segunda-feira, 7 de março de 2011

BDpress #235: João Ramalho Santos no JL sobre TONOHARU, volume 2


JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias

UM "OUTRO" (QUE CONTINUA) NO JAPÃO: TONOHARU, VOLUME 2

João Ramalho Santos

Já se falou aqui do primeiro volume desta obra de Lars Martinson. Na altura referi que o segundo volume poderia trazer algumas dificuldades. Trouxe. Abaixo repete-se parte do texto anterior, com actualizações. É a vantagem/desvantagem da internet, a reciclagem é constante, mas detectável.

Tonoharu é o relato da estadia de um norte-americano numa pequena cidade japonesa, onde trabalha como uma espécie de professor auxiliar de inglês, um "nativo" que ajuda os professores japoneses nas suas aulas. Obra um grau acima (ou abaixo) da autobiografia, no sentido em que Lars Martinson teve a mesma profissão/experiência do protagonista Daniel Wells, esta é sobretudo uma obra sobre a estranheza, não só o desconhecimento ou a frieza dos japoneses, mas também a indiferença de outros ocidentais que parecem perceber o Japão (e a vida) muito melhor do que o protagonista.

Na verdade essa é a caractererística-base do livro, o facto de Daniel Wells não saber nada. Nem sobre o Japão, nem sobre o seu emprego, nem sobre a sua vida passada, nem sobre os outros que vai encontrando e como comunicar com eles. O silêncio pesado é a principal material sonoro de Tonoharu, sublinhado pela estrutura gráfica minimal e repetitiva, da divisão sistemática de uma página em quatro vinhetas rectangulares idênticas, à letragem mecanizada, passando pela falta de movimento e expressividade de todas as personagens. Dir-se-ia um filme de Manoel de Oliveira com a diferença de não haver diálogos-monólogos expositivos para guiar o leitor, tudo é subentendido. Óbvio, mas subentendido. E, claro, com a diferença fundamental de ser banda desenhada, e as páginas (ao contrario de fotogramas) poderem ser viradas a velocidade variável. Na BD o ritmo de cada leitor não é necessariamente o de um realizador.

Apesar do detalhe posto em cada vinheta, a estrutura gráfica global é de total aborrecimento, o abafar de emoções, recalcamento. As afinidades com Chris Ware são evidentes, e a claustrofobia criada por Martinson é sólida, palpável, pesada. Mas o segundo volume mostra que Tonoharu se resume a isso, mais um retrato de frustração pseudo-intelectual que o exotismo do enquadramento disfarça por instantes, mas não consegue disfarçar para sempre. O protagonista está mais à-vontade, introduzem-se novas personagens, aprofunda-se o contexto. Mas sem se sair do mesmo sítio, sem acrescentar nada que o ascetismo do primeiro volume não tivesse mostrado. Dan Wells é um desgraçado, tem uma vida de merda. Não sabe o que quer, mas isso não o impede de querer coisas, sem saber como alcançar nada. E com a propensão para estragar tudo o que toca. Está bem, pronto. Mas há limites para a monotonia (gráfica e narrativa), e Martinson não tem o talento de Ware para variar as maneiras como as suas personagens vivem as respectivas secas. A principal fraqueza deste segundo volume de Tonoharu é dizer exactamente a mesma coisa do que o primeiro, mas com muito mais recursos em termos de personagens e situações, e sem a vantagem da surpresa.

Ainda assim, há motivo (e curiosidade) para ir à procura do terceiro.

Tonoharu, volume 2, por Lars Martinson. Pliant Press, 2010.


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As ilustrações são da responsabilidade do Kuentro
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Já agora leiam, no blogue de Pedro Cleto As Leituras do Pedro:
PORTUGUESES NA MARVEL


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