quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Gazeta da BD #80 – HERÓIS DA BD PORTUGUESA #10 – A PIOR BANDA DO MUNDO DE JOSÉ CARLOS FERNANDES

Gazeta da BD #80 - 25 Agosto 2017

HERÓIS DA BD PORTUGUESA #10
A PIOR BANDA DO MUNDO
DE JOSÉ CARLOS FERNANDES 

Atenção: este "recorte" da Gazeta da BD contém um extra: uma entrevista com José Carlos Fernandes para o blogue ÁreaBD (que me parece ter sido entretanto extinto), publicada em 29 de Dez. de 2005.


Obviamente não vou deixar aqui a biografia bedéfila de José Carlos Fernandes, que ficará para uma próxima Gazeta da BD. Agora o que nos interessa é a sua Pior Banda do Mundo que, pela extensão de livros publicados (seis no total), pode figurar perfeitamente nesta série de “heróis” na BD portuguesa, neste caso uma banda de “música”.

Em 1991, quando conheci Victor Borges, ele editava o fanzine Dossier Top Secret e estava com alguns problemas financeiros para continuar a editar e decidi juntar-me “à festa”. Desse modo comecei a co-editar o fanzine, anexando-lhe a chancela “Pedra Pomes” e assim foram publicados mais sete números, entre Março e Setembro de 1992, do nº 49 o nº 55. Acontece que no nº 51, de Maio de 1992, publicámos a história Singin´in the Rain – as The Ozone Layer Grows Thinner, de José Carlos Fernandes. E foi aí que tudo começou. Conheceria mais tarde José Carlos Fernandes pessoalmente, num qualquer Salão de BD da Sobreda de Caparica, embora não me recorde em qual. Mais tarde, já depois de ter fundado a editora Pedranocharco Publicações, editaria em 1996 Lou Velvet - Abaixo de Cão e Um Catálogo de Sonhos,  em 1997 Alguém Desarruma estas Rosas e ainda nesse ano, As Aventuras do Barão Wrangel. Fui portanto, e com muita honra, o primeiro editor de José Carlos Fernandes.

Depois, José Carlos Fernandes teria um rúbrica mais ou menos fixa no BDjornal, onde escreveria uma série de artigos, desde o BDjornal #15, de Novembro de 2006, com o texto “O Magnífico Mausoléu da Banda Desenhada”, que é de facto, um texto avassalador em relação à publicação de banda desenhada.

Mas em 2002, a editora Devir tinha começado a publicar a série A Pior Banda do Mundo, com O Quiosque da Utopia, a que se seguiriam mais cinco títulos até 2007:
2003 O Museu Nacional do Acessório e do Irrelevante
2003 - As Ruínas de Babel
2004 - A Grande Enciclopédia do Conhecimento Obsoleto
2006 - O Depósito dos Refugos Postais
2007 - Os Arquivos do Prodigioso e do Paranormal


José Carlos Fernandes teria ainda mais alguns títulos em carteira para esta série, que não publicaria, por vontade própria. Isto porque depois de 2011, após publicar Agencia De Viajes Lemming (na versão castelhana) deixaria, definitivamente de se dedicar à banda desenhada, devido a um problema de falta de cumprimento do contrato com a Devir, quanto a recebimentos por direitos de autor, segundo uns, ou porque alguém terá escrito uma crítica feroz acerca da sua BD, que o afectaram muito, segundo outros e em que não acredito muito.

De qualquer modo, a Pior Banda do Mundo composta pelo saxofonista Sebastian Zorn, o lider, que profissionalmente era serrilhador de selos, pelo teclista Idálio Alzheimer, profissionalmente verificador meteorológico, pelo contrabaixista Ignacio Kagel, fiscal municipal de isqueiros e pelo baterista Anatole Kopek, criptógrafo de segunda classe, juntava-se na cave de uma alfaiataria encerrada desde 1958, para ensaiar uma música que se ouvisse. O que era altamente improvável devido à completa falta de preparação dos ditos “músicos”. Foi este o início de A Pior Banda do Mundo.

