Revista Domingo, do Correio da Manhã, 20 de Outubro de 2013
Texto de Leonardo Ralha
Exposição de cromos portugueses em 2014
A mostra 60 Anos da História de Portugal em Cromos, que incluiu um encontro com Carlos Alberto Santos, realizado na sexta-feira, avançou agora para assinalar a efeméride, mas os seus organizadores já têm planos para uma exposição mais ambiciosa, dedicada a mostrar o que foi a produção de cromos no século passado, que poderá ser vista na Biblioteca Nacional no final de 2014. Segundo Leonardo de Sá, um arquiteto perito em banda desenhada e ilustração – comissário da mostra sobre a História de Portugal –, foram os próprios responsáveis pela instituição pública a sugerir a outra exposição, que irá preparar nos próximos meses, em colaboração com João Manuel Mimoso.
Armas e barões na caderneta
OS CROMOS DA
'HISTÓRIA DE PORTUGAL' APARECERAM HÁ 60 ANOS.
O AUTOR DIZ
QUE FARIA TUDO DIFERENTE
Muitos milhares de jovens portugueses aprenderam a gostar de História de Portugal ao colarem desenhos de alguém que começara a trabalhar logo depois de fazer a quarta classe. Poucos ou nenhuns poderiam adivinhar que Carlos Alberto Santos acabara de recriar séculos de batalhas e descobertas (e os milénios que antecederam a fundação do País) quando tinha apenas 20 anos.
Seis décadas após a primeira edição de História de Portugal a inovadora coleção de cromos que teria pelo menos duas dezenas de reedições entre 1953 e 1973, transformando-se num símbolo da Agência Portuguesa de Revistas, o autor dos desenhos, feitos ao longo de três anos, não sabe quantos milhares de cadernetas e milhões de carteiras - chamadas envelopes-surpresa que custavam.40 centavos e davam direito a três 'estampas' - foram vendidas.
O pintor de 80 anos tem, no entanto, uma certeza, partilhada com a Domingo numa sala da Biblioteca Nacional, em Lisboa, onde está patente, até ao dia 31, uma pequena mostra – organizada por João Manuel Mimoso e Leonardo de Sá – que assinala o 60º aniversário do lançamento da coleção: não foi o maior beneficiado pelo êxito da História de Portugal "Se fosse lá fora, era natural que, com direitos de autor e tantas reedições, ficasse rico."
Fascinado pela História
Desenhar sempre fora a escapatória de Carlos Alberto Santos, que começara a trabalhar aos 12 anos na gráfica Bertrand & Irmãos, onde o pai era tipógrafo. O jeito para traçar figuras humanas no papel abriu-lhe as portas de um ateliêr de publicidade, tal como as suas ilustrações chamariam a atenção da Agência Portuguesa de Revistas." O editor sabia que eu desenhava e que gostava muito de coisas históricas" recorda, admitindo que o desfile criado por Leitão de Barros, em 1947, para comemorar o oitavo centenário da tomada de Lisboa aos mouros foi uma grande inspiração.
Para trás ficara a estreia, na revista Camarada publicação da Mocidade Portuguesa, dirigida pelo futuro governador-geral de Moçambique e ministro Baltasar Rebelo de Sousa – o pai de Marcelo Rebelo de Sousa –, tal como a banda desenhada História Maravilhosa de João dos Mares no primeiro número da revista O Mundo de Aventuras.
Maiores eram os desafios colocados pela História de Portugal como constatou ao receber o texto correspondente a cada um dos 203 cromos originais – edições posteriores tinham os novos Presidente da República e presidente do Conselho de Ministros, Américo Tomás e Marcelo Caetano –, que foi elaborado pelo escritor e jornalista António Feio.
