domingo, 23 de abril de 2017

Gazeta da BD #72 – AUTORES DE BD EM PORTUGAL – PODE ALGUÉM VIVER EXCLUSIVAMENTE DESTA PROFISSÃO?

Gazeta da BD #72 - 21 de Abril 2017

AUTORES DE BD EM PORTUGAL
PODE ALGUÉM VIVER EXCLUSIVAMENTE DESTA PROFISSÃO?


No Festival de Angoulême deste ano, foi apresentado um relatório dos États Généraux de la Bande Dessinée (Estados Gerais da Banda Desenhada), resultante de um inquérito respondido por cerca de 1500 autores a trabalhar em França, em que se revela que 36% dos inquiridos vive abaixo do limiar da pobreza – ver AQUI. O valor recebido pelo seu trabalho, considerado “abaixo do limiar da pobreza” é de 12.024 euros anuais, sendo que 53% dos 1.500 referidos, tem rendimentos inferiores ao salário mínimo que, em França é de 17.345 euros/ano. Como em Portugal o salário mínimo é de 7.798 euros/ano, tudo isto é muito relativo para nós.

Mas o nosso interesse é mesmo saber como são estas questões em Portugal. Ora por cá não existe qualquer agremiação de “classe” ou mesmo qualquer sentido de “classe” entre autores de BD. Nem há ninguém que saiba sequer quantos autores existem no activo em Portugal! E muito menos quanto ganham com o seu trabalho – os que ganham alguma coisa, claro.

Mas este tema da banda desenhada como profissão tem vindo, muito lenta e ocasionalmente, a ser motivo de debate entre nós. Para já e entre outras iniciativas muito dispersas e sem grande visibilidade, realizou-se no passado dia 7 de Abril uma mesa redonda sobre o tema “Pode alguém viver exclusivamente da Banda Desenhada?”, nas instalações do Ar.Co, no antigo mercado de Xabregas, que reuniu os dois autores-ilustradores Jorge Coelho e Filipe Andrade, com moderação do também autor Nuno Saraiva.

Jorge Coelho e Filipe Andrade fazem parte de um naipe de autores portugueses que se aventurou numa via profissional, trabalhando para o mercado norte-americano, que lhes permite trabalho continuado e... receber o respectivo pagamento sem os engulhos que na maior parte das vezes têm de enfrentar os autores que trabalham para o insípido mercado nacional.

Se quisermos ser um pouco mais precisos na questão dos ganhos dos autores de BD neste país e depois de algumas conversas com três ou quatro autores/ilustradores, podemos traçar um pequeno quadro provisório de quanto ganham por cá, os autores de BD.

É preciso referir que, enquanto os editores portugueses (seguindo, ao que parece, o modelo francês) pagam aos autores 10% do preço de capa dos livros vendidos, os americanos pagam à página. A americana Marvel, por exemplo, paga, pelo desenho inicial a lápis 180 dólares (170 €), pela aplicação da cor 90 dólares (85 €) e pela aplicação da tinta preta final outros 90 dólares. É preciso referir que muito raramente é o mesmo ilustrador que realiza todas estas vertentes. Como os livros da Marvel têm 20 páginas, é só fazer as contas. Ou seja, o ilustrador que desenhe um livro recebe 3.400 €, o colorista 1.700 € e o aplicador do preto outro tanto. Se um único ilustrador realizasse todo o livro, receberia 6.800 €. Não sei quanto aufere um argumentista nos EUA...

No caso português, sendo o autor/ilustrador responsável por toda a execução das pranchas, o trabalho será muito mais moroso. Claro que atualmente os livros em Portugal têm um número de páginas muito variável e nem todos são a cores. Mas, tendo por base um ou outro exemplo, podemos fazer contas.

Vejamos o caso da trilogia As Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy, de Filipe Melo e Juan Cavia, colorida por Santiago Villa, editada pela Tinta da China, com cerca de 112/130 páginas cada. Podemos dizer que, tendo atingido os três livros em conjunto, o número redondo de 17.500 exemplares vendidos, ao preço de capa de 18 euros cada, cifrou-se a sua venda em 315.000 euros. Deduz-se então que os autores receberam 31.500 € – os tais 10% contratuais. Como foram três os autores envolvidos na realização dos livros (argumentista, ilustrador e colorista), terão ganho 10.500 € cada um pelos três livros – ou 3.500 € por cada livro.

Mas este caso foi excepcional no panorama da BD portuguesa, uma vez que a esmagadora maioria dos livros de BD não chega, por cá, nem de perto nem de longe, a estes números de vendas.

No caso de um outro livro, que teve a sua primeira edição (400 exemplares) esgotada, sobretudo depois de ter vencido o prémio para Melhor Álbum Português, no Amadora BD de 2013. Refiro-me a O Baile, de Nuno Duarte (argumento) e Joana Afonso (ilustração), editado pela Kingpin Books. Com um preço de capa de 14 €, a primeira edição do livro terá facturado 5.600 €. Se o pagamento aos autores foram os habituais 10%, receberam 560 € – ou seja 280 € cada autor. Mas como o livro teve uma 2ª edição, as verbas terão subido.

Se as minhas contas não estiverem erradas, penso que as conclusões são fáceis de tirar!

Pranchas de Hell Out of ‘Captain Marvel’
de Filipe Andrade (desenho e preto), colorida por Jordie Bellaire 

Prancha de Joana Afonso de O Baile.

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