OS 75 ANOS DO PAQUETE
QUE NASCEU COM UMA REVISTA
Diário de Notícias, 23 Março, 2013
Eurico de Barros
Criado em 1938 para representar a revista com o mesmo nome, Spirou já passou pelas mãos de uma série de autores, com destaque para o genial Franquin. A personagem e a publicação fazem 75 anos em abril
Destes, Jean Dupuis escolheu Spirou, que em dialeto de Charleroi significa "esquilo", mas também, em sentido figurado, "rapaz vivo, azougado". Paul é então enviado a Paris, para propor ao desenhador francês Rob-Vel (pseudónimo de Robert Velter) a criação gráfica de Spirou. Este aceita o desafio (e um bom contrato) e com a ajuda da mulher, Blanche, dá vida a Spirou, um jovem paquete como respetivo uniforme vermelho-vivo, evocando os anos de juventude, na década de 20, em que tinha trabalhado como criado de bordo nos grandes paquetes das linhas internacionais de cruzeiros.
Além de Spirou, Rob-Vel, que então desenhava as populares aventuras de Toto na revista com o mesmo nome, vai também assinar, na nova publicação de Jean Dupuis, as histórias de mais duas personagens.
Spirou é assim o primeiro herói clássico da BD franco-belga que nasce ao mesmo tempo que a revista com o seu nome, Le Joumal de Spirou. Por isso, no dia 21 de abril, data da saída, em 1938, do número um da publicação, com 16 páginas (houve também um número zero uma semana antes, a 14), comemoram-se não só os 75 anos da revista Spirou, a grande sobrevivente dos anos de ouro da BD, após o desaparecimento de Pilote e de Tintin, mas também da própria personagem, que ficou propriedade do seu editor e já passou pelas mãos de uma série de desenhadores, individuais ou em dupla.
Rob-Vel põe Spirou como paquete do Hotel Moustic (referência brincalhona a outra revista de Dupuis, Le Moustique), cria o esquilo Spip para acompanhar o seu herói e assina cinco histórias até 1940, data em que é mobilizado para combater na Segunda Guerra Mundial. Na sua ausência, Joseph Gillain, que assina Jijé, é chamado pelo chefe de Redação de Spirou, Jean Doisy, para continuar as aventuras da personagem, fazendo duas histórias. É Jijé quem, a pedido de Doisy, cria um parceiro para Spirou, um jornalista destravado, baseado no próprio Doisy (Fantasio era, aliás, o pseudónimo usado pelo chefe de Redação de Spirou) e que se toma no melhor amigo do paquete, formando assim um trio com Spip.
Rob-Vel, que havia sido feito prisioneiro pelos alemães, regressa a Spirou em 1941e retoma as aventuras da sua criação, desenhando mais meia dúzia até 1943, ano em que a revista interrompe a publicação devido ao agudizar do conflito e à pressão da censura. O pós-guerra vê o regresso da revista, depois de, entre 1943 e 1947, ter saído irregularmente, sob a forma de um álbum e de três almanaques.
Em 1948, debaixo da pressão de um temível concorrente entretanto saído à estampa, a revista Tintin, Charles Dupuis, filho mais novo de Jean Dupuis, ocupa o posto de chefe de Redação de Spirou para a dinamizar, com a colaboração de Yvan Delporte (1), que se tornará num dos nomes míticos do título.
Entretanto, Jijé passa Spirou a um dos seus amigos e pupilos, André Franquin, em 1946. E é com Franquin, ao longo de 23 anos, até 1969, que Spirou e Fantasio vão viver a sua idade de ouro, fixar a sua identidade gráfica e narrativa e ampliar o seu universo de personagens e aventuras.
À medida que vai também consolidando o seu estilo, Franquin pega nas aventuras ingénuas e simplistas da dupla e torna-as cada vez mais longas, sofisticadas, coerentes, cosmopolitas e a refletir a atualidade do mundo e a evolução da tecnologia e da ciência. Refina-lhes o humor, enriquece-as com personagens como o brilhante cientista conde de Champignac, especialista em cogumelos e muito mais; Zantafio, o vilão e primo de Fantasio; Zorglub, o inventor louco; a jornalista Seccotine, os muitos habitantes de Champignac, caso do presidente da Câmara dado aos discursos embalados por uma retórica delirante, e, last but not least, um animalzinho genial, amarelo com pintas negras e uma longa cauda multiusos, a que o autor dá o nome de Marsupilami (de "marsupial + amigo", segundo explicaria o próprio Franquin), natural das selvas de um pais sul-americano imaginário, a Palômbia, e que se junta a Spirou, Fantasio e Spip a partir do álbum Os Herdeiros (1952). (Franquin ficaria com um tal afeto pelo Marsupilami, que lhe garantiu os direitos de autor e levou consigo quando deixou de desenhar as aventuras de Spirou, no final da década de 70, tomando-o numa personagem autónoma, a exemplo de Gaston Lagaffe, outra sua inspiradíssima criação).
