quinta-feira, 18 de abril de 2019

SABRINA de Nick Drnaso A CRÓNICA DE UMA IMENSA SOLIDÃO

Recorte do suplemento Ypsilon, de jornal Público, de 12 de Abril de 2019
SABRINA
De Nick Drnaso

A CRÓNICA DE UMA IMENSA SOLIDÃO 
OU COMO VIVER A DOR PRIVADA 
NA ERA DA INTERNET 

SABRINA
Nick Drnaso (Trad. José Lima), Porto Editora 

Nick Drnaso cresceu em Paios Hills, subúrbio de Chicago.

Um solitário na adolescência, só muito depois seria capaz de falar do que lhe aconteceu, os abusos sexuais a que foi sujeito por um vizinho, a depressão que se instalou, a paranóia

Sabrina tornou-se a primeira novela gráfica a Integrar a shortlist do Man Booker Prize (2018) e recebeu elogios da crítica. Nick quase treme ao dizer que talvez tenha sido apenas sorte ...

"Entendo que [o livro] possa ser lido como um comentário político, mas é difícil explicar de onde vem isso. Foi feito na boina de isolamento em que as personagens vivem, que é o modo como me sinto viver. Isolado, sem entender muito o que se passa e sem ter muito controlo do que se passa”

“É um medo permanente. Quando se trabalha num estado de isolamento durante tantos anos é como se perdesse todos os contactos com alguém que pudesse ler o que estamos a fazer. Alguma coisa se perde quando simplesmente se trabalha isoladamente"







ESTA É A NOSSA PARANÓIA

Crónica angustiante da actualidade a partir do misterioso desaparecimento de uma mulher. Há trauma, obsessão, paranóia e uma estranha normalidade reconhecível: este tempo.

Sandra, Teddy e Calvin estão unidos depois do misterioso desaparecimento de Sabrina. É uma união involuntária, com - pouco de consolador e ineficaz para mitigar a perda. Sandra desespera por não saber da irmã, Teddy cai numa depressão silenciosa por não ter explicação para o sumiço da namorada e Calvin, ao acolher em casa o amigo Teddy, fica refém de um sofrimento que não é o dele e o faz resvalar para um lugar ainda mais fundo da sua existência já afectivamente precária.

São três solidões e o isolamento de cada uma alimenta a teia de medo, paranóia e especulação que torna Sabrina um dos mais inquietantes retratos literários da actualidade e o fez ser a primeira novela gráfica a integrar a shortlist do Man Booker Prize. Não ganhou; mas terá sido o titulo mais comentado da edição de 2018.

O seu autor chama-se Nick Drnaso, tem 30 anos; nasceu nos subúrbios de Chicago e partiu da sua biografia para construir um livro acerca do trauma. Quando a primeira namorada o deixou, Nick ruiu arrastado pelo abandono e algum tempo depois estava a desenhar, com grande economia de traços, Sandra, Teddy e Calvin, e ainda Sabrina. Acrescentou personagens satélite e escreveu um enredo onde todos se movimentam de modo a ampliar a tensão necessária a um clima de suspeição que se instala e se adensa após o desaparecimento de Sabrina.

A acção inicial desenrola-se em – Chicago. Há uma conversa entre as duas irmãs. Sabrina foi passar o fim-de-semana a casa dos pais que estão fora e a irmã encontra-a a tomar cónta da gata. Conversam sobre a necessidade de Sabrina encontrar emprego; recordam a infância e, antes de sair para uma festa, Sandra tenta convencê-la a ir com ela numa viagem de bicicleta pela região dos Grandes Lagos. No plano seguinte, Teddy está sozinho.

Pediu a um amigo que não vê há anos para o acolher por uns tempos. Ninguém sabe de Sabrina e ele não sabe lidar com a ausência. Foge de Chicago e vai para Colorado Springs. Calvin, um militar que trabalha com informação secreta no Departamento de Defesa da Força Aérea, recebe-o. Vive sozinho depois de a mulher e a filha terem ido para a Flórida e sente-se divido entre a vontade de se juntar a elas e a promoção para um cargo que implica ainda mais isolamento.

Há um mistério, mas o livro não é construído na ilusão de que poderá ser resolvido. Onde está Sabrina? é um eco em todo o livro, mas secundário no sentido em· que Drnaso parece centrar-se antes no impacto desse desaparecimento na vida de Teddy, Calvin e Sandra; no modo como a ausência de informação alimenta a monstruosa máquina especulativa constituída por redes sociais, meios de informação tradicionais, extremistas que cavalgam a sua ideologia política ou religiosa em teorias-da conspiração, e o isolamento em que vivem os desesperados.

"Alguém tem culpa. Alguém anda a capitalizar em grande. Desenredar os fios, ir ao fundo da questão e denunciar os conspiradores como os ladrões assassinos que eles são: é essa a minha vocação. A tarefa da minha vida", diz a voz da rádio que vai alimentado os dias de Teddy, urna espécie de salvador de um fim catastrófico que se anuncia – e que ele anuncia – e no qual integra o mistério de Sabrina. O monstro que vive no interior de Teddy agiganta-se diante da impotência de Calvin. E, na mesma casa, Calvin e Teddy descobrem a sua incapacidade de partilhar sentimentos. Estão sozinhos no silêncio do sofá, nas refeições rápidas que Calvin leva para casa, na confusão de roupa espalhada, no refúgio em jogos de estratégia ou nas estações de rádio, um maná para múltiplas obsessões e para a diluição de fronteiras entre verdade e mentira, sonho e realidade, mundo virtual e quotidiano.

O conjunto, desenho e texto, onde se alicerça Sabrina é compulsivo. Parece próximo do cinema no modo como gere os momentos de diálogo, manipula emoções com grandes planos de rosto e cenários despojados de tudo a não ser de elementos essenciais à trama, ou alterna grandes doses de informação com o silêncio prolongado a sublinhar o vazio e a claustrofobia em que as personagens se vão afundando. E, em tudo, a inquietante certeza de que este livro, que há três ou quatro anos poderia ser lido como uma distopia, se passa no nosso tempo.




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