quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

BDpress #448: SAGA – VOL. 1 – A FANTASIA CONTRA A VIOLÊNCIA DO MUNDO – PÚBLICO/ ÍPSILON


SAGA – A FANTASIA CONTRA A VIOLÊNCIA DO MUNDO

PÚBLICO – Ípsilon, 05/12/2014 
José Marmeleira 

O primeiro volume da série de BD Saga já tem edição portuguesa. E é uma leitura recomendável

Como escrever hoje sobre uma space-opera em banda desenhada? Ou sobre um livro de ficção científica (e sublinhe-se o substantivo) com clichés e citações previsíveis? Estas perguntas são tanto mais pertinentes quando o cinema de género vai definhando (com pouquíssimas e modestas excepções) e, na banda desenhada, as aventuras já não são o que eram. É neste contexto que chega ao mercado nacional, reunindo num volume os fascículos da primeira série, a aclamada e premiada Saga, de Brian K. Vaughan (texto) e Fiona Staples (desenhos). O título é irónico e eloquente. A acção desta banda desenhada passa-se noutra galáxia, onde abundam naves, caçadores de prémios, soldados com asas e robôs, mas os feitos heróicos não descrevem, propriamente, uma luta do Bem contra o Mal. A saga é mais complexa e prosaica: a de um casal na protecção da filha recém-nascida. É aliás com o nascimento de Hazel que este volume começa.


Saga: Volume Um
Brian K. Vaughan e Fiona Staples
G. Floy Studio

Nas páginas seguintes, contam-se as peripécias dos pais, Alana e Marko que, originários de planetas inimigos, estão em fuga: a sua união é considerada uma ameaça pelas autoridades de Terravista e de Coroa, são traidores, devem ser eliminados. Parece a sinopse de um filme banal de acção ou aventuras, mas as cenas de violência não castigam o leitor; pelo contrário, elipses agilizam a narrativa e os enredos menores que a compõem, oferecendo à leitura um ritmo que só as cores, os fundos e o desenho de Staples se permitem interromper. Os diálogos, pontuados por apontamentos humorísticos, não insultam a inteligência e. apesar das referências à Guerra das Estrelas e a Flash Gordon, não se pode falar de pastiche ou de paródia.

Será tudo isto o suficiente para fazer de Saga um livro mais do que recomendável? Não, o que torna a sua leitura interessante é a guerra a deixar de ser pano de fundo, para se transformar em personagem, acossando o casal, com o poder de os transformar, como aos seus perseguidores, em monstros. Não é difícil supor a influência da actualidade sobre o texto de Brian K. Vaughan. Habitantes do planeta Fenda, os temidos “horrores” são, afinal, fantasmas de crianças que atormentam, com alucinações, o exército invasor. Pisaram minas ou sofreram ferimentos mortais de estilhaços, e vagueiam pelas florestas, iluminados por halos vermelhos. Não se salvaram, como não se salvará a menina refugiada que faz o que os homens quiserem. Sendo um livro assumidamente escapista, Saga, e este volume em particular, reenvia o leitor para o real. E, nesse movimento, desvela a dialéctica que o sustenta: entre a fantasia da ficção e a violência do mundo. É verdade que de forma ligeira, recorrendo a estereótipos, mas com afecto pelas personagens e frases como a que Makro profere antes de destruir a espada que pertencia à sua família: “Quando um homem tem um instrumento de violência com ele, arranja sempre justificações para o usar.”




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