PRÍNCIPE VALENTE
NOS TEMPOS DO REI ARTUR
DE HAROLD FOSTER
COLECÇÃO LANÇADA PELA PLANETA DE AGOSTINI JÁ À VENDA EM PORTUGAL
Príncipe Valente nos tempos do Rei Arthur, título completo desta colecção, é uma história em banda desenhada criada em 1937 pelo canadiano Harold Rudolf Foster (1892- 1982) para a King Features Syndicate. O autor era responsável tanto pela criação das imagens como pelo argumento, textos e diálogos. O seu brilhantismo, tanto para ilustrar como na narração, deu à colecção uma unidade dificilmente alcançada.
Foster desenhou a sua primeira página de Príncipe Valente em 1934. Ele estava decidido a não seguir o caminho traçado por Flash Gordon ou Buck Rogers – os super-heróis com poderes e as bandas desenhdas futuristas não o inspiravam. Ele queria mais: um homem de carne e osso e, por isso, menos heróico. Voltar ao passado era a solução, e ele imaginou um príncipe medieval nos dias do Rei Arthur, um cavaleiro da Távola Redonda. Rasgou esboços feitos em 1934 porque achou que lhes faltava credibilidade histórica, e antes de voltar à prancheta dedicou-se a estudar a Idade Média, ler inúmeras novelas de cavalaria, investigar os mitos e lendas da literatura inglesa e visitar exaustivamente o Field Museum de Chicago.
A história foi tomando forma: narraria a vida do Príncipe de Thule, uma cidade entre a realidade e a lenda localizada no Fiorde de Trondheim. Nessas tiras, ele recriou os mapas geográfico e político-social da Idade Média europeia, com as suas cidades, povos, batalhas e outros acontecimentos históricos reais. Considerou todos os pontos de vista, da fidelidade histórica ao entretenimento do leitor, e decidiu aceitar os anacronismos que enriqueciam o resultado visual ou davam mais suspense narrativo, ampliando as possibilidades de viagens e aventuras do protagonista, inserindo-os na trama de forma tão subtil que muitos deles passaram despercebidos.
O leitor nunca fica perdido ou incomodado, apesar de num quadro o cenário ser Camelot e, no outro, uma viagem ao Novo Mundo. Foster funde história, mito e lenda como um perfeito malabarista. Outro grande acerto, característico de algumas novelas históricas como as de Cecelia Holland, foi não dar demasiada importância a datas e lugares, renunciando ao rigor histórico que tinha tirado da banda desenhada a sua leveza e fantasia. Uma vez situada no amplo século V d .C. , Foster despejou na sua grande obra tudo o que pôde, tanto das suas leituras como das suas próprias experiências.
Valente é um príncipe que representa o ideal triunfante do cavaleiro medieval. Como Dom Quixote, percorre caminhos em busca de aventuras, pára e ajuda quem precisa, socorre a todas as damas em apuros, resolve qualquer injustiça, descobre mistérios e enigmas, vence a bruxaria e o mal; mas, diferente de Quixote, Valente vê moinhos onde aquele vê gigantes e, com o seu racionalismo e valor, vence sempre. Como a genial novela de Cervantes, as bandas desenhadas de Príncipe Valente são uma mistura de contos e pequenas digressões. O protagonista tem uma missão que consiste, por exemplo, em ir da Britânia a Roma.
No caminho, surgirão imprevistos e mudanças de planos que enriquecem muito a vida dos personagens, tornando a leitura divertida. Uma viagem ou uma missão nunca serão uma linha recta entre dois pontos. A prova do talento narrativo do autor é que mesmo com o labirinto de histórias dentro da história, nem o protagonista nem o leitor perdem o rumo. Pode haver um parêntesis maior ou menor, porque o corajoso jovem deve resolver um ou vários assuntos inesperados, mas Foster encarrega-se de lembrar o objectivo final da aventura em questão.
Publicar numa tira dominical permitia atingir um grande número de leitores, mas também exigia uma narrativa para todos os públicos, estimulante, cheia de vida e aventura, com pouca violência e obscuridade. Foster criou, sobre esses pilares, uma história que sobreviveu a décadas, à mudança de século e, sobretudo, às transformações do mundo ocidental e de sua mentalidade.
