9ª ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(XXV - XXVI)
O Louletano, 14 a 20 de Setembro de 2004
O Império editorial
da Agência Portuguesa de Revistas - 1.4
Integrado no atelier de José David, Carlos Alberto não fazia na altura, parte do quadro de desenhadores internos da Agência Portuguesa de Revistas - APR. Recordo-me de o ver ir entregar os originais para publicação, directamente a Mário de Aguiar. Apenas pouco tempo depois, talvez inicío de 1955, passou a fazer parte efectiva do quadro dos colaboradores com frequência no edíficio da editora. Alternava a sua produção, de capas e ilustrações no Mundo de Aventuras - MA, com Filipe Figueiredo que, alguns meses depois deixaria a APR.
Inicialmente, o meu trabalho consistia em completar as vinhetas, algumas delas barbaramente mutiladas pela montagem, pois eram fornecidas, a sua maior parte, em tiras diárias de três desenhos cada. A exigência do formato do jornal, obrigava a uma ordenação em que, por vezes, a tesoura cega e inexurável, cometia autênticos crimes de lesa-arte. Verdade que outras publicações, por esse mundo fora, também do mesmo mal sofriam, mas tal, de forma alguma justificava as barbaridades cometidas sobre a criatividade de nomes sonantes desse género de arte. Algumas ilustrações de Alex Raymond, assim como as de outros, sofreram tratos de polé inenarráveis. Se o referido autor o tivesse constatado, certamente não teria morrido de um acidente de automóvel!
As únicas publicações de BD da APR, aquando do meu início de colaboração, eram "O Mundo de Aventuras", "Colecção Condor", (mensal) e "Colecção Audácia". O primeiro n.° do MA saiu a 18/08/1949, o Condor mensal em 1951 e a Audácia em 1953. Estas duas últimas colecções têm a paternidade de Roussado Pinto, bem como também, a "Antologia de Romances Célebres", já inexistente em fins de 1954.
O lançamento do MA ficou a dever-se a uma sugestão de Júlio Dias da Silva - JDS - , a Mário de Aguiar, quando a APR apenas editava as "Mãos de Fada", revista de lavores feminina, a sua primeira publicação. A revista que serviu de modelo ao MA, foi a brasileira GIBI, formato tabloide, e com a maioria do material da King Features Syndicate. Ninguém ainda em Portugal tinha publicado Rip Kirby, Fantasma, Mandrake, tal como muitos outros personagens desse sindicato norte americano.
As principais revistas de BD, da altura - "O Mosquito" e "O Diabrete", de entre outras - repetiam, comodamente, um figurino ultrapassado, pese embora o nível de algumas BD que inseriam, todas em continuação, bem como no minguado número das suas páginas. Os "comics", tanto em álbuns, como em tiras diárias, na sua época áurea nos EU, eram quase ignorados na imprensa do género em Portugal. Salvos raríssimas excepções - Príncipe Valente, Tommy, e poucos mais - a maioria dos "heróis" de BD americanos, só chegava até nós através das publicações brasileiras que aqui se vendiam nalguns quiosques, cujo preço não era de modo algum acessível aos jovens.
O aparecimento do MA foi uma pedrada no charco no panorama editorial das publicações infantis e juvenis, com a plêiade de personagens apresentados, pese embora algumas tivessem começado a sua publicação, nesse jornal, com os episódios quase a meio. Motivos vários poderiam ter ocasionado a morte prematura do MA, os quais secundarizavam a qualidade do material que publicava. Um deles, talvez o principal, seria o seu tamanho, isto não ignorando a sofrível impressão, na Gazeta do Sul, no Montijo. Porém, neste caso, a empresa impressora nem seria de todo responsável, pois as provas para reprodução não vinham impressas em "couché", mas sim em matrizes de cartão, em tamanho natural, em negativo, nas quais o chumbo derretido era vazado e onde as legendas eram apostas. Igualmente se procedia com as chapas de cor, pois também elas vinham em matrizes negativas. Este era o procedimento habitual nos jornais norte americanos, impressos em tipografia, nessa época, embora, no nosso país, pouco utilizado.
Legenda da imagem:
Primeira página de "Os Planos do Submarino Atómico", de Filipe Figueiredo, publicado no "Mundo de Aventuras" N° 288, de 17 de Fevereiro de 1955
Primeira página de "Os Planos do Submarino Atómico", de Filipe Figueiredo, publicado no "Mundo de Aventuras" N° 288, de 17 de Fevereiro de 1955
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O Louletano, 21 a 27 de Setembro de 2004
O Império editorial
da Agência Portuguesa de Revistas - 1.5
Por outro lado, a parte literária do Mundo de Aventuras - M.A., mormente o "espírito" dos seus textos - incluindo um inexistente grafismo - denotava um "figurino" há muito desfasado no tempo, quase diríamos herdeiro de um "Senhor Doutor", "ABCzinho" ou "Tic Tac", de arcaicas eras.
Apenas no seu n.° 11 se faz referência, no cabeçalho do jornal, a José de Oliveira Cosme como chefe de redacção. No interior, em pequena nota, esclarece-se que o mesmo nele colabora desde o número três. É iniludível que o objectivo do referido texto é justificar, ecomiasticamente, a excelência da colaboração prestada por esse novo colaborador, cujo o extenso currículo o recomenda, porém, tal não se coaduna de modo algum com a sufrível aceitação da revista, cujo fim estava à vista perto do seu n° 40, o qual não fora a tarimba de dois gigantes, ambos do jornalismo infantil, - um no texto, outro no desenho -, teria acontecido.
Em minha opinião foi apenas com esses dois homens, Roussado Pinto e Vítor Péon, que o jornal atingiu a projecção conseguida no panorama editorial juvenil português, na esteira dos primeiros 10 anos de "O Mosquito", revista infantil de imprescindível referência quando se fala de jornais de BD editados no nosso país, no qual os dois praticamente se "formaram".
A minha entrada como colaborador da APR - com todas as obrigações de funcionário, mas sem nenhuma regalia, como tal - coincidiu com a saída, semanas antes, de Roussado Pinto e Vítor Péon para a Fomento de Publicações, em Outubro de 1954. A semana de laboração, de seis dias, incluía o dia inteiro de sábado. O horário inicial era das 9 às 13, e das 15 às 19 horas, para funcionários (e não só).
Duas razões de peso, as quais eram motivo dissuasor de descontentamento, seriam, a primeira, trabalhar numa área na qual me sentia realizado - o desenho/a edição/ a BD - a outra, a ilimitada possibilidade de colaboração e a remuneração auferida. O modelo era idêntico para todos os colaboradores, mas para os externos, a quantidade de colaboração dependia das necessidades editoriais.
Inicialmente, executado o trabalho, podia receber-se diariamente; depois passou para as terças e sextas e, por fim, só às terças-feiras, o que, por norma, obrigava a sacrificar o sábado e o domingo e a deslocar o fim da semana para a quarta e quinta, embora nas instalações da empresa. Em 1954, incidia sobre a colaboração prestada um desconto de 6%, como pronto pagamento, e de 3% após publicação do trabalho executado, o qual poderia acontecer de um a dois meses depois. Lógico que todos perferiam receber a pronto pagamento.
A malta da redacção era, para Mário de Aguiar, (M. de A.) a elite dos seus trabalhadores. Vez por outra, mas cada vez mais espaçadamente, convidava todos para almoçarem com ele numa cervejaria/restaurante situada na Rua do Arsenal. Deduso que fosse habitual cliente quando a APR tinha a sua sede