Acrescente-se que, oito pisos acima da cave onde “ensaiava” a Pior Banda do Mundo, vivia o compositor Dimitri Sikorsky, que havia posto termo a uma aclamada carreira como maestro, para criar enfim, a sua “obra-prima” absoluta. Contudo ao fim de 22 anos de esforços, o maestro não conseguiu mais do que inutilizar resmas e resmas de pautas. Contudo, o maestro não podia imaginar que a música que tentava compor, já existia, três pisos abaixo, nas cabeças das gémeas Glatz. Estas gémeas foram as únicas sobreviventes do luxuoso paquete Okeanos, naufragado ao largo da Patagónia. Três pisos acima de onde ensaia a Pior Banda... existe a sede da Sociedade da Terra Plana. Os seus membros acreditam piamente que a terra é plana e imóvel e que o sol gira em seu torno.

Outro dos habitantes do prédio, Tomás Flugelhorm passa horas a consultar a lista telefónica, em busca de cidadãos anónimos, que tenham, os mesmos nomes de personalidades famosas. Depois de ter encontrado uma longa série de coincidências, Flugelhorm, que não sabe que tem o mesmo nome do inventor do trompete de bolso, pensa que “e se tudo isto fôr apenas obra de um designio divino?”

Portanto é mais ou menos este o mundo que José Carlos Fernandes criou para situar a sua Pior Banda do Mundo.

Depois de uma série de cerca de 38 livros editados, terminando com Agência de Viajens Lemming, José Carlos Fernandes ficou definitivamente “calado” em termos de BD, embora continue a escrever sobre música para a revista Time-Out, optando por assinar como JCF. São opções que temos que respeitar e, da minha parte, nem sequer coloco a hipótese de o contactar como autor de BD, por muito que me apeteça, tendo em conta o historial mutuo que temos nesse aspecto.

Páginas de A Pior Banda do Mundo
pág.6 de O Quiosque da Utopia e pág. 20 de O Depósito de Refugos Postais
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As obras de José Carlos Fernandes que editei:


1992


1996

1996

1997

1997

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ENTREVISTA COM JOSÉ CARLOS FERNANDES
publicada em 29 Dezembro 2005

Esta entrevista foi realizada com José Carlos Fernandes, exclusivamente para a ÁreaBD. A entrevista foi realizada via e-mail.

ÁreaBD – Quando é que começou a fazer os seus primeiros desenhos?

José Carlos Fernandes – Como quase toda a gente, muito cedo, mas intermitentemente e sem método ou objectivo. Portanto os progressos foram, durante anos quase nulos. Entre os 18 e os 25 anos quase não desenhei. Só considero que comecei a desenhar a sério aos 25 anos. E poucos meses depois estava a fazer a minha primeira BD. Foi por isso que precisei de fazer quase 100 pranchas de BD até que a qualidade do desenho ficasse a par com os textos e a narrativa.

ÁreaBD – E quando é que começou a produzir os primeiros textos?

JCF – Também aí não existia prática prévia. Nunca escrevi nada. O meu primeiro texto surgiu quando tive de fazer a minha primeira BD.

ÁreaBD – Sempre foi fã de BD?

JCF – Sim. Comecei pelas BD's de Walt Disney, pouco depois de ter aprendido a ler, passei depois à revista "Tintin", que publicava várias histórias em continuação (o que nos deixava suspensos até à semana seguinte, para saber como se iria o herói desenvencilhar), e aos álbuns do Astérix e Tintin.

ÁreaBD – Quais foram os seus primeiros trabalhos para editoras?

JCF – Durante vários anos trabalhei para mim mesmo, não esperando vir a ser publicado, até porque o panorama da edição de BD em Portugal pouco tinha a ver com os meus trabalhos. Fui publicando em fanzines. Até que em 1993 surgiu o "Quadrado", um fanzine "profissional", com qualidade equiparada à de revista, editado por pessoas ligadas ao Salão de BD do Porto. Publiquei aí regularmente e o editor do "Quadrado" desafiou-me a fazer uma história de 32 págs. em formato comic-book, que iria inaugurar a colecção "Quadrado Comics". Foi assim que em 1994 fiz "A lâmina fria da lua", que seria o primeiro nº (e último, creio) da dita colecção. Entretanto já tinha publicado, em 1993, em edição de autor, "Controlo remoto". Ainda em edição de autor fiz "Irrealidades quotidianas" e depois em 1996 comecei a publicar pela Pedranocharco, que foi um projecto editorial que naufragou mal saiu do porto(*). Editei em diversas editoras até chegar à Devir. Mas, salvo raras excepções, não tenho concebido livros a encomenda de editoras – faço o que me dá na gana e depois espero que alguém esteja disposto a editar-me (veja-se o caso de "A última obra-prima de Aaron Slobodj", que fiz em 1997 e só foi editado em 2005).

