segunda-feira, 18 de março de 2013

JOBAT NO LOULETANO — 9ª ARTE — MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA (XCVI e XCVII) — JOSÉ RUY SOBRE EDUARDO TEIXEIRA COELHO (17 e 18)




NONA ARTE 
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA 
(XCVI - XCVII) 

O Louletano, 25 de Junho de 2007 

O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO - 17 
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy 

» Pois as letras são um caso sério. E não me refiro às bancárias, dinheiro não é comigo.

A letra tem a sua história, há vários tipos de letra que vêm dos tempos dos romanos e da época medieval. Muitas dessas letras chegaram até hoje gravadas em pedras. Tínhamos ido ao museu da Madre de Deus e descobrimos que no chão da Igreja se encontravam lajes aproveitadas de tampos tumulares com inscrições primorosamente riscadas. Com autorização da guarda responsável, vai de afastar os bancos destinados às rezas, para pôr a descoberto as letras cujo lançamento artístico desenhávamos nos blocos de papel. Quem não gostou nada do gesto foi um grupo de «beatas» que àquela hora costumava ir lá rezar. Depois de escomungados, e após feita a recolha a que nos tínhamos proposto, voltámos a «arrumar a casa», deixando as «beatas» rezando... para que não voltássemos.

Um dos ateliers que tivemos juntos, na Calçada do Sacramento, como já re­feri, ficava situado no último andar da casa onde o Mário Costa aguarelista tinha o dele, no sótão. A dona da casa era uma septuagená­ria solteirona que vivia só. Por vezes recebia a visita de uma ou outra amiga, da sua criação. Um fim de tarde, subo as escadas para ir trabalhar e encontro um clima desusado nos patama­res, onde as vizinhas, todas também idosas, trocavam impressões em voz baixa, «com caras de caso». Fui encontrar o E.T. Coelho já no atelier.

- O que se passa na escada? - disse eu. - Está tudo alvoraçado...

- Deixa-me cá! - retorquiu o Coelho, muito excitado. - Calcula...

E começou a contar. Vinha ele a subir as escadas, encontrou uma velhota sentada num degrau do penúltimo patamar, gemendo com dores. Era uma das visitas da dona do atelier, que já conhecíamos de vista. Tinha dado um tombo ao subir a escada e ficara com muitas dores num pé, não podendo levantar-se.

O Coelho prontificou-se a ajudá-la. » »


Por curiosidade, podemos ver [acima] um desenho de E.T. Coelho com um ligeiro corte de censura. No da esquerda, Simão Infante tomando banho como veio ao mundo e, no outro como veio a público depois de lhe terem aposto o «manto diáfano da fantasia», como diria o nosso Eça de Queiroz. 

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O Louletano, 2 de Julho de 2007 

O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO - 18 
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy 

» E.T. Coelho prontificou-se a ajudar a velhota caída na escada...

- Não, obrigada, por favor chame a minha amiga. E lá foi o Coelho avisar a senhora, um andar mais acima. Voltou com ela insistindo para que a levassem a uma clínica, ou ao posto da Cruz Vermelha do Terreiro do Paço... Mas as velhotas diziam que não valia a pena. O facto é que a senhora não se podia pôr de pé, e a dona do atelier não tinha força para lhe pegar. Então o E.T. Coelho tentou ajudar. Mas mal lhe tocou, a velhota sinistrada afastou-o com um repelão gritando:

- Não! Não me toque! Olhe que em toda a minha vida nenhum homem me tocou! Só uma vez o meu professor de patinagem me pôs a mão no ombro!

O E.T. Coelho ficou varado, e as vizinhas alertadas pelo barulho começaram a sair para a escada a ver do que se tra­tava. Mas eram todas da mesma fornada, e não conseguiam reunir forças para levantar a pobre. Então o E.T. Coelho pôs de lado os «com licenças», pegou na velhota ao colo e foi escadas acima recebendo socos da virgem que gritava a plenos pulmões.

A velhota ficou lá em casa durante três dias, num quarto contíguo ao nosso atelier, sempre a gemer. Já não podíamos mais. Elas próprias tentaram fazer um tratamento naturista, mas tratava-se de um entorse, e o médico lá foi por fim, para descanso delas e nosso. O problema foi que a velhota não queria mostrar a canela e o pé ao médico. Depois de tudo passado, ainda nos rimos disto tudo.

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23 e 24

Baseado no conto de Eça de Queiroz 
Desenhos de Eduardo Teixeira Coelho

 

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