''Dentro do bloco de texto correspondente ao cromo tinha de escolher a melhor cena e desenhá-la" conta o autor, que começou a fazê-lo quando tinha apenas 17 anos. Em tão extensa encomenda havia de tudo. "Uns eram trabalhosos e outros menos. Seria um dia inteiro a fazer cada um, e noutros até demorava mais. Outros eram mais simples e até fazia dois num só dia" explica. Cada cromo, fosse uma batalha sangrenta, o descobrimento de terras novas ou o mapa da Península Ibérica que aparecia no número 1, começava por ser desenhado a tinta da China. Os originais eram enviados para a gráfica, reduzidos e impressos a azul, regressando ao autor para serem pintados com guache.
"Tinha mais dúvidas e problemas para saber como eram os trajes. Hoje há muitos elementos, muitos livros sobre soldados. Naquele tempo havia muito pouco" refere. A única solução era "fazer grandes serões" na Biblioteca Nacional, então localizada na zona do Chiado.
Insatisfação
Apesar do sucesso da História de Portugal e da importância que teve para crianças e adolescentes nas últimas décadas do Estado Novo, Carlos Alberto Santos admite que não é a sua obra favorita no que toca a cromos. Prefere Camões que chegou às bancas em 1966, mas também foi o autor de História de Lisboa, Romeu e Julieta e Pedro Álvares Cabral.
Aos famosos cromos que desenhou e coloriu entre os 17 e os 20 anos reserva uma crítica implacável. "Aceito o que fiz naquela altura, pois era o que eu sabia. Não me repugnava nada que se fizesse uma nova edição, mas hoje não a faria assim. Não aceito muito estes desenhos. Posso considerá-los um bocado ingénuos" explica, acrescentando que um eventual regresso da caderneta só poderia ocorrer com a concordância dos herdeiros do autor do texto.
A última reedição ocorreu em 1973. pouco antes do derrube de Marcelo Caetano, o que contribuiu para o ponto final. "Deve ter tido influência. Tudo o que era histórico era visto como estando ligado ao Estado Novo, e o editor terá parado por isso. Certa vez, estava no Algarve, a expor numa galeria, e tinha um quadro com o infante D. Henrique . Passaram uns revolucionarios e disseram: 'Olha, o primeiro fascista da História!' recorda, entre risos.
Leonardo de Sá avança outra teoria. "Esta Historia de Portugal corresponde à visão do Estado Novo, mas também é a visão do livro escolar único. Depois do 25 de Abril houve uma época de mudança no Ministério da Educação, em que começou a haver mais livros e mais visões. A própria História tornou-se relativa" afirma. Ultrapassado estava o tempo em que eventos como a Exposição de 1940 terá feito com que "a História de Portugal fosse mais popular do que agora".
Outro motivo do desaparecimento da coleção tem a ver com os problemas da Agência Portuguesa de Revistas, que encerraria nos anos 80. Antes disso, Carlos Alberto Santos tentou recuperar, sem grande sucesso, direitos de autor em tribunal. "Fui um bocadinho maltratado, entre aspas" diz.
Quantos mais cromos poderia ter juntado aos 205 da derradeira edição caso tivesse continuado? O pintor hesita. "Perante certas situações, não sei se não ficou bem acabar ali. Mas talvez pudesse ter ido mais para a frente." A convite de outra editora chegou a desenhar o 25 de Abril de 1974, num estilo tão diferente quanto as diferenças entre o anterior e o presente regime.
Carlos Alberto Santos no estúdio
__________________________________________________________
Que bom, amigo Carlos Alberto, vê-lo evocar esses tempos do início da sua brilhante carreira. O Leonardo De Sá e o João Manuel Mimoso, também amigos, estão de parabéns pela iniciativa de uma exposição, creio que inédita, de um trabalho como este na Biblioteca Nacional. A abertura desta instituição em divulgar esta obra, mostra o alto nível dos seus dirigentes.
ResponderEliminarSempre admirei o Carlos Alberto Santos e orgulho-me de o ter como amigo.
Força para continuar, que muito ainda esperamos da sua Arte.
Com amizade
José Ruy
Na minha opinião, o Sr. Carlos Alberto dos Santos é o mais talentoso e realista ilustrador nacional.
ResponderEliminar