uma página onde o negrume pode bem ser o mesmo vazio que este segundo anjo transporta na falta de sentido e compreensão dos seus gestos. Se a origem conhecida deste livro está no texto de Walter Benjamin, do mesmo modo que a origem conhecida desse texto pode situar-se no "Angelus Novus" de Paul Klee, ambas as obras se constroem na sua própria autonomia, assumindo a origem que as permitiu como um ponto de começo sem que isso limite a sua progressão natural, as suas interrogações, a sua existência. Variações Sobre o Anjo da História pode ler-se como uma longa declinação sobre o percurso, e não propriamente sobre as origens ou o destino, conceitos pouco funcionais quando se abandona um olhar arrumado, narrativo e bem delimitado sobre a História. Prescindindo do conforto dessa arrumação e observando as ruínas sucessivas de que falava Benjamin, o percurso é matéria mais rica para o nosso desassossego colectivo do que qualquer cronologia bem estabelecida (assim saibamos dar-lhe uso).


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