JOBAT NO LOULETANO (134-135) AUGUSTO TRIGO (10 e 11)
Retomemos então os textos da colaboração de Jobat no Louletano, cuja republicação aqui no Kuentro haviamos interrompido em meados de Outubro passado por “motivos de força maior” (adoro esta frase, que me faz lembrar a RTP do antigamente).
Quem quiser retomar o “fio à meada”, pode clicar AQUI para aceder ao texto anterior.
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O Louletano, 5 | Maio | 2008
O MENINO QUE RABISCAVA PAREDES - 8
por: José Batista
O facto de mestre Martins Correia ter sido também aluno da Casa Pia nos seus tempos de menino, deve ter pesado, por experiência pessoal, no trato lhano e quase familiar dispensado ao jovem Augusto Trigo no ambiente algo rígido dessa instituição. As aulas de escultura e talha ministradas por esse professor, e bem assim as de desenho, de mestre Bernardino, complementavam-se harmoniosamente às necessidades e aspirações da alma simples e sonhadora do aluno guineense. As demais, as que por força do currículo completavam o curso, tais como matemática, geografia, história, etc., eram secundarizadas em favor das que exigiam um grau de destreza e habilidade manual elevados, áreas nas quais Augusto Trigo era exímio. Conhecedor das potencialidades do seu aluno, o mestre escultor encarregava-o de executar tarefas que aos outros não exigia, eximindo-o de executar trabalhos menores face às capacidades que precocemente demonstrava, para outros acima da média.
Por essa altura, uma instituição estatal abriu concurso para o fornecimento de uma estátua de Camões a ser erguida numa praça da então província de Goa. Desejoso de concorrer ao evento, mestre Martins Correia encarregou o aluno de modelar a figura do épico, em argila, sobre a qual ele depois trabalharia, impondo-lhe o estilo modernista que o caracterizava. Augusto Trigo fez obra a contento, num estilo verista, consentâneo com a figura natural que apreciava, pois o mestre tinha-lhe dado carta branca para a executar. Concluida a obra, esta foi o suporte sobre o qual o mestre trabalhou, não a alterando no seu conjunto, apenas lhe imprimindo a visão estética que o caracterizava, rapando aqui, enchendo além, para que a mesma reflectisse a forma que a seu ver, como artista, o identificava.
Feita a sua transposição para o gesso, foi a mesma entregue aos promotores do concurso, pois que vários foram os artistas que nele participaram. E, para surpresa e alegria de ambos, o modelo por eles fornecido foi o vencedor, indo a referida estátua, depois de fundida em bronze, ornamentar a plaga longínqua desse torrão luso no Índico. Protagonista das andanças e reviravoltas da história, como se de humana carne fosse feita, quase apetece perguntar: Onde estará ela agora? Talvez, provavelmente, nalgum canto escuro reservado ao heróis de antanho.. .como se de humana carne fosse feita!
A permanência de Augusto Trigo na Casa Pia estender-se-ia ainda por mais três anos, entre os modelos de argila, os goivos e a madeira, os lápis e o papel. Num final de ano lectivo mestre Martins Correia chamou-o e disse-lhe. – Olha! Gostava imenso de te dar 20 valores, que é a nota máxima, como sabes, mas o teu não aproveitamento nas outras disciplinas não o permite, nem os outros meus colegas, por esse motivo, o consentiriam. Assim sendo, levas 19, classificação que nunca dei a ninguém, o que já é muito bom. Mas gostava de te dar um 20 – repetiu – mas só por mim não posso, embora a meu ver tu o mereças! »»
O escultor Martins Correia, escultor, mestre de Augusto Trigo na Casa Pia
Vinheta da série incompleta "Turu-Bã", desenhada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965
Ilustração de Augusto Trigo publicada no jornal "a Voz da Guiné", relativa à dificuldade de inscrição nas matrículas
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O Louletano, 12 | Maio | 2008
O MENINO QUE RABISCAVA PAREDES - 9
por: José Batista
Estamos em fins de 1956. Agora com 18 anos, onze dos quais como internado na Casa Pia, Augusto Trigo sente que é chegada a altura de se tornar independente, dar um rumo à sua vida. A criança que ali dera entrada há mais de uma dezena de anos antes crescera e fizera-se homem. Ainda que indirectamente, tinha acompanhado a mutação, lenta, é certo, que o tempo exercera na sociedade cinzenta portuguesa desses anos de chumbo. Urgia mudar, era imperioso sair do "casulo" que agora o asfixiava.
É certo que a instituição que durante tanto tempo o acolhera, se necessário fosse, lhe facultaria a frequência nas Belas Artes onde se poderia formar num curso superior. Porém, nem esse era o seu desejo, nem o fraco aproveitamento escolar em áreas para as quais não se sentia motivado lhe permitiam usufruir tal possibilidade. Assim sendo, cedo lhe fizeram sentir que a sua estada na Casa Pia chegara inexoravelmente ao fim, ao completar os 18 anos, recentemente feitos.
Preparou-se mentalmente para a alteração que a sua vida iria sofrer semanas depois, liberto do jugo castrense cuja férrea disciplina já com alguma dificuldade suportava. Era um facto que os conhecimentos e a formação profissional ali ministrados o tinham preparado para enfrentar, sem temor, qualquer exigência nas áreas em que era exímio, mormente na ilustração ou na pintura. Porém, por outro lado, a dureza no trato e uma disciplina desmesurada, roçando por vezes uma violência psicológica a mais das vezes desnecessária, bem como a saída dos dois irmãos que com ele ali estavam, conduziram a uma situação a que desejava pôr termo. Verdade que a presença do Dr. Oliveira Martins, director dessa instituição, e igualmente a do Inspector da Reitoria, tinham posto cobro a comportamentos abusivos e agressivos de alguns preceptores de mão pesada e coração insensível no trato com os jovens que tinham a seu cargo. Os usos e abusos aí cometidos têm um vasto historial, porém não com a dimensão e os excessos que a tornaram tristemente célebre num passado recente de má memória.
No intuito de arranjar uma solução que de certa maneira facilitasse o início de carreira do ex-aluno fora da instituição, esta encontrou, mercê das diligências do director acima referido, um emprego para Augusto Trigo na Fábrica de Fermentos Holandeses, na Cruz Quebrada. A saída de Artur Varatojo, responsável pela publicidade nesta empresa, permitiu que o lugar por ele deixado fosse ocupado pelo ex-aluno da Casa Pia.
Ilustração de Augusto Trigo retratando "A dança da Vaca Louca", por elementos da tribo Bijagó, feito na Guiné em 1965. Tópico depois utilizado pelo artista num quadro a óleo exposto no continente, nesse mesmo ano, na Agência Geral do Ultramar, através da Liga dos Amigos da Guiné.
Vinheta da série incompleta "Turu-Bã", ilustrada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965.
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LUZ DO ORIENTE - 10 e 11
Jorge Magalhães (argumento) - Augusto Trigo (desenhos)
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