A NOVELA GRÁFICA
“SABRINA”
de Nick Drnaso
BDpress #504 - Recorte de imprensa sobre BD - JL Jornal de Letras, de 17-07-2019
BANDA DESENHADA
João Ramalho Santos
Isolar
O lançamento de "Sabrina" do norte-americano Nick Drnaso numa excelente, se inesperada, edição da Porto Editora tem explicação: este foi o primeiro romance gráfico (novela gráfica, banda desenhada, BD...) finalista ("longlisted") do prémio literário Man Booker, em 2018 (o vencedor, "Milkman" de Anna Burns, vale a pena). Sempre que isto acontece, sendo "isto" uma BD ser considerada para (ou ganhar) um prémio que "não é suposto" por ser destinado a "livros a sério", fico deprimido.
Porque não devia ser notícia, mas, sobretudo, pela minha falta de paciência, quer para os que se indignam com a distinção, quer, pior ainda, para as múltiplas "descobertas" de recém-convertidos (ou aqueles com vagas lembranças de "Tintin", "Corto Maltese" ou "Sandman") que aproveitam a ocasião para proclamar que a BD "agora é para adultos", esquecendo-se o logo a seguir, com o próximo filme da Marvel. Aconteceu quando "Maus" de Art Spiegelman ganhou o Prémio Pulitzer (1992), "Jimmy Corrigan" de Chris Ware ganhou o prémio do "The Guardian" (2001), ou outras BDs ganharam prémios de literatura de terror, fantasia ou ficção-científica. É que a banda desenhada sempre foi capaz de contar estórias complexas, utilizando a sua singular linguagem de dupla gramática, escrita e desenho.
Como faz, de resto, Nick Drnaso em "Sabrina".
A história, simples nas suas ramificações absurdas, relaciona de forma brilhante os Grandes Espaços dos EUA (sejam paisagísticos ou urbanos) à pequenez vazia de muitos que os ocupam. Onde tudo e nada pode ser por acaso, e a realidade digital explode qualquer tentativa de racionalidade. O isolamento das personagens é, de resto, um pouco também o isolamento presumido da BD enquanto forma de expressão. Um isolar que tem tanto de passivo como de activo, empurrado por forças invisíveis e teorias de conspiração que seriam ridículas, não se desse o caso de conhecermos equivalentes, em que amigos e familiares (e governos e redes sociais...) acreditam, ou fingem acreditar por diferentes motivos; com consequências desastrosas.
Aquilo que começa com um crime "banal" (como banais se tornaram aquilo que são autênticas performances de violência pública), espirala para um mar revolto de desinformação, que vai muito além da vítima (ou do assassino). A inocência ou ignorância não tornam ninguém imune, e a única solução parece ser a fuga. Para a frente, para trás, para um lugar de imobilidade anestesiada, para onde for. Mas onde as personagens se fixam, numa espécie de autismo inútil, que é muito útil para que o mundo continue exatamente como está. Porque o ruído que dele surge é menos eloquente do que silêncio.
Lembrando os universos em BD de Chris Ware e Jeff Nicholson, mas com ligações a pintores como Edward Hopper e Andrew Wyeth, o grafismo "neutro" de Drnaso, com personagens inexpressivas, cores planas e longos planos de imagens repetitivas não é necessariamente fácil de assimilar, mas revela-se virtuoso no aprisionar de cada indivíduo na sua realidade.
Recomenda-se ainda o anterior livro do autor, "Beverly" (2016), uma colectânea de histórias curtas que tratam muitos dos mesmos temas de isolamento, alienação, exploração e crueldade; utilizando a brevidade para focar as mesmas mensagens evidentes em "Sabrina". Bela aposta, livro urgente. Por acaso em BD.
SABRINA
Argumento e desenhos de Nick Drnaso
Porto Editora. 205 pp., 24 Euros
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