JOBAT NO LOULETANO (136-137)
O Louletano, 19 | Maio | 2008
O MENINO QUE RABISCAVA PAREDES – Final
por José Batista
A tarefa artística de Augusto Trigo na Fábrica de Fermentos Holandeses era bastante diversificada, pois abrangia desde rótulos para bebidas que essa unidade industrial também produzia – entre outros os Licores Mala Posta, com grandes anúncios luminosos sobre as águas furtadas nos prédios do Rossio, nessa época – a pinturas publicitando produtos para a panificação, inclusive de vários tipos de pão que utilizavam os fermentos dessa empresa.
Porém, o bichinho das histórias aos quadradinhos, como na altura se chamava a BD de hoje, já há muito fizera ninho no mundo interior do jovem artista da fábrica dos fermentos. Nas suas instalações, mormente no gabinete que lhe coube em sorte, as vinhetas ou esboços de futuras ilustrações coabitavam, paredes meias, com os rótulos e cartazes alusivos a produtos da empresa. Não às escâncaras, como é óbvio, mas com a conivente vigilância de colegas que o avisavam quando alguma inoportuna presença se aproximava. Aí, publicado numa revista de caça e pesca, "Diana", editada nesse tempo, encontrou num conto do Dr. João Maria Bravo o tema da primeira BD que faria, "O visitante Maldito".
Inserido num meio em tudo estranho ao que até aí estava habituado, as vinhetas projectavam-no no ambiente onde se sentia realizado, onde os seus sonhos se corporizavam, tomavam forma: a ilustração! Algures no tempo, a meta da sua aspiração seria alcançada e o sonho que acalentava se concretizaria: ilustrar BD. Vários jornais de quadradinhos coexistiam nos finais dos anos 50 – "O Mosquito", "O Diabrete", "O Camarada", "O Papagaio", entre outros – os quais editavam bastantes originais Portugueses. Pena foi que não tivesse tido, nessa época, alguém conhecido no meio que o apresentasse na redacção de uma dessas publicações. Se tal tivesse acontecido, quantos originais seus não teriam enriquecido as páginas das revistas juvenis desse tempo? Páginas que os leitores, ávidos de peripécias aventurosas – mesmo em histórias de continuidade – coleccionavam como tesouros inestimáveis.
Ilustração de Augusto Trigo retratando uma cena típica de costumes locais, feita na Guiné em 1965.
É um facto que Augusto Trigo só em 1980, aos 42 anos, publicou o seu primeiro trabalho de BD, mas também não o é menos de que desde logo se firmou como um dos valores genuinamente válidos que ultimamente animaram o panorama artístico desse género em Portugal. Quase se diria o último de alguns grandes nomes desse género – que alguns classificam de clássico – pelo estilo rico e simultaneamente belo que caracteriza os seus desenhos.
Usufruindo de um horário benevolente - saída às 17 horas - com meio sábado livre, Augusto Trigo começou a frequentar, na Cruz Quebrada, a "Sociedade Cruz Quebradence", local onde os seus dotes de cenarista foram solicitados para os espectáculos amadores de revista que essa sociedade recreativa levava à cena. Esse trabalho não era um género virgem para o jovem artista, pois que nas peças teatrais da Casa Pia esse serviço já era, na altura, por ele executado. Do elenco dessa revista constavam vários colegas seus da fábrica de fermentos, e esse grupo de amigos resolveu, pela longa distância entre a sociedade e a casa onde ele se hospedara, remunerá-lo de uma forma assaz singular: jantaria cada noite na casa de um deles, para que o tempo perdido nos transportes fosse utilizado na feitura dos cenários.
Porém não se ficou por aí a sua colaboração com as artes cénicas na dita sociedade e em futuros espectáculos. Necessitados de um maquilhador, ei-lo disponível de pincéis e corantes em riste, pincelando rostos em lugar de telas, caracterizando as personagens que nas récitas amadoras intervinham.
Onde se prova que um artista não deixa de o ser por o suporte onde actua ser vasto e diversificado. ■
Vinheta da série incompleta "Turu-Bã", ilustrada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965.
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O Louletano, 26 | Maio | 2008
A MORTE DO REI RODRIGO – MISTÉRIO OU LENDA? – 1
Por Jorge Magalhães
É difícil destrinçar os factos verdadeiros da fábula e das crenças que se enraizaram na alma colectiva, dando às lendas e aos contos tradicionais uma feição simbólica, que associa, com frequência, o contexto histórico a uma herança espiritual profundamente pagã, estendendo sobre "a nudez crua da verdade", como diria Eça de Queirós, "o manto diáfano da fantasia".
A história de Rodrigo, o último rei visigodo de Espanha, descende desse filão. Rezam as crónicas que os derradeiros anos desta monarquia semi-bárbara foram conturbados por rebeliões internas como a dos bascos e por uma ameaça ainda maior: o crescente poderio muçulmano no norte de África, onde algumas possessões cristãs, governadas por adeptos de Vitiza – o anterior soberano, destituído por Rodrigo num golpe de força –, preparavam também a sua queda.
Se Rodrigo se apaixonou ou não por Florinda, a bela filha do conde Julião, governador da praça-forte de Septum (a actual Ceuta), e se esse amor rejeitado esteve na origem das suas desavenças com o conde, são factos que pertencem mais ao domínio lendário que ao histórico. Mas muitas fontes admitem que Julião se aliou ao vali Musa Ibn Nusayr e a dois caudilhos berberes, Tarik e Tarif, planeando com eles a invasão da Península Ibérica pelo estreito que, a partir dessa data, ficou conhecido pelo nome de Gibraltar (do árabe Djebel-Ta-rik, "a montanha de Tarik").
Enfraquecido pelas lutas fratricidas e pela deserção de muitos dos seus súbditos, amedrontados pela onda avassaladora que atravessara o mar, Rodrigo reuniu precipitadamente as suas últimas hostes, decidido a travar combate com os invasores nas margens do rio Guadalete, perto de Cádis...
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LUZ DO ORIENTE
Jorge Magalhães (arg.) e Augusto Trigo (des.)
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