segunda-feira, 15 de maio de 2017

Gazeta da BD #73 - A BEDETECA DE LISBOA FEZ 21 ANOS

Gazeta da BD#73 - na Gazeta das Caldas - 12 Maio 2017
A Bedeteca de Lisboa fez 21 anos
Ou... uma ilusão com mais olhos que barriga... 

O palácio do Contador-Mor, nos Olivais, foi mandado construir nos Olivais no século XVIII por Lourenço Rudolfo van-Zeller, descendente de uma família holandesa, inserido numa quinta e rodeado por um primoroso jardim, localizado na antiga zona de herdades e palacetes da aristocracia e fidalguia lisboetas. Van-Zeller era Contador-Mor do Reino e Casa Real (por outras palavras, era o chefe contabilista do Rei), daí o nome do palácio. Muitos especialistas consideram que o palácio e a quinta do Contador-Mor serviram de inspiração a Eça de Queiroz para criar literariamente a “Toca”, descrita no romance Os Maias, o local dos amores proibidos entre Maria Eduarda e Carlos da Maia.

Recuperado pela Câmara Municipal de Lisboa, decidiu-se instalar no edifício uma Bedeteca, que foi inaugurada pelo então Presidente da Câmara João Soares a 23 de Abril de 1996, anunciando-se como director João Paulo Cotrim. Foi uma surpresa para todos os entusiastas da banda desenhada, que nunca supuseram poder ver uma biblioteca especializada em BD ocupar um edifício inteiro (para mais sendo um palácio), mais ainda com a actividade pujante que veio a ter. A Filosofia de Ponta de Nuno Saraiva e Júlio Pinto, os alfabetos de Mário Feliciano e as imagens de Fernanda Fragateiro foram as exposições que fizeram a festa de inauguração e nos meses e anos seguintes houve muito cinema de animação, debates, colóquios e lançamentos de edições, dando à banda desenhada uma grande visibilidade que nunca tinha registado antes neste país.


No entanto, um pormenor passou despercebido nessa altura a muitos bedéfilos: é que já estava instalada no piso superior do Contador-Mor a Biblioteca Municipal dos Olivais, que tinha sido transferida para aquele edifício nesse mesmo ano, uma vez que havia funcionado provisoriamente numa cave desde 1984, a aguardar o fim das obras de restauro do palácio. Aliás o excelente acervo de livros de BD, que se viu na altura, estava instalado na maior sala da Biblioteca dos Olivais, no piso superior – fazendo portanto parte do acervo da biblioteca. Aquilo que se designou genericamente por Bedeteca ficou no piso inferior (rés-do-chão), mas sem livros, num espaço dedicado a exposições, lançamentos de edições, conferências, etc. Portanto a Bedeteca não tinha os livros, o que foi estranho para alguns, uma vez que bedeteca significa biblioteca de banda desenhada.

Assim, aquilo que se pensava ser a Bedeteca de Lisboa consistia apenas na realização de exposições, salões, edição de livros – não de banda desenhada, mas sobre a temática – e dos catálogos dos eventos que realizou, em publicações mais ou menos luxuosas e de grande formato do tipo álbum. Por outro lado, João Paulo Cotrim tinha o cargo de director de programação, pois não fazia parte dos quadros da autarquia. Digamos que a pujança e o fulgor das diversas iniciativas realizadas fizeram passar despercebido à maior parte dos bedéfilos a verdadeira natureza de tudo aquilo. Não quero dizer com isto que toda a actividade, quase exuberante, desenvolvida sobretudo nos primeiros tempos e ao longo dos dez anos seguintes, tivesse sido negativa, uma vez que deu à banda desenhada a visibilidade que referi atrás.

A primeira exposição de peso organizada pela Bedeteca foi “Raphael Bordallo Pinheiro: Aos Quadradinhos”, comissariada por Leonardo De Sá e António Dias de Deus [por esta ordem], que esteve patente ao público no Contador-Mor entre Dezembro de 1996 e Março de 1997, e foi depois exibida no Museu de José Malhoa. Em Dezembro desse ano seria publicado o livro Os Comics em Portugal: Uma História da Banda Desenhada, de António Dias de Deus, com revisão e actualização por Leonardo De Sá, iniciando assim a colecção Cadernos da Bedeteca, em co-edição com as Edições Cotovia.


Em Março de 1997 realizou-se a exposição individual “Relvas: À Queima-Roupa”, comissariada por João Paulo Cotrim. Os textos do catálogo foram escritos pelo próprio Cotrim, João Miguel Lameiras e Jorge Colombo, e englobavam uma entrevista de Viriato Teles com o desenhador. A Bedeteca editou também nessa altura o álbum de Fernando Relvas Karlos Starkiller, primeiro volume da Colecção Bedeteca, com as Edições BaleiAzul.