* Nota do Kuentro: (Devo referir aqui que, a frase de JCF “comecei a publicar pela Pedranocharco, que foi um projecto editorial que naufragou mal saiu do porto” não está totalmente correcta. A Pedranocharco não naufragou. “Encalhou” mal saiu do porto, mas foi desencalhada em 2004 e aguentar-se-ia à tona até Outubro de 2013, quando resolvi colocar o navio na doca seca do Alfeite, eh, eh...)

ÁreaBD – Houve alguém em especial que o motivou a seguir esta carreira?

JCF – Não. Nem sequer a planeei como carreira. Fiz a primeira BD, fiquei interessado, fui fazendo mais, fui explorando diferentes temas e grafismos e sem que eu me apercebesse disso ou o tivesse planeado, tornei-me num "profissional".

ÁreaBD – O público só conhece os seus desenhos de pessoas “normais”. Nunca teve curiosidade em desenhar Super-Heróis?

JCF – Não, os super-heróis não me interessam de todo. As pessoas "normais" são suficientemente ricas e interessantes.

ÁreaBD – A série “A Pior Banda do Mundo” é um dos seus mais conceituados trabalhos. Mas reparámos que nunca põe pontos finais no fim das frases. Há algum motivo em especial?

JCF – Não é só em "A Pior Banda do Mundo". Deixei de usar pontos finais. Se o discurso já está fechado dentro do balão ou do cartucho, não sinto necessidade de o fechar com um ponto final.

ÁreaBD – Só por curiosidade, onde é que vai arranjar nomes tão esquisitos para as suas personagens?

JCF – É uma história complicada. Por um lado, o meu cérebro, que facilmente se esquece de nomes como Sousa, Silva ou Antunes, retém facilmente nomes como Szymborska, Zelenka ou Zulfikarpašić. Por outro, muitos dos nomes que uso não se limitam a ser esquisitos ou a soar-me bem (isto também é importante), mas remetem para figuras reais, personagens literárias, lugares, etc. Não é indispensável que o leitor compreenda essas alusões para que perceba a história, mas quem conhecer essas referências culturais terá um bónus de entendimento. Raros são os nomes que são escolhidos ao acaso. Por exemplo, criei o nome de Sebastian Zorn, a partir dos nomes de dois dos meus músicos favoritos: Johann Sebastian Bach (1685-1750) e John Zorn, um músico de jazz norte-americano (actualmente com cerca de 50 anos). Não podiam ser mais diferentes: enquanto a música de JS Bach é um monumento de equilíbrio, rigor, serenidade e harmonia, a de Zorn assenta no improviso, no paroxismo, na imprevisibilidade e pode misturar elementos tão díspares como música tradicional judaica e o thrash metal. Ah, e Zorn, em alemão, quer dizer "ira".

ÁreaBD – E como é que consegue ter tanta inspiração para criar estórias tão bizarras?

JCF – Quem sabe de onde vêm as ideias? Esse é o mistério da imaginação. As ideias aparecem de onde menos se espera. O meu trabalho é estar atento, agarrá-las quando passam e voltar a pô-las em liberdade se verificar que não têm serventia. Às vezes são-me sugeridas por uma leitura enviesada: salto uma linha no jornal e aparece-me uma situação insólita. Vou registando as ideias em folhas soltas e depois sistematizo-as numa base de dados de ideias para histórias. Também vou recolhendo nomes de pessoas, lugares, livros, máquinas, inventos, tudo o que possa ser usado numa história.

Mas as minhas histórias não são tão bizarras como podem parecer à primeira vista. Pois são, no fundo, sobre nós mesmos, pessoas banais de uma qualquer sociedade ocidental no princípio do século XXI:

ÁreaBD – Está a pensar em levar esta série até que número?