À surpreendente capacidade de perdurar, unem-se algumas outras qualidades que transformaram Foster no pai da banda desenhada de aventuras e num dos grandes mestres da BD. Príncipe Valente foi um marco na evolução desse género, em parte por algumas decisões de Foster, que foi contra as modas em voga na época. Uma de suas atitudes mais surpreendentes foi localizar os textos sob os desenhos, nunca em balões. O autor defendia, assim, a importância da imagem frente ao diálogo ou à narrativa, não porque fosse mais importante, mas porque gostaria que a qualidade de seus desenhos fosse devidamente apreciada. E, de facto, as ilustrações surpreendem pela sua estética, as suas cores e a riqueza de detalhes com os quais descrevem a vida quotidiana, as lutas, todo tipo de objectos – desde os utensílios para alimentos até às armas –, o aspecto físico dos personagens, a sua condição social e até a expressão dos seus rostos.
Este príncipe medieval que vemos amadurecer através dos anos lembra um filósofo do Iluminismo, ponderado e audaz, aliando perfeitamente razão e paixão. Valente quase pode ser considerado um homem da ciência do Século das Luzes, que explica com a razão tudo aquilo que aparentemente é sobrenatural ou qualquer superstição.
Com isso, Foster desenha um herói com as melhores qualidades de cada época: o cavalheirismo medieval, a audácia do homem renascentista, o racionalismo do Século das Luzes e a paixão e individualidade do Romantismo. Um ser muito iluminado, que deixa o leitor com um bom sentimento.
Como se isso fosse pouco, um elenco de familiares e amigos fascinantes acompanha o protagonista, a maioria deles tão estimulante quanto Valente. O seu grande amor, sua esposa e alter ego Aleta, por sua vez, rompe com todos os clichés do personagem feminino da BD até então. Ela não é uma mulher frágil que precisa ser socorrida, nem a típica sedutora que prejudica quem a deseja: Aleta é bela, inteligente, tenaz, bondosa, maternal, uma excepcional amazona e incrível companheira. Os comentários sarcásticos sobre ela e sobre as mulheres em geral que o autor coloca na boca dos seus personagens masculinos são um anacronismo dos mais simpáticos. Remetem-nos à própria biografia do autor e ao século XX: os homens queixam-se de que as mulheres mandam neles ou que são intrometidas, mas reconhecem quando elas tiram as castanhas do fogo... ou quando os ajudam em batalhas perdidas.
Foster atreve-se a algo inédito: Aleta traça estratégias de guerra e realiza acções diplomáticas para convencer as esposas de outros reis e príncipes com acordos de paz, em vez da guerra. As mulheres impõem o senso comum e o amor à vida, evitando muitos derramamentos de sangue. Definitivamente, o desenho dos personagens é tão fascinante que, por si só, tornaria essa história em banda desenhada um clássico sem precedentes.
Em 16 de maio de 1971, publicou-se a prancha 1.788, a última escrita e ilustrada por Harold Foster; nesse mesmo ano, o autor e a sua esposa mudaram-se para a Flórida. Apenas a idade e alguns problemas de saúde conseguiram afastá-lo de seu querido Valente. Apesar disso, o canadiano continuou a enviar semanalmente, durante mais nove anos, o roteiro e um rascunho a lápis para John Cullen Murph, o continuador da obra. Foster havia-o aceitado como assistente desde 1968, o que o converteria no perfeito continuador, mas ainda assim, testou outros ilustradores, como Gray Morrow e Wally Wood. Finalmente, decidiu-se por Murphy, que não seria o último ilustrador da coleção. Continuaram a história três mestres da banda desenhada (comics): Mark Schultz (Filadelfia, 1955), Gary Gianni (Chicago, 1954) e Thomas Yeates (Sacramento, 1955).
Príncipe Valente nos dias do Rei Arthur foi publicado no Brasil pela primeira vez no Suplemento Juvenil, em 1937, saindo depois no jornal O Globo, na década de 1970, e na mesma década, em revistas periódicas de diversas editoras, como RGE e GEA, sendo reeditados desde então.
A leitura da saga criada por Foster é, há mais de 80 anos, uma das histórias em banda desenhada preferidas por gerações de crianças, adolescentes e adultos. O seu êxito foi tal que a imprensa norte-americana anunciou o nascimento do primogénito de Valente e Aleta, o príncipe Arn, na relação de nascimentos. Desde então, até hoje, os leitores identificam-se com essa família lutadora e de grande coração.
Seria Príncipe Valente uma mágica e inigualável história sem fim?
Beatriz C. Montes
Doutora pela Universidade de Tours
Professora da Universidade de La Rioja
Adaptação do texto ao português europeu, por Jorge Machado-Dias
Em Portugal o Príncipe Valente de Foster, começou por ser publicado a partir do nº 46 do Jornal do Cuto, entre 1937 e 1938, como se pode ver aqui: http://bedetecaportugal.weebly.com/principe-valente.html
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