PROJECTOS ABANDONADOS... (1)
ILHAS NO MAR OCCEANO
Por ter tido que escrever a minha biografia para a Tertúlia do passado
dia 5, precisei de desenterrar memórias
de projectos antigos. E por que não apresentá-los aqui - esses projectos? Há sempre
quem goste destas coisas, das velharias reencontradas no baú.
Em 1986 resolvi iniciar uma história sobre Diogo Cão, em moldes muito
diferentes do que então se fazia neste país em histórias de banda desenhada sobre
descobrimentos, que respeitavam ainda os canones adoptados durante o Estado
Novo - pelo contrário, os meus marinheiros eram representados sempre esqueléticos,
sujos, com barbas por fazer, cabelos despenteados e roupas andrajosas, por
exemplo, além de falarem mal e dizerem palavrões típicos de marinheiros. Emprestei
as primeiras quatro pranchas para a exposição Histórias da História, na
Livraria Barata - não me recordo, já o escrevi várias vezes, porque fui
convidado para essa exposição, uma vez que nunca tinha publicado nada - onde me
vi cercado pelos pesos pesados da BD portuguesa da altura, José Ruy, José
Garcez, Eugénio Silva, Victor Mesquita, Augusto Trigo, etc... Acabei por ficar
sem as pranchas, emprestadas ao Clube Português de Banda Desenhada para uma
outra qualquer exposição e o Diogo Cão, ficou por aí.
Conheci Geraldes Lino nessa exposição da Barata e, se não me engano,
foi ele que me informou do concurso de banda desenhada Navegadores Portugueses
do Centro Nacional de Cultura. Mas aqui, a minha memória e a de Geraldes Lino
coincidem perfeitamente: nenhum de nós se lembra se ele me informou que ia
haver um Concurso ou se já havia nessa altura. De qualquer forma só concorri em
1990, onde Lino fez parte do júri, lembrando-se perfeitamente das minhas
pranchas, especialmente por causa do tamanho - “eram enormes”, diz ele, e de
facto, eu desenhei-as em A2. Fiquei obviamente com cópias, remontadas em
formato A3.
Poderia ter retomado o projecto Diogo Cão, mas entretanto nas pesquisas
acerca do Infante D. Henrique, li em qualquer lado que existia no Vaticano (na
célebre biblioteca secreta) um documento atestando que o Infante havia tido uma
filha bastarda. Aprofundando mais a pesquisa - passava horas em bibliotecas -
dou de caras com um curto texto afirmando que uma tal Ana Enriques - mãe de
"Alves Henriques de Girao" natural da Ilha da Madeira - seria filha bastarda
do Infante D. Henrique e de uma filha de Gil Eanes, o escudeiro do Infante que
passou o Cabo Bojador. A coisa aguçou-me o apetite e juntando as trapalhadas de
factos ocorridos com a morte de D. Pedro, duque de Coimbra, em Alfarrobeira e o
modo como Gomes Eanes de Zurara fora feito Guarda-Mor da Torre do Tombo, escrevi
uma história que começava com a chegada da procissão de trasladação do Infante
D. Henrique, em 1461, ao mosteiro da Batalha. Depois do funeral, Gomes Eanes de
Zurara e João Gonçalves Zarco (que retrato zarolho) vão tendo uma conversa
enquanto viajam de regresso a Lisboa, onde iriam visitar a oficina de Nuno
Gonçalves, que estaria nessa altura a terminar os chamados painéis de São
Vicente de Fora. Os dois iriam pernoitar na casa de um velho escudeiro do
Infante, onde lhes seria contada a história da “filha bastarda”. Esta viagem de
Zurara e Zarco seria recortada por pormenores políticos da vida do Infante e da
descoberta das ilhas da Madeia e Porto Santo.
Inicio a história, que intitulei Ilhas no Mar Occeano, com uma
transcrição da Crónica de D. Afonso V, de Rui de Pina, escrita à maneira da
época e onde gastei imenso tempo até conseguir a caligrafia certa e o efeito
semelhante ao original - acho que fiz uns quinze ensaios até ficar satisfeito
com o resultado. Foi a única prancha que finalizei e que se encontra hoje em
dia, emoldurada, numa parede do meu atelier. Se conseguirem ler esta primeira
prancha, percebem o porquê do título da história.
Por causa do tempo que demorei com essa prancha inicial, não consegui
finalizar as outras a tempo do prazo do Concurso, de modo que as enviei meio
esboçadas, algumas incompletas, apenas com traço fino a tinta-da-china. Apesar disto, ganharam uma Menção Honrosa... o primeiro prémio foi para o Fernando Relvas com Em Desgraça.
Aqui ficam então essas dez pranchas.
Para conseguirem ler as legendas em condições, cliquem sobre as imagens e, uma vez estar abertas no visualizador do blogue, cliquem de novo sobre eles, com o botão direito do rato e escolhendo "Abrir imagem num novo separador" onde se pode usar a lupa.
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