JCF – Não sei. "A Pior Banda do Mundo" é um projecto aberto. Tenho planos para pelo menos mais 3 volumes: "O Teatro Vegetal Zucchini", "A Sede Provisória do Governo Mundial", "O Atlas Ilustrado da Ilusão Humana". Depois logo se verá.

ÁreaBD – Já tem o 6# volume terminado? Quando o poderemos ver nas bancas?

JCF – O vol.6, "Os Arquivos do Prodigioso e do Paranormal", está pronto há 2 anos e será lançado provavelmente em Outubro de 2006. O vol.5 estava pronto desde Abril de 2001.

ÁreaBD – Já está trabalhar no próximo número?

JCF – Estava a organizar as sinopses para os volumes 7, 8 e 9, mas surgiu a oportunidade de fazer "A Agência de Viagens Lemming" e deixei-os momentaneamente de parte.

ÁreaBD – Já sabemos que está trabalhar no projecto Black Box Stories. Pode adiantar-nos alguma coisa sobre a continuidade do mesmo? E porquê a escolha de tal nome?

JCF – Durante muitos anos só tive ideias para histórias que fosse eu mesmo capaz de desenhar. Como sou um desenhador limitado, isto definiu o âmbito do tipo de histórias que criava. Um dia decidi deixar a imaginação à solta, e gostei dos resultados. Na verdade, posso dizer que são as minhas histórias favoritas, de quantas fiz até à data. Mas estas histórias pediam, para serem plenamente realizadas, alguém com mais "visão" gráfica do que eu. Foi então que me pus em busca de cúmplices: propus colaboração aos meus desenhadores portugueses favoritos. Só o Miguel Rocha é que respondeu afirmativamente.

Depois "descobri" o Roberto Gomes num workshop de BD que orientei na Biblioteca Municipal de Loulé. O Luís Henriques encontrei-o noutro workshop, que orientei no curso de BD do Centro de Imagens e Técnicas Narrativas da Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Quem me chamou a atenção para a Susa Monteiro foi o José Freitas e o João Miguel Lameiras, da Devir, durante o 1º Festival de BD de Beja, para o qual ela fez o cartaz.

Posso adiantar que há mais 2 "recrutas" que muito possivelmente entrarão no projecto, o Vitor Hugo, português e sem experiência na BD, e Ken Niimura, que vai ser a nossa lança no Japão e nos vai permitir dominar o mercado mundial de manga e ficarmos obscenamente ricos. OK, a verdade é que Ken é espanhol (de origem japonesa) e tem já vários livros publicados. O Ken juntou-se ao projecto porque me pediu um prefácio para o seu último livro e eu, ao ver o seu portofólio, achei que ele era suficientemente versátil para se enquadrar nas BBS.

Quanto ao nome: vejo a inspiração como uma "black box", uma "caixa negra". Há inputs: vive-se, assiste-se, lê-se, ouve-se. E há outputs: peças de teatro, filmes, livros. No meio está o processo criativo: misterioso, insondável, imprevisível. Dei o nome de "Black Box Stories" a esta série não só em referência à caixa negra dos aviões (a BBS nº1 é precisamente sobre a caixa negra de um avião que cai na selva do Yucatan), mas também ao enigma do processo criativo. As primeiras 30 ou 40 BBS surgiram do nada, sem avisar, durante um mês ou dois, sem esforço. Depois acabaram, por mais que espremesse as meninges não surgia nem mais uma. Passado um ano e meio surgiram mais umas 80, em 3 ou 4 meses. E depois a fonte voltou a secar.

ÁreaBD – Não vai desenhar nenhuma estória desse projecto?

JCF – Em princípio não, pois nunca fez parte dos meus planos e as BBS desenhadas até à data têm excedido as minhas expectativas.

ÁreaBD – Sabemos que tem estado a trabalhar noutro projecto – A Agência de Viagens Lemming. Em que consiste?

JCF – "A Agência de Viagens Lemming" surgiu em resposta ao desafio lançado pelo João Miguel Tavares, do "Diário de Notícias", para fazer uma tira diária em continuação para as páginas de Verão do jornal. A única condição é que o tema tinha de estar relacionado com o verão. Achei que as viagens seriam um tema rico e diversificado. Como acho que uma tira em continuação não tem "substância" suficiente para manter o interesse do leitor, propus antes duas tiras, ou seja uma pequena página de BD. Foi uma maratona, pois tive que fazer uma página por dia, da concepção da história à arte final, durante 62 dias (Julho e Agosto). Como muitas das ideias que tive não couberam nessas 62 págs. e estava "embalado" aproveitei e fiz mais 62, ou seja um 2º volume. Estou agora a tratar das artes finais.

