O Louletano, 2 | Junho | 2008
A morte do rei Rodrigo
Mistério ou Lenda? (2)
Por Jorge Magalhães
Corria o mês de Julho do ano 711 e essa fatídica batalha – que Alexandre Herculano vigorosamente descreve no seu grandioso romance "Eurico, o Presbítero" – iria ficar na História como o último capítulo do reino visigodo da Península Ibérica, abrindo caminho a uma nova civilização hispânica, caldeada pela herança cristã e pela cultura muçulmana. Importante foi também o contributo dos judeus, residentes em grande número na Península mas perseguidos pelos cristãos, e da população mais humilde, sujeita à fome, às epidemias e à tirania dos poderosos, para esse rápido triunfo do Crescente islâmico.
Parece provável que Rodrigo tenha morrido na batalha, que correu mal desde o início, pois alguns dos seus aliados, antigos partidários de Vitiza, não hesitaram, no momento culminante, em abandonar as fileiras, deixando completamente desprotegidos os flancos do exército visigótico.
Mas a esmagadora derrota não significou o fim da resistência cristã, encabeçada por Pelágio, lugar-tenente de Rodrigo, que se refugiou com os últimos sobreviventes nos inexpugnáveis montes Cantábricos.
E foi certamente esse espírito heróico de resistência que perpetuou a lenda de Rodrigo, que teria escapado, como no mito sebastiânico de Alcácer-Quibir, ao funesto desenlace do combate para se ir esconder num sítio ermo, junto da costa (o Sítio da Nazaré, segundo a tradição), de onde partiu, tempos depois, para continuar a luta contra os infiéis... embora, como D. Sebastião, nunca mais tenha sido visto.
Com base nestes factos contraditórios e puramente lendários, eu e o Augusto Trigo resolvemos construir uma versão diferente do trágico fim do rei Rodrigo, acrescentando alguns elementos fantásticos a uma história de contornos nebulosos que ainda hoje suscita controversos comentários – versão essa que foi publicada no Jornal do Exército, entre Abril e Novembro de 1985, e mais tarde reeditada, a cores, no 1° volume da colecção "Lendas de Portugal em Banda Desenhada", das Edições Asa.
Pela evidente relação entre acontecimentos separados por vários séculos mas que tiveram uma origem comum, esta história é uma espécie de prólogo de "A Luz do Oriente", desenhada também por Augusto Trigo e que os leitores deste jornal já conhecem.
Capas dos volumes 1 e 2 de Lendas de Portugal em Banda Desenhada (edições ASA)
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O Louletano, 16 | Junho | 2008
NA PISTA DE UM SONHO – 1
por: José Batista
Estamos em 1958, mais concretamente a meio da sua segunda metade. Quase no fim da metade anterior, um terramoto sem precedentes varrera o país de alto a baixo, tocando quase todas as faixas etárias da população portuguesa. E o detonador desse inesperado abalo telúrico foi Humberto Delgado, o "General sem medo", como a partir daí ficou conhecido. Uma simples frase, por si proferida, – "Demito-o, obviamente!" – como nos garante sua filha, Iva Delgado, rectificando a sequência das palavras proferidas por seu pai no Café Chave de Ouro, na noite de 10 de Maio, desse ano – restituiu ao povo português a esperança de uma pacífica mudança no caduco Estado Velho que há décadas nos desgovernava. O letárgico pesadelo de trinta e dois anos parecia ter os dias contados. Ledo engano, como a história contemporânea nos recorda. Quantas desilusões de lá até hoje? Mas o terramoto, esse, constatei-o pessoalmente no Liceu Camões, foi real!
Mas falemos de Augusto Trigo, a personagem principal desta "peça"; o acima narrado é apenas o cenário temporal que a emoldura, em que ela transcorre. Como nos textos anteriores referimos, o futuro autor de BD continua na Fábrica de Fermentos Holandeses como ilustrador, e, simultaneamente, como caracterizador e cenarista na Sociedade Recreativa Cruz Quebradence, sendo esta última colaboração exercida como pura carolice, isto é, de borla, como a muitos artistas acontece!
No ano seguinte, 1959, Augusto Trigo iria à inspecção militar, cujo serviço nessa altura tinha a duração de 18 meses, na metrópole, o qual teria lugar no ano seguinte, 1960. Para qualquer jovem com emprego estável, como era o seu caso, esse interregno de ano e meio colidia com qualquer plano de estabilidade em termos meramente profissionais. Sabendo disso, um seu irmão residente na Guiné sugeriu-lhe que fizesse a inspecção nessa província, como então se chamavam as colónias portuguesas, pois que o tempo de serviço militar era, aí, de apenas três meses.
Sozinho, com a família mais chegada na Guiné, e com imensas saudades de sua mãe e irmãos – isto para não falar na diminuta extensão de tempo que aí lhe era exigida em comparação com a da metrópole – a ideia de aí cumprir o serviço militar achou guarida na mente do jovem Trigo. Comunicada à empresa de fermentos e licores, – e ao grupo de colegas dessa mesma empresa, que, na sociedade recreativa, eram sócios ou dirigentes –, a sua decisão de partir para a Guiné, tomou corpo, entre eles, a intenção de publicamente o homenagearem num final de espectáculo que na altura estava em cena. Essa manifestação de amizade e apreço pela sua desinteressada colaboração, caiu fundo no coração do amigo que os ia deixar, rumo à sua terra natal.
A despedida não fez parte do espectáculo, mas foi, antes e acima de tudo, uma genuína manifestação de carinho e simpatia. Foi de facto uma despedida em cheio, tal como o foi quando deixou a Casa Pia, no final da última refeição que partilhou com os colegas internos que o viram partir. Pode dizer-se que, por onde passou, Augusto Trigo nunca deixou portas fechadas.
Embarcou para a Guiné, – cuja viagem durou oito dias –, em Outubro de 1958, no cargueiro Ana Mafalda e, pela primeira vez em 13 anos, celebraria o Natal juntamente com a mãe e os irmãos. Porém, só 21 anos depois regressaria à metrópole para perseguir o sonho que desde miúdo o perseguia: as histórias aos quadradüihos!
Mas isso já será outra história! »»
Ilustração (Antula), de Augusto Trigo retratando um trecho da paisagem Guineense – Logró – feita na Guiné em 1979
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(continua)
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