Em Janeiro de 1998 a Bedeteca participou, com o Festival de BD da Amadora e a Associação do Salão Internacional de BD do Porto, na escolha dos 17 desenhadores e quatro argumentistas (acrescentados in extremis) de BD para a exposição “Perdidos no Oceano” com que Portugal se apresentou – como país convidado – no 15º Festival International de la Bande Dessinée d'Angoulême, sendo responsável pelo respectivo catálogo.


Ainda em 1998 começou a ser publicada pela Bedeteca a colecção LX Comics, de pequenos álbuns de BD, dos quais seriam editados 17 títulos de outros tantos autores. Diga-se, já agora, que o título LX Comics já tinha sido utilizado numa efémera revista editada por João Paulo Cotrim e Renato Abreu, entre 1990 e 1991. A nova colecção terminou em 2005, quando João Paulo Cotrim saiu da Bedeteca, ao terminar o mandato de João Soares como Presidente da Câmara de Lisboa. Coincidência? A João Paulo Cotrim sucedeu Rosa Barreto, como directora de projectos, até 2010, projectos aliás cada vez em menor número e importância.

 
Em 1998 (Outubro), foi organizado o primeiro Salão Lisboa de Ilustração e Banda Desenhada, nas instalações do antigo armazém de vinhos Abel Pereira da Fonseca, em Marvila. Seguiram-se anualmente mais seis Salões, em vários locais, o último dos quais realizado em 2006 no pavilhão Portugal da Expo Lisboa (Parque das Nações), continuamente com reduzida assistência. Os Salões foram sempre acompanhados da edição dos catálogos gerais e de um catálogo especial para a vertente Ilustração, sob a direcção gráfica do designer Jorge Silva.


 
   

Em Outubro de 1999 a Bedeteca foi co-organizadora, com o Festival de BD da Amadora e com a Associação do Salão Internacional de BD do Porto, dos Colóquios “Hoje, a BD – 1996 e 1999”, que decorreram no Teatro Rivoli, no Porto, no decorrer do XI Salão Internacional de BD daquela cidade. Fui um dos convidados a participar nos Colóquios e recordo a viagem em comboio especial (paga pela Câmara de Lisboa) e a visita ao Salão de BD do Porto, instalado no Mercado Ferreira Borges.


De Maio a Setembro de 2000 esteve patente em Bruxelas a exposição “Portugal e a BD: panorama Histórico da Banda Desenhada Portuguesa”, organizada por João Paiva Boléo e Carlos Bandeira Pinheiro, tendo sido editado o catálogo/álbum Das Conferências do Casino à Filosofia de Ponta, de que foram autores os dois organizadores da exposição. Também em 2000 começou a ser editada a Newsletter Contador-Mor. O nº 3, de Maio desse ano, por exemplo, tratava o tema “No Interior dos Cadernos de Viagens”.



De 7 de Abril a 16 de Maio de 2004, numa parceria da Bedeteca com o Instituto Cervantes de Lisboa, esteve patente no palácio Galveias a exposição “El Alma de Almada el Impar: Obra Gráfica 1926-1931”.


Em 2006, Marcos Farrajota (funcionário da Bedeteca desde 2000) instalou nos jardins do Contador-Mor a 4ª Feira Laica, com a Feira de Fanzines e Edições Independentes, associadas a outras produções livres, artesanato urbano, música, discos e livros em 2ª mão. A Feira Laica teve edições na Bedeteca até 2011.


Uma década depois de inaugurada, assinalada com um modesto programa de iniciativas, já havia poucas razões para celebrar. "A situação é muito complicada em termos orçamentais", admitia Rosa Barreto, acrescentando que "a nossa prioridade absoluta é pagar dívidas".

Em 2010, o executivo da Câmara de Lisboa, liderado por António Costa, decidiu colocar um ponto final nas actividades extra-biblioteca da Bedeteca. A própria biblioteca especializada em BD foi transferida para a anterior sala de exposições do piso inferior, ficando Marcos Farrajota como seu responsável. Rosa Barreto e outros funcionários afectos às diversas actividades deixaram o palácio do Contador-Mor. A Bedeteca passou apenas a ser isso mesmo, ou seja, uma biblioteca de livros de BD, embora continuando a fazer parte de Biblioteca Municipal dos Olivais. Apesar de ter deixado de existir em termos oficiais, comemorou no passado dia 23 de Abril o 21º aniversário.

O BDinFólio #0 (o pai do BDjornal), noticiava na primeira página a inauguração da Bedeteca de Lisboa...

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