ÁreaBD – Pode-nos revelar a data da publicação destes seus projectos pela Devir?

JCF – "A Agência de Viagens Lemming vol.1: Dez mil horas de jet-lag" sairá no início de 2006 pela Devir, possivelmente com o "Diário de Notícias". O vol.1 das "Black Box Stories", desenhado pelo Luís Henriques, sairá em Abril de 2006, no Festival de BD de Beja. Algumas "Black Box Stories" desenhadas pelo Miguel Rocha estão a ser pré-publicadas na revista "C", do Centro Comercial Colombo.

ÁreaBD- Quais são as suas preferências de leitura a nível de BD?

JCF – Não leio BD de super-heróis (o único livro desta área de que gosto é "Arkham Asylum", de McKean/Morrison) nem de manga. Mas a BD nem sequer é o que me ocupa mais tempo de leitura. Leio poesia, ficção, ensaio (sobre biologia evolutiva, economia, religião, mitologia, música clássica – interesso-me por muitas coisas diferentes), enciclopédias, atlas, dicionários. Se tiver que reencarnar como insecto, quero ser um peixinho-de-prata, um daqueles bichos que se alimentam de livros.

Os autores favoritos da minha biblioteca são:

Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Roberto Juarroz, Carlos Drummond de Andrade, Gonzalo Torrente Ballester, Camilo José Cela, Manuel Vázquez Montalbán, Francisco de Quevedo, Miguel de Cervantes, Enrique Vila-Matas, Antonio Gamoneda, Franz Kafka, Bohumil Hrabal, Milan Kundera, Milorad Pavić, Hans Magnus Enzensberger, Czeslaw Milosz, Heiner Müller, Rainer Maria Rilke, Marin Sorescu, Wisława Szymborska, Albert Camus, André Malraux, Georges Perec, Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, Alessandro Baricco, Italo Calvino, Andrea Camilleri, Umberto Eco, Sergio Solmi, Francesco Petrarca, Julian Barnes, Bruce Chatwin, Virginia Woolf, T.S. Eliot, Seamus Heaney, William Shakespeare (os sonetos), Charles Tomlinson, Ray Bradbury, Douglas Coupland (até "Polaroids from the Dead"), Sam Shepard, E.B. White, Robert Bringhurst, Frank O'Hara, Walt Whitman, António Lobo Antunes, Rui Nunes, Eça de Queirós, José Saramago (antes do declínio iniciado com "Ensaio sobre a cegueira"), Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Herberto Helder, Luis Miguel Nava, Almada Negreiros, Alexandre O'Neill, Fernando Pessoa (sobretudo Álvaro de Campos). Estou agora embrenhado na leitura de um ensaio fascinante (e espesso: quase 700 pg) de David Landes, intitulado "The wealth and poverty of nations: Why some are so rich and some are so poor", uma história económica do mundo desde a Idade Média aos dias de hoje.

ÁreaBD – Qual é a sua personagem de BD favorita?

JCF – Identifico-me mais com autores e livros do que com personagens. Se tivesse mesmo de escolher uma seria Corto Maltese.

ÁreaBD – Quais são os seus autores preferidos?

JCF – Na BD: Will Eisner, Neil Gaiman, Ben Katchor, Winsor MacCay, David Mazzucchelli, Dave McKean, Jon J. Muth, George Pratt, Chris Ware, François Boucq, François Bourgeon, Nicolas De Crecy, Hermann, Jacques Loustal/Paringaux, François Schuiten/Benoît Peeters, Alberto Breccia, José Muñoz/Carlos Sampayo, Hugo Pratt, Stefano Ricci, Miguelanxo Prado.

ÁreaBD – Pode dar um conselho para aqueles que querem seguir a carreira de artista de BD?

JCF – Guardaram para o fim a pergunta mais difícil.

