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9ª ARTE
O meu convívio com Vítor Péon após o seu regresso a Portugal, em 1974, não foi longo, pois em meados do ano seguinte, naquelas reviravoltas que a vida nos impõe, fixei residência no Algarve. Isso afastou-me do meio onde no último quarto de século desenvolvera a actividade profissional e, inclusive, dos muitos amigos com os quais privei durante anos. Porém, embora não muito longa, a presença assídua de Péon nesse conturbado mas rico período, no meu atelier, proporcionou-me conhecer mais intimamente o seu lado humano, a dimensão desconhecida do artista que só um convívio pessoal permite.
Desiludido pela instabilidade que esse género de arte — a BD — oferecia, em Portugal, a quem dela quisesse subsistir profissionalmente, (lembremo-nos do grande Carlos Paredes, numa outra área artística, arquivista de películas de Raio X, num hospital para poder sobreviver) Péon, chegou, em determinados períodos da sua vida, a decorar mobílias rústicas alentejanas como recurso para enfrentar situações imprevistas difíceis. Rarissímas vezes o destino estende a passadeira vermelha ou facilita o percurso aos artistas que persistem em sê-lo. Em Portugal, poucos viveram exclusivamente como profissionais da BD. José Ruy foi muitos anos funcionário do Anuário Comercial; José Garcês, no Instituto Meteorológico; Fernando Bento, na B.P.; Jaime Cortês, foi cobrador numa empresa, e E.T. Coelho, foi forçado a emigrar, findo "O Mosquito", isto só para falar nos nomes mais sonantes dos ilustradores nacionais.
Mas voltemos a esse curto período em que me foi dado conhecer o lado humano desse fecundo artista chamado Vítor Péon.
Para além de esboçar com uma facilidade espantosa, era simultaneamente possuidor de uma cultura ampla e diversificada. Obrigado pelas restrições impostas pela censura, nos anos 50, embrenhou-se por necessidade e por gosto nos temas históricos, mormente nos pátrios.
Possuía um rico, vasto e bem documentado arquivo nessa área, fruto de laboriosas horas de pesquisa na Biblioteca Nacional, em Lisboa, pois nesses recuados tempos, as edições especializadas eram raras e caras. Aí encheu muitos cadernos com rascunhos de trajes a mobiliário, de arquitectura a utensílios, para que a verdade da ilustração correspondesse à época referida. Tal como Péon, por lá andaram todos os ilustradores desses anos, inclusive, o autor destas linhas.
Logo após 74 houve uma onda revivalista com a reedição de muitos trabalhos publicados nos anos 40 a 60. Foi "O Jornal do Cuto", dirigido por Roussado Pinto, que iniciou a publicação das histórias do ETC, Jesus Blasco e Vítor Péon. Esse período de convívio coincidiu com a edição da última história de Tomahawk Tom, desenhada e publicada por Péon em álbum. Fez dela, também, uma edição em Francês que não chegou a ser distribuída.
De espírito alegre, expansivo e extrovertido, Péon "sentia" tanto o enredo das histórias que criava como a planificação das vinhetas que esboçava. Aceitou sorridente o termo por mim utilizado em relação à sua juvenil vivacidade, e ao entusiasmo que demonstrava ao descrever certas peripécias em que envolvia os seus personagens: — És uma criança grande, Péon !
Até certo ponto, creio que o foi durante toda a sua vida.
Inclusive por ter alimentado algumas ilusões, possíveis de realizar num País, que não Portugal, sofreu consecutivas desilusões, findando os seus dias apenas com o nome, — nada mais além do que isso —, com que assinou centenas e centenas de páginas que entretiveram e fizeram sonhar uma geração na qual com orgulho e saudade me incluo.
Soube após a minha deslocação para o Algarve, que ministrou cursos de BD, fez exposições de pintura, cinema de animação, editou opúsculos também sobre BD, até que, em Outubro de 85, é acometido de uma trombose vascular que o deixa fisicamente diminuido.
Visitei-o, depois disso, na sua casa de Carnaxide, aquando de uma deslocação a Lisboa. Foi penosa a visita. Impossibilitado de se exprimir de forma perceptivel pela fala, Péon era uma sombra de si mesmo, um vulcão sem chama que apenas rugia. Mas a paixão pela arte, que mesmo incapacitado o dominava, levaram-no, com a mão esquerda disponível, a esgotar a chama criadora que ainda existia dentro de si. Pintou, mesmo diminuido, quadros a óleo para mais do que uma exposição.
Não posso afirmar que me surpreendeu a sua morte, em Novembro de 91. Mas chocou-me muito mais o esquecimento a que foi votado pelos organismos oficiais, quando no fim dos seus dias mais necessitava de apoio. O contrário, por inusual, espantar-me-ia.
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NOSTALGIA (10)
ILUSTRADORES PORTUGUESES NAS PÁGINAS DE “O MOSQUITO”
VITOR PÉON, O AMIGO E O ARTISTA – 5
por José Batista
Como em muitos outros ilustradores de BD, Vitor Peon denota nalgumas das suas vinhetas a influência que grandes mestres neste género de arte sobre si exerceram ao longo da sua extensa produção. Ao referir as fontes onde o ilustrador artisticamente se inspirou, visamos unicamente fornecer elementos para análise da sua obra e não de modo algum diminuir o mérito ou a dimensão do seu labor como autor de BD. Como acima se assinala, esse foi um factor comum a praticamente todos os ilustradores – extensivo, também, como é óbvio, a várias áreas no campo da criação artística, tais como, pintura, escultura, música, literatura, etc, etc, pois nenhum grau elevado de arte o é de geração espontânea, desinserido do que até aí se produziu. Se bem analisarmos os trabalhos da maioria dos desenhadores nacionais notar-se-á, nalguns deles, a influência de grandes mestres do seu tempo, décadas de 40 e 50 – Hall Foster, Alex Raymond e Burn Hogarth, prioritariamente. Lógico que Péon não poderia fugir à regra. Não esquecer que o próprio E.T. Coelho foi, com o seu estilo límpido, harmonioso e pleno de acção – verdadeiro poeta da linha, como lhe chamou Emílio Freixas, – fonte de inspiração para muitos dos desenhadores que despontaram nesse período. Todo o artista reflecte, de forma acentuada ou não, quando já profissional, os contributos que assimilou entre aqueles que admirava e que por vezes, inconscientemente, escolheu como referência ou modelo.
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ULISSES (VI e VII)
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