GAZETA DA BD #61
Na Gazeta das Caldas, 2 de Setembro 2016
A ASSOCIAÇÃO CHILI COM CARNE
A ACTIVIDADE EDITORIAL
E O LIVRO
LISBOA É VERY VERY TIPICAL
J.Machado-Dias
Mas a associação (sem fins lucrativos) só em 2000 se estabeleceu como plataforma editorial propriamente dita, sobretudo de banda desenhada. Marcos Farrajota acrescenta, na entrevista citada, que a maior parte dos autores, ligados ao desenho e à banda desenhada, provêm do meio dos fanzines, da cultura pop e do do it yourself, razão pela qual não têm de agradar a ninguém. “Tentamos, se calhar, até desagradar porque é isso que faz as coisas mexerem e as pessoas pensarem um bocado”, confessa.
A colecção de livros de BD da Chili com Carne com maior sucesso será, segundo creio, a LowCCCost (de “baixo custo” em inglês), dedicada a “livros de viagens” que reune até agora cinco títulos editados, um dos quais, Zona de Desconforto, venceu em 2014 o prémio de melhor livro português de banda desenhada no Festival da Amadora. Este facto levou a que a Chili tivesse direito a apresentar uma exposição sobre o livro e stand próprio de vendas na Zona Comercial do Festival de 2015. Refere Farrajota que “Tinha sérias dúvidas se o público do Amadora BD eventualmente estaria interessado nas nossas coisas. Mas foi uma surpresa agradável. Pessoas que já conhecem, pessoas que estão a ver pela primeira vez e gostam.”
Ainda segundo Farrajota, “se Zona de Desconforto, é uma colectânea de autores de BD portugueses que contam as suas experiências no estrangeiro enquanto estudantes ou trabalhadores, pensámos que seria um bom desafio juntar estrangeiros que vivem ou viveram em Portugal. Plano arriscado! Há assim tantos autores que tenham passado por cá? E que queiram fazer uma BD?”
O plano afinal deu certo e o livro intitula-se Lisboa é very very tipical, editado em Outubro de 2015. No livro estão autores como a catalã Begoña Claveria, o francês Alain Corbel, a croata Anica Govedarica, a brasileira Taís Koshino, o canarino (residente em Valência) Elias Taño, o argentino Alejandro Levacov, o japonês BNK TNK, a catalã Martina Manya, o suiço Aude Barrio, o romeno Nicolae Negura, o colombiano Dileydi Florez e o brasileiro Téo Pitella. Sendo a capa da responsabilidade do alemão Lars Henkel.
Como nota Pedro Moura, estes autores “estiveram menos interessados em descrever e representar as viagens em si, as hipotéticas paisagens exóticas ou os choques culturais dos encontros proporcionados, do que a emergência de experiências profundamente pessoais, que não apenas mudaram a vida dos seus autores enquanto aqui estavam como poderão mudar as dos próprios leitores.”
Ora a perspectiva de um estrangeiro, quer estude, trabalhe ou simplesmente viva em Lisboa, não coincide nunca com a nossa, na sua relação com a “nossa” cidade (ou com o “nosso” País). Recordo-me que, quando era jovem e, em Cascais, levava alguns amigos estrangeiros a ver um qualquer palacete de “encher o olho”, ou a mostrar as paisagens da costa batida pelo mar, eles estavam sempre mais interessados nas gaivotas, no modo como os pescadores cosiam as redes, como as peixeiras amanhavam o peixe, etc, etc... o que me deixava um bocado exasperado e confuso. Parecia-me sempre que eles estavam mais interessados em pormenores que a nós nos partecem irrelevantes. Gostavam, por exemplo de ir à lota, ver como era vendido o pescado aos que iam depois revendê-lo na praça, ou servi-lo nos restaurantes. Podia vê-los felizes da vida no mercado, no meio das vendedeiras de hortaliças e de fruta. Por vezes sentia-me eu próprio a ser conduzido para ver coisas a que não dava, na altura, a mínima importância.
No entanto, as experiências relatadas neste livro não são as de visitantes ocasionais, mas as visões de pessoas que vivem ou viveram em Portugal, não em estadias turisticas mas trabalhando, ficando a conhecer de perto os portugueses e as suas idiossincrasias.
Tal como também escreve o crítico e professor de BD Pedro Moura acerca deste livro, “(...) é inevitável que procuremos sempre algum grau de magnificência na cidade em que habitamos, uma espécie de desejo em redimirmos esse espaço dos pecados que também não deixamos de identificar. E é aí que a atitude do “forasteiro”, de um outro olhar externo, permite (que levemos) uma totalmente desapaixonada coça. Lisboa e Portugal aqui não são tratados de forma alguma como paisagens de postais ilustrados (ainda que existam momentos que rocem essa dimensão), como parece ser cada vez mais a sua “missão” presente, na euforia do capitalismo turístico (...)”
Fontes citadas - https://espalhafactos.com/2016/01/17/marcos-farrajota/ e Pedro Moura em http://lerbd.blogspot.pt/2016/03/lisboa-e-very-very-typical-aavv-chili.html
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