Não há receitas nem fórmulas de aplicação geral. Cada um tem que descobrir o seu caminho, consoante a sua personalidade, os seus interesses e os seus objectivos. A minha experiência pessoal de pouco servirá para quem queira vir a desenhar os "X-Men".

Os conselhos que posso dar são necessariamente muito genéricos:

1) Para quem desenha, praticar até cair para o lado, e evitar copiar os desenhadores idolatrados. Desenhar a partir do natural, de modelos, de fotos (tiradas por si mesmo ou pilhadas a revistas e jornais), mas não dos desenhos de outros, senão será difícil desenvolver um estilo pessoal.

2) Para quem quer ser argumentista, ler muito e de forma alguma só BD. Ler muito, não para tomar modelos, mas a) para se ter uma noção da vastidão do mundo da literatura e da experiência humana, b) para se perceber o que já foi feito (não vale a pena tentar inventar a roda outra vez) e c) o que não deve ser feito (nesta área não vale a pena perder muito tempo).


José Carlos Fernandes nas sessões de autógrafos do Festival de BD da Amadora de 2008. 
Penso que foi o último Festival onde esteve, uma vez que já não tenho qualquer foto dele nos Festivais seguintes e... se ele lá estivesse, eu teria fotos!
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domingo, 27 de agosto de 2017

Gazeta da BD #79 Heróis da BD Portuguesa - 9 Porto Bomvento – de José Ruy


Gazeta da BD #79 - 18 Agosto 2017
Heróis da BD Portuguesa - 9
Porto Bomvento – de José Ruy


A personagem Porto Bomvento, que José Ruy criou em 1988 e do qual foi publicada nesse ano a história Homens sem Alma, pela Editorial Notícias, foi imaginada quando Telmo Protásio, editor da Meribérica, regressou de uma feira do livro em Frankfurt, onde fora apresentar outra obra do autor, A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. A partir do segundo volume, Bomvento no Castelo da Mina, ainda em 1988, a colecção, de oito álbuns, passou a ser publicada pelas Edições Asa e assim continuou até final. Em 2005 seria reeditada toda a colecção, em dois volumes, num formato mais pequeno.

Mas José Ruy (nascido em 1930) conta, aos 87 anos, com uma obra de extensão invejável em banda desenhada. São nada menos que 96 histórias publicadas ao longo dos anos, desde 1945. Um dos livros de José Rui é precisamente Nascida das águas - História da cidade de Caldas da Rainha em BD, editado em 1999 e que será reeditado em breve, contendo agora a história do 16 de Março de 1974 – a tentativa de golpe, que partiu do quartel de Caldas, cerca de um mês antes do 25 de Abril.

Voltando a Porto Bomvento, transcrevo aqui o prefácio do jornalista Carlos Pessoa, pela curiosidade, no primeiro livro da colectânea, que republica as quatro primeiras histórias de Porto Bomvento (Asa, 2005):

“A demolição de um velho prédio na zona histórica da Baixa lisboeta, há muito tempo devoluto e ameaçando ruir a qualquer momento, permitiu trazer à luz do dia um documento inédito: o diário de um marinheiro português que participou em diversas viagens dos Descobrimentos nos séculos XV e XVI. O manuscrito estava em razoável estado de conservação devido ao facto de ter sido guardado numa caixa de madeira exótica que, por sua vez, se encontrava num recipiente metálico escondido dentro de uma parede.

O achado foi entregue pelo responsável da obra às autoridades municipais que o transportaram para o arquivo da Torre do Tombo. Especialistas daquele período da História de Portugal procederam às primeiras análises preliminares, que permitiram já confirmar a autenticidade do documento. Tudo leva a crer que se trata do testemunho, registado por um cronista cujo nome não ficou registado, de um homem que participou em várias viagens ao longo da costa de África, durante o período dos Descobrimentos.

Uma fonte ligada à Torre do Tombo revelou que o protagonista se chamava Porto Bomvento, possivelmente um simples marinheiro ao serviço da Armada Real portuguesa cujo nome não estava até agora referenciado em nenhum outro documento histórico conhecido.

Uma coincidência perturbadora está a intrigar os estudiosos: Bomvento é o nome de uma personagem de banda desenhada, criado pelo desenhador e argumentista José Ruy, herói de um ciclo de aventuras em vários álbuns, publicadas nos anos 80 e 90 pelas Edições ASA. O autor manifestou a sua "enorme surpresa" com esta "singularidade". Porto Bomvento, acrescentou, "foi uma personagem que surgiu um dia na minha cabeça" e não se inspirou em "nenhuma figura encontrada em documentos de época".”

Ora, em 1480 uma caravela vê-se em dificuldades para entrar na barra do Porto, devido a uma tempestade. Mas graças à perícia do seu piloto, Porto (por ter nascido naquela cidade) Bomvento, consegue vencer o mar encarpelado e os recifes, ancorando depois em segurança. É assim que começa a saga do piloto Bomvento, na história Homens sem Alma. O piloto assiste à construção da caravela de nome “Gaivota”, de três mastros – com a inovação de que o de vante envergava uma vela redonda – e sob o comando do capitão Batávias, parte nessa caravela em direcção ao Golfo da Guiné.

Existe talvez uma pequena dessincronia nesta história, uma vez que a caravela “redonda”, isto é, com velas latinas originais, mas a que se juntou uma redonda no mastro de vante, partiu de uma proposta de Bartolomeu Dias, depois de ter dobrado o cabo da Boa Esperança em 1488. Mas José Ruy teve sempre apoio técnico, especialmente do comandante António Cardoso, especialista em marinharia antiga, e portanto terá tido bases para este desenvolvimento.

Seguem-se mais sete histórias do piloto Bomvento, a última das quais será até costas da Austrália. A Austrália seria descoberta pelos portugueses, eventualmente entre 1520 e 1525.

Esta saga em banda desenhada, baseada nas navegações portuguesas dos séculos XV/XVI é, de que eu tenha conhecimento, a abordagem mais consistente e continuada dessa época, havendo talvez apenas mais meia dúzia de álbuns, se tanto, que a abordam, por outros autores, embora tivessem sido publicadas muitas histórias curtas em revistas e jornais.

Homens sem alma, Editorial Notícias, 1988
Bomvento no Castelo da Mina, Edições ASA, 1988
Bomvento no Cabo da Boa Esperança, Edições ASA, 1989
Bomvento no Brasil, Edições ASA, 1990
Bomvento em Terras do Lavrador, Edições ASA, 1991
Bomvento no Cataio, Edições ASA, 1991
Bomvento na Austrália, Edições ASA, 1991
Bomvento Recorda a Infância, Edições ASA, 1992.


Páginas de Homens Sem Alma e Bomvento no Cabo da Boa Esperança 

 Capas dos dois volumes da colectânea
As Viagens de Porto Bomvento 
Aventuras Marítimas dos Sécs. XV e XVI


Páginas de As Viagens de Porto Bomvento



Imagens da maqueta da caravela construída por José Ruy, 
como modelo para as Aventuras de Porto Bomvento.



Imagens da caravela "Bartolomeu Dias" a navegar no Tejo. 
Esta caravela foi construída em 1987/88, e que em 1988, para comemorar o 5° centenário do Descobrimento do Cabo da Boa Esperança, realizou a viagem de Lisboa a Mossel Bay, na África do Sul. Esta caravela ficou integrada no Museu que aquele país decidiu edificar, para comemorar os Descobrimentos Portugueses, sob a égide do navegador Bartolomeu Dias.
Fotos de Jorge Machado-Dias, salvo erro em Maio de 1988.

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domingo, 20 de agosto de 2017

REPORTAGEM 398º ENCONTRO DA TERTÚLIA BD DE LISBOA – 1 DE AGOSTO 2017

REPORTAGEM 
398º ENCONTRO 
DA TERTÚLIA BD DE LISBOA

1 DE AGOSTO 2017

CONVIDADA ESPECIAL 
PATRÍCIA GUIMARÃES 



 Patrícia Guimarães nasceu em 1985, em Lisboa.

Desde miúda que rabiscava as paredes da sala e dos quartos lá de casa. Mais tarde passaram a ser os cadernos da escola. O primeiro dia de escola foi um tormento, mas depois para além de desenhar percebe que gosta de ler e criar histórias.

O contacto com a Banda Desenhada chega com o Tio Patinhas e o Donald que lia de uma acentada. A seguir tenta acompanhar as aventuras dos super-heróis da Marvel, mas depressa se cansa.

Surgem as visitas anuais ao Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora (quando a “Fábrica da Cultura” era verdadeiramente incrível!) e nessa altura os livros de Jean-Pierre Gibrat e Massimiliano Frezzato, ou Quino.

Mas será mais tarde, já na faculdade que irá descobrir outros artistas que irão influenciar o seu trabalho, tais como Roland Topor, Hieronymus Bosch, Goya, Lorenzo Mattotti, João Fazenda, Filipe Abranches, Susa Monteiro, Alain Corbel, Marjane Satrapi, as animações de José Pedro Cavalheiro (Zepe), de Regina Pessoa, José Miguel Ribeiro, Marie Paccou, Michaela Pavlátová, Koji Yamamura e muitas outras referências visuais e/ou literárias como as que lhe vão chegando em conversas com amigos/as da área.

Não sabe como foi parar à Animação, mas depois de ter experimentado só pensa em dar vida às suas histórias, entretanto, e porque não existe uma sem a outra, vai fazendo Banda Desenhada e Ilustração.

Curriculum Vitæ

Patrícia Guimarães, Licenciou-se em Arte e Multimédia - Animação, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL).

Em 2014 frequentou o Curso Laboratório de Ilustração e Banda Desenhada, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL).

De 2014 a 2015 integrou a equipa de traçagem na produtora MODOImago para a produção dos filmes de animação VÍGIL e A CASA ou a Máquina de Habitar de Catarina Romano, participou ainda no desenvolvimento de outros projectos de animação.

Em 2015 apresentou “STABAT MATER”, no ano seguinte “MANUELinútil” publicados em parceriacom a Façam Fanzines e Cuspam Martelos (Tiago Baptista e Catarina Domingues). Na mesma altura, participou activamente no projecto artístico SOU ESTA CASA.

Em 2016 venceu o 3º Prémio no Concurso Nacional de Banda Desenhada e Cartoon 2016, na categoria de BD, na 27ª Edição do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora.

Tem trabalhos publicados em fanzines como Nicotina, Preto no Branco, Your Mouth Is A Guillotine e O Princípio. Actualmente desenvolve projectos de Banda Desenhada, Ilustração e Animação 2D.

Contacto: patrice_guimaraes@hotmail.com - Site: patriciaguimaraes.weebly.com

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A H-alt é uma revista digital gratuita de BD escrita em português e relacionada com as temáticas de ficção-cientifica, fantasia, realidade/História alternativa (ficção especulativa).

O objectivo desta publicação é divulgar e incentivar produção de pequenas histórias de BD. Existe também a preocupação que os vários participantes criem histórias em equipa (argumentistas, desenhadores, coloristas), com o propósito de incentivar o trabalho colaborativo. Existe também uma versão impressa correspondente à edição digital, acessível, por encomenda ou disponível em algumas livrarias.

Resumo: A imagem da capa é da autoria do consagrado ilustrador Ricardo Cabral estando o seu trabalho em destaque nesta edição. Aparece também uma breve entrevista exclusiva com ele. Na secção Descobrir é possível ver trabalhos de ilustração de Sara Leal. Estão disponíveis nesta edição trinta e uma histórias de BD. Este é o link para a versão on-line do nº5: https://issuu.com/h-alt/docs/ h-alt-n05-web

Autores Participantes neste número: Kim Roberts, João Tavares, Cristian Navarro, Joana Varanda, Tânia Cardoso, Sérgio Santos, Alberto Pessoa, Fábio Veras, Edgar Ascensão, Filipe Duarte, Catarina Eusébio, Roberto Gomes, Sofia Livesay, Alexandre Carvalho, Bárbara Lopes, Bruno Teodoro Maio, José Marono, Daniel Ablev, Gabriela Torres, M C Carper, Nick Valente, Sandro Leonardo, Mafalda Fernando, Francesco Conte, Gabe Ostley, Chris Allen, Jack Wallace, Machinson, Troy Vevasis, Matt James, Bob Schroeder, Nick Hadley.
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COMIC JAM

Autores participantes:
1 - Patrícia Guimarães
2 - Jorge André Catarino
3 - Cláudia Costa
4 - Bruno Madeira
5 - João Paulo Sá-Chaves
6 - Álvaro


FOTOS
(de Álvaro)












  







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