terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Gazeta da BD #86 na Gazeta das Caldas (em 1Dez.2017) SOBRE RELVAS

Gazeta da BD #86 na Gazeta das Caldas (em 1Dez.2017)

MORREU FERNANDO RELVAS 
(1954-2017)
Um dos criadores mais importantes e inovadores 
da BD portuguesa

Foto realizada por mim no Amadora BD 2010

O autor da BD portuguesa Fernando Relvas, morreu no passado dia 21, já sofria de Parkinson e foi vítimado por uma infecção. Foi considerado como um dos mais talentosos e personalizados autores portugueses de banda desenhada das últimas décadas. Era também considerado como o eterno boémio da BD portuguesa.

As suas primeiras bandas desenhadas conhecidas surgiram em 1974, começando depois a publicar no jornal/fanzine O Estripador em Janeiro de 1975 e em Novembro desse ano fundou um fanzine, O Gorgulho. Em Abril de 1976 publicou a história O Chico, no jornal Gazeta da Semana. Em 1977, na revista Fungagá da Bicharada, de Júlio Isidro, publicou Uki, o Pequeno Esquimó, Espaço 99 1/2, Chin Lung e O Justiceiro do Rio Amarelo. Em 1978 estreou-se na revista Tintin, com O Espião Acácio, cuja publicação terminou em Março de 1980 e sobre o qual escrevemos aqui, na Gazeta da BD #71, em Março passado. Foi o grande “salto” na sua carreira, continuando a publicar nesta revista até 1982, onde publicou também Rosa Delta Sem Saída, Cevadilha Speed e L123 em registos muito diferentes de Acácio.

Outra "grande aventura" na vasta produção de Relvas, foi a publicação de histórias em continuação no Se7e, o célebre semanário de espectáculos, onde foram publicadas Concerto para Oito Infantes e um Bastardo, Niuiork, Sabina, Herbie de Best, O Diabo à Beira da Piscina, Nunca Beijes a Sombra do Teu Destino e Karlos Starkiller, entre 1982 e 1988. Inicialmente as histórias do Se7e surgiram a preto e branco, mas depois também a cores.

Participou ainda nas revistas de BD Mundo de Aventuras (V serie), O Mosquito (V série), LX Comics e no jornal humorístico O Fiel Inimigo. Colaborou também em outros periódicos como Notícias da Amadora, Pão Com Manteiga, TV Mais (com caricaturas), Sábado (I série, onde se publicou de modo incompleto a história O Rei dos Búzios, em 1989) e Quadrado. O Rei dos Búzios acabou por surgir na íntegra num CD-ROM que acompanhou a revista Biblioteca de setembro de 1999, publicada pela Câmara Municipal de Lisboa. Este CD-ROM inclui uma entrevista ao autor, antigos trabalhos e textos de alguns especialistas, comemorando desta forma 25 anos de carreira de Fernando Relvas. Dizem alguns críticos que, por ironia do destino, nunca chegando a ser publicada em álbum, foi considerada a melhor história produzida por Relvas.

Em 1993 foi publicado o álbum Em Desgraça, pela ASA, história que tinha sido distinguida em 1990 com o Prémio do Concurso "Navegadores Portugueses". Outros álbuns do autor editados nos anos 90 foram As Aventuras do Pirilau - O Nosso Primo em Bruxelas, pela Livros Horizonte, em 1995, Çufo, pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, em 1995, Karlos Starkiller, que foi o título inaugural da colecção "Bedeteca", em 1997, e L123 (seguido de Cevadilha Speed), pela Associação Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto, em 1998. Neste ano foi um dos autores portugueses presentes no 25.º Festival Internacional de BD de Angoulême (França), no ano em que Portugal foi o país convidado no maior Festival europeu de BD, com a exposição Perdidos no Oceano.

Foi em 1995 que conheci Relvas, no VI Festival de BD da Amadora, na saudosa Fábrica da Cultura, quando estávamos a montar as respectivas exposições com as quais iriamos participar no Festival, estava ele a preparar a exposição de Çufo e algumas pranchas e esboços de A Rainha Ginga, história que nunca seria publicada. A partir daí mantivemos contactos frequentes até à última vez em que nos encontrámos, em abril de 2017, durante a exposição que lhe foi dedicada, na Bedeteca da Amadora, onde já o encontrei num estado físico muito degradado, devido à doença de Parkinson.

Mas em 2002, Relvas casou-se com a artista plástica Nina Govedarica e, quando o encontrei por puro acaso à saída dos Cacilheiros no Cais do Sodré, ele disse-me “Eh pá, tou farto deste país, vou para Espanha com a Nina e logo se vê!” Em Espanha escreveu a sua única novela literária O Urso Vai a Espanha – com esta obra inicia o uso do auto-epíteto “o urso”, que define a sua desilusão com o mercado editorial português de BD. Na Croácia inaugurou vários blogues onde publicou inúmeras histórias inéditas, que foi produzindo. Regressou a Portugal em 2010, onde já lhe notei os inícios da Parkinson. Publicou ainda Li Moonface (pela Peranocharco), Sangue Violeta e outros contos e Nau Negra (pela ElPep).

Mas como escreveu o crítico Pedro Moura, a obra de Relvas “foi um percurso nervoso por entre géneros e humores, métodos e técnicas, veículos de publicação e modos de produção e circulação, que servirá de retrato a uma incessante e intranquila busca pela expressividade própria da banda desenhada, e outros territórios contíguos, mas cuja leitura e apreciação atenta desvenda um autor que é um verdadeiro sismógrafo da sociedade portuguesa das últimas décadas. A sua imensa galeria de personagens, nenhuma das quais assumiria o papel de “herói clássico”, é igualmente um espelho das gentes comuns que se tentam eclipsar às imposições dessa mesma sociedade.

Tumultuosa, variegada, por vezes virulenta e quase sempre sarcástica, a lavra de Relvas é uma obra-maior no panorama nacional, ainda que sob muitos aspetos fragmentária. O que não deixa de contribuir para um horizonte coeso, vincado, pessoalíssimo, onde repousará a tranquilidade do leitor.”

O seu corpo esteve em Câmara Ardente na Câmara Municipal da Amadora, numa iniciativa que me parece inédita nos Municípios Portugueses e que é de louvar.

Caricatura da autoria de Vasco Gargalo, realizada após a morte de Relvas.

Conheci de perto o humor - por vezes negro - de Fernando Relvas, penso que ele próprio poderia ter dito esta frase, com que finaliza o Espião Acácio...

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