A partir de certa altura, Franquin passou a contar com a colaboração de Greg (2) nos argumentos e de Jidéhem (3) nos décors, o que beneficiaria ainda mais as aventuras de Spirou e Fantasio. Foi em colaboração com Greg que Franquin concebeu Zorglub, por exemplo. O apogeu de Spirou na pena de André Franquin coincide com o da própria revista, nas décadas de 50 e 60, então já com Yvan Delporte como chefe de Redação, e sendo o paquete que Rob-Vel tinha criado em 1938 agora acompanhado por outras criações tão notáveis como o citado Gaston Lagaffe, os Schtroumpfs, Gil Jourdan, Tif e Tondu, Benoît Btisefer, Jerry Spring (de Jijé), Buck Danny, Patrulha dos Castores, Johan e Pirlouit, Marc Dacier, Boule e Bill, e muitos outros.
Franquin encheu também as aventuras de Spirou e Fantasio de invenções, automóveis e outras máquinas e engenhos voadores e aquáticos memoráveis, a mais notável das quais é a Turbotraction, o carismático, aerodinâmico e moderníssimo carro em que os heróis se deslocam numa série de álbuns, e que refletem o enorme interesse que, a certa altura da sua vida, o autor teve por tudo o que fosse tecnologia e inovações mecânicas científicas, com os automóveis à frente de tudo o resto.
Mas 19 álbuns depois, André Franquin acabou por se fatigar de Spirou, em grande parte por não o ter criado, e desistiu de o desenhar. Diria também depois não sentir muita falta da personagem, o que já não sucedia com Fantasio, o conde de Champignac, Zorglub e as figuras secundárias da vila de Champignac, porque eram suas "filhas" - "essas fazem parte de mim", disse numa entrevista. Franquin passou então a dedicar-se a Lagaffe e ao Marsupilami, bem como a experiências como a série Ideias Negras.
Sem Franquin e sem o Marsupilami, e por muito que custe aos indefetíveis do paquete, Spirou entrou em declínio. A série esteve nas mãos de Fournier nos anos 70 (por cortesia de, Franquin, este ainda usou o Marsupilami no primeiro álbum que desenhou, O Fazedor de Ouro, em 1970). A partir da década de 80, as aventuras de Spirou e Fantasio passaram a ser asseguradas por duplas de autores, como Nic e Cauvin, que a retomaram em 1980, Tome e Janry (1984), Morvan e Munuera (1999) e, mais recentemente (2009), Vehlmann e Yoann, os seus atuais responsáveis. Em 2006, surgiu a série paralela Uma Aventura de Spirou e Fantasio por... (ou O Spirou de...), para permitir a outros autores de BD darem a sua interpretação das personagem.
Foi nos anos 80, quando Tome e Janry conseguiram que Spirou voltasse a ser uma série de sucesso comercial e crítico como nos tempos de Franquin (de cuja identidade gráfica procuraram estar próximos, aliás), que esta dupla criou uma série paralela, O Pequeno Spirou (1987), sobre a infância da personagem, composta por histórias curtas abertamente humorísticas.
A ideia dividiu os apreciadores e leitores da série-mãe, muitos dos quais acharam que a Dupuis estava a ceder à moda então aparecida nos EUA, em especial nos desenhos animados, de criar versões infantis de personagens célebres. Em 2006, apareceu também Spirou Manga, um projeto de Morvan e de Hiroyuki Ooshima que conta em versão de manga as aventuras dos adolescentes Spirou e Fantasio em Tóquio. Foi também lançada a edição integral das aventuras de Spirou, em vários volumes, e cujo número 13 sai em abril.
A revista, entretanto, foi evoluindo e foi-se adaptando aos tempos, tendo mudado de título várias vezes ao longo das décadas. Desde 2008 que se chama Spirou, depois de dois anos como Spirou HeBDo, e é hoje a única sobrevivente da era dourada da BD franco-belga, com uma tiragem média semanal de 90 mil exemplares. No seu segmento, é a revista mais vendida na Bélgica e a segunda mais vendida em França.
Entre as muitas iniciativas previstas para comemorar os 75 anos de Spirou e da revista com o seu nome, contam-se a edição "integral" das aventuras do paquete mais famoso da BD desenhadas pelo pioneiro Rob-Vel, pela primeira vez a cores (Spirou par Rob-Vel: L'intégrale 1938-1943), ou, com o respetivo aparato gráfico e histórico, a edição de La Peur au Bout du Fil, uma histórica curta de Spirou e Fantasio escrita por Greg e desenhada por Franquin, com décors de Jidéhem, ou ainda uma antologia das entrevistas dadas por Franquin à imprensa especia1izada em BD, Franquin et les Fanzines; em que o falecido autor fala, entre outros, da série que levou ao auge da criatividade e qualidade. Sem esquecer La Véritable Histoire de Spirou (1937-1946), de Christelle e Bertrand Pissavy-Yvernault, os biógrafos de Yvan Delporte, que aqui contam a história dos primeiros anos de existência da revista e da personagem.
Segundo contas feitas pela revista dBD num dos artigos contidos numa série de páginas especiais que dedicou a Spirou na sua edição de fevereiro, a série, nestes75 anos, teve 22 autores que fizeram ou colaboraram em perto de 150 histórias, longas ou curtas, em 53 volumes editados, mais seis álbuns da série paralela Uma Aventura de Spirou e Fantasio por... e ainda 16 títulos de O Pequeno Spirou. É "o império do paquete", como lhe chamou Philippe Peter, o autor do referido artigo. E tudo começou com uma revistazinha de 16 páginas.
(1) Autor de BD e chefe da Redacção "histórico" da revista Spirou, Yvan Delporte (l928-2007) criou também o inovador suplemento desta, Le Trombone Illustré.
(2) Michel Greg - Era o pseudónimo de Michel Louis Albert Regnier (1931-1999), um dos grande autores e argumentistas da BD belga, criador de Achille Tallon e marcante chefe da revista Tintin.
(3) Jidéhem - É o pseudónimo do autor de banda desenhada Jean De Maesmaker (n. 1935), criador de Sophie e ilustrador da série de crónicas Starter.
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Jornal de Notícias, 21 de Abril de 2013
DE PAQUETE DE HOTEL
A AVENTUREIRO
COM 75 ANOS
F. Cleto e Pina
Nascido como paquete de hotel há exactamente 75 anos, Spirou tornou-se rapidamente um viajante do mundo, protagonista de grandes aventuras.
Imaginado por Charles Dupuis, para mascote da revista com o seu nome que ainda hoje se publica, Spirou seria desenvolvido graficamente pelo francês Rob-Vel até Setembro de 1943.
Começando por protagonizar gags de uma página, o Spirou original foi evoluindo sem rumo fixo, consoante as necessidades dos enredos: traquina, patriota, fumador, cientista, ventríloquo, detective, monarca, astronauta… - acabando por se tornar no globetrotter aventureiro, justo e intrépido que faz tudo pelos amigos que hoje conhecemos.
Pertença da editora e não do seu criador, ao contrário dos seus “contemporâneos” de papel franco-belgas, ao longo das décadas foram vários os que assumiram o seu destino.
Entre eles destacam-se Jijé (entre 1943 e 1946) a quem se deve a criação de Fantasio, um jornalista solidário mas trapalhão e companheiro de aventuras de Spirou, e Franquin (1946-1968), que fez dele um dos maiores heróis dos quadradinhos pela equilibrada combinação de humor e aventura assente no seu traço nervoso e dinâmico, e que introduziu nas suas páginas o exótico Marsupilami, Zantáfio, primo de Fantasio e vilão de serviço ou o genial e distraído Conde de Champignac.
Fournier (até 1979) e Broca e Cauvin (até 1983) não deixaram saudades, devendo-se à dupla Tome e Janry (até 1998) o reencontro do groom com os leitores e a criação de “O pequeno Spirou”, em 1987, uma versão infantil e endiabrada do herói.
O novo século encontrou-o nas mãos de Morvan e Munuera, com algumas influências gráficas do manga e com uma temática mais adulta que lhe retirou popularidade, sendo os seus actuais responsáveis Vehlmann e Yoann.
Spirou estreou-se entre nós no Camarada, em Janeiro de 1959, rebaptizado Serapião; viria a ser igualmente Clarim, surgindo Fantasio como Flausino. A revista com o seu nome, teve duas vidas, ambas curtas, na década de 1970. Praticamente todo editado em álbum em português, passou pelos catálogos da Arcádia, Publica, Meribérica e ASA mas a jóia da coroa é “O Feiticeiro de Vila Nova de Mil Fungos”, editado pelo Camarada na década de 1960, com capa feita especialmente para a edição por Franquin.
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HOJE NA FNAC
PEDRO CLETO FALA SOBRE OS 75 ANOS DE SPIROU
18h - FNAC Santa Catarina, Porto
22h - FNAC GaiaShopping, Vila Nova de Gaia
Apareçam, se quiserem!
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