domingo, 17 de março de 2013

OS MEUS PROJECTOS ABANDONADOS... (1) - ILHAS NO MAR OCCEANO



PROJECTOS ABANDONADOS... (1)
ILHAS NO MAR OCCEANO

Jorge Machado-Dias - Argumento e desenhos

Por ter tido que escrever a minha biografia para a Tertúlia do passado dia 5, precisei de  desenterrar memórias de projectos antigos. E por que não apresentá-los aqui - esses projectos? Há sempre quem goste destas coisas, das velharias reencontradas no baú.

Em 1986 resolvi iniciar uma história sobre Diogo Cão, em moldes muito diferentes do que então se fazia neste país em histórias de banda desenhada sobre descobrimentos, que respeitavam ainda os canones adoptados durante o Estado Novo - pelo contrário, os meus marinheiros eram representados sempre esqueléticos, sujos, com barbas por fazer, cabelos despenteados e roupas andrajosas, por exemplo, além de falarem mal e dizerem palavrões típicos de marinheiros. Emprestei as primeiras quatro pranchas para a exposição Histórias da História, na Livraria Barata - não me recordo, já o escrevi várias vezes, porque fui convidado para essa exposição, uma vez que nunca tinha publicado nada - onde me vi cercado pelos pesos pesados da BD portuguesa da altura, José Ruy, José Garcez, Eugénio Silva, Victor Mesquita, Augusto Trigo, etc... Acabei por ficar sem as pranchas, emprestadas ao Clube Português de Banda Desenhada para uma outra qualquer exposição e o Diogo Cão, ficou por aí.

Conheci Geraldes Lino nessa exposição da Barata e, se não me engano, foi ele que me informou do concurso de banda desenhada Navegadores Portugueses do Centro Nacional de Cultura. Mas aqui, a minha memória e a de Geraldes Lino coincidem perfeitamente: nenhum de nós se lembra se ele me informou que ia haver um Concurso ou se já havia nessa altura. De qualquer forma só concorri em 1990, onde Lino fez parte do júri, lembrando-se perfeitamente das minhas pranchas, especialmente por causa do tamanho - “eram enormes”, diz ele, e de facto, eu desenhei-as em A2. Fiquei obviamente com cópias, remontadas em formato A3.

Poderia ter retomado o projecto Diogo Cão, mas entretanto nas pesquisas acerca do Infante D. Henrique, li em qualquer lado que existia no Vaticano (na célebre biblioteca secreta) um documento atestando que o Infante havia tido uma filha bastarda. Aprofundando mais a pesquisa - passava horas em bibliotecas - dou de caras com um curto texto afirmando que uma tal Ana Enriques - mãe de "Alves Henriques de Girao" natural da Ilha da Madeira - seria filha bastarda do Infante D. Henrique e de uma filha de Gil Eanes, o escudeiro do Infante que passou o Cabo Bojador. A coisa aguçou-me o apetite e juntando as trapalhadas de factos ocorridos com a morte de D. Pedro, duque de Coimbra, em Alfarrobeira e o modo como Gomes Eanes de Zurara fora feito Guarda-Mor da Torre do Tombo, escrevi uma história que começava com a chegada da procissão de trasladação do Infante D. Henrique, em 1461, ao mosteiro da Batalha. Depois do funeral, Gomes Eanes de Zurara e João Gonçalves Zarco (que retrato zarolho) vão tendo uma conversa enquanto viajam de regresso a Lisboa, onde iriam visitar a oficina de Nuno Gonçalves, que estaria nessa altura a terminar os chamados painéis de São Vicente de Fora. Os dois iriam pernoitar na casa de um velho escudeiro do Infante, onde lhes seria contada a história da “filha bastarda”. Esta viagem de Zurara e Zarco seria recortada por pormenores políticos da vida do Infante e da descoberta das ilhas da Madeia e Porto Santo.

Inicio a história, que intitulei Ilhas no Mar Occeano, com uma transcrição da Crónica de D. Afonso V, de Rui de Pina, escrita à maneira da época e onde gastei imenso tempo até conseguir a caligrafia certa e o efeito semelhante ao original - acho que fiz uns quinze ensaios até ficar satisfeito com o resultado. Foi a única prancha que finalizei e que se encontra hoje em dia, emoldurada, numa parede do meu atelier. Se conseguirem ler esta primeira prancha, percebem o porquê do título da história.

Por causa do tempo que demorei com essa prancha inicial, não consegui finalizar as outras a tempo do prazo do Concurso, de modo que as enviei meio esboçadas, algumas incompletas, apenas com traço fino a tinta-da-china. Apesar disto, ganharam uma Menção Honrosa... o primeiro prémio foi para o Fernando Relvas com Em Desgraça.

Aqui ficam então essas dez pranchas.


 

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