Aproveito este texto de João Reboredo sobre o bacalhau, para juntar - de seguida neste mesmo post - uma Kuentrada de Natal, que não tinha tido oportunidade de publicar ainda aqui, trata-se do Bacalhau com Todos - variante de uma receita que o chef Vitor Sobral apresentou na rúbrica Life & Stile do Público online.
O "Zé das Papas", de Raphael Bordallo Pinheiro
ZÉ DAS PAPAS (20)
ZÉ DAS PAPAS (20)
O FIEL BACALHAU
Gazeta das Caldas, 29 de Março de 2013
A terminar o texto sobre o Carnaval – II Parte, referi o enterro do entrudo, também chamado enterro do bacalhau e, com ele, entrei nos domínios da gastronomia!
Escrevi, então, que o bacalhau, simbolizava a satisfação e a folia vividas, que se iam acabar, aproximando-se um período de jejum e penitência, conforme os preceitos da igreja católica.
No entanto, graças aos hábitos alimentares portugueses o bacalhau constitui, o alimento por excelência da Quaresma!
Em “A Relíquia”, que data de 1887, Eça utiliza o bacalhau para exemplificar a dissimulação de Teodorico (a personagem do romance) que, dispensando o bacalhau das sextas-feiras, diante da Titi, bebia asceticamente um copo d’água e trincava uma côdea de pão; o bacalhau, esse, reservava-o para a noite, de cebolada, quando jantava em casa da amante, a Adélia.
Só se designa por bacalhau: o Cod Gadus Morhua, o legítimo bacalhau, e o Cod Gadus Macrocephalus, o bacalhau do Pacífico.
Cod Gadus Morhua
Cod Gadus Macrocephalus
As várias espécies de bacalhau - de referir que o Pollachius Virens é o célebre escamudo de má memória neste país...
O Bacalhau conserva todas as propriedades do peixe fresco. É nutritivo, saboroso, de fácil digestão, rico em minerais e vitaminas,com colesterol quase zero e permite inúmeras variações.
Deixem-me referir o Bacalhau Porto. Historicamente, a cidade do Porto foi a primeira a receber e preparar o bacalhau que os pescadores Portugueses traziam das águas geladas da Terra Nova, Islândia e Groenlândia. Ainda hoje o Porto é a principal cidade culinária do bacalhau e, por tradição cultural, o nome “Porto” passou a identificar o bacalhau de melhor qualidade.
Chamava-se “Porto” apenas ao bacalhau tipo Cod Gadus Morhua, acima de 3 kg, que, quando cortado, apresenta grossas lascas, de bela cor e suave textura.
Os tipos de bacalhau são classificados em três categorias:
Imperial – a melhor classificação. Significa que o bacalhau está bem cortado, bem escovado e bem curado. O Porto Imperial é exemplo do melhor dos melhores.
Universal – classificação que identifica o bacalhau que apresenta pequenos defeitos, que não chegam a comprometer sua qualidade, visto que o paladar é o mesmo do Imperial.
Popular – é o bacalhau que apresenta manchas e do qual faltam pequenos pedaços, extirpados pelo arpão na hora da pesca.
São muitos os criadores “certificados” de receitas de bacalhau merecedoras de encómio; registo, como exemplo, José Luis Gomes de Sá Junior, comerciante estabelecido na Ribeira, no Porto, que nos deixou uma receita com o seu nome, e que já referi e José Valentim, mais conhecido pelo Zé do Pipo, que viveu no Porto e era dono do restaurante com o mesmo nome. O seu prato caracteriza-se por as postas de bacalhau serem cobertas por maionese e depois levadas ao forno a gratinar.
Bacalhau à Zé do Pipo
João Reboredo
joaoreboredo@gmail.com
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BACALHAU COM TODOS
Lembro-me de comer bacalhau desde que me lembro daquilo que faço.
Houve alturas, quando era miúdo, em que comia bacalhau cru (seco e salgado), desfiado - fartava-me de comer daquilo e depois passava o resto do dia a beber água. Muito mais tarde, na Tertúlia BD de Lisboa, no restaurante A Gina, no Parque Mayer, comi bacalhau assado na brasa, com batatas cozidas com casca e azeite aquecido, durante seguramente um ano e picos - todas as primeiras terças-feiras de todos os meses.
Em minha casa, durante vinte e tal anos, comemos bacalhau “com todos” - à maneira tradicional - na noite de Natal, sempre. Depois de um interregno de alguns anos, recuperei a tradição. Mas no último Natal, estando sózinho em casa, vi um vídeo do Life & Stile do Público online, onde o Chef Vitor Sobral mostrou uma maneira um pouco diferente cozinhar o “bacalhau com todos” - ver o vídeo abaixo, para perceberem as minhas "nuances":
Clicar em cima da imagem para ver o vídeo - claro que vão ter de ver a publicidade inicial...
A diferença está em que eu refoguei o alho, com pés de coentro picados grosseiramente - só depois coloquei a cebola. O refogado, como sabemos, é a base da cozinha mediterrânica e existem vários graus de refogado. Aquele que normalmente uso, é o ligeiro, em lume brando, mais ou menos prolongado, sem nunca deixar “fritar” e que não serve apenas para “alourar a cebola”, mas para extrair os sucos do alho, do coentro e da cebola. E esta pequena variante faz toda a diferença nos sabores finais. Por vezes uso coentros e salsa, junto os ramos (molhos) e pico os pés de ambos ao mesmo tempo - mas costumo usar esta variante mais para carnes (não me perguntem porquê).
E, em vez de vinho branco, usei sumo de limão. Na cozedura dos legumes também usei coentros em vez de salsa. Tal como Vitor Sobral prescreve, juntei ao material refogado, além do sumo de dois limões, o caldo dos legumes cozidos.
Não cozi as batatas, mas assei-as - como levam cerca de uma hora a assar no forno, coloquei-as lá antecipadamente - e, quando elas estavam já meio assadas, juntei-lhes, por cima dois pimentos (um verde e outro vermelho, mas isto não tem nada a ver com nacionalismos, é porque os sabores não são exactamente iguais) cortados em tiras e por cima, o bacalhau - lá está, os pimentos ao assarem vão largando os sucos e isso também é importante para um resultado final com sabores variados. Finalmente, o material refogado inicialmente, a cobrir tudo.
Vejam o “filme”:
Os legumes para cozer: o grão, a couve portuguesa, cenouras, tomate, cebola, alhos, molho de coentros, folha de louro e sal...
As batatas vão a assar com uma cebola cortada aos bocados e alguns alhos...
o refogado...
as batatas ainda meio assadas, levam com os pimentos em cima...
depois o bacalhau e o material refogado, algum azeite e muita pimenta preta ralada directamente no moinho...
cobre-se o tabuleiro com folha de alumínio e vai ao forno (a 180 graus - não 150, como diz o Vitor Sobral, senão aquilo não assa decentemente) - 25 minutos, meia hora e tá pronto...
Da próxima vez coloco o grão cozido também no forno - ficam com uma textura de "carolos", mas comestíveis, embora me dêem cabo dos dentes, se os deixar lá tempo demais...
Tudo isto acompanhado com azeite de Moura, mais uns pingos de limão e um belo pão "tipo alentejano"
Esta comezaina deu-me para dois almoços!!
Esta comezaina deu-me para dois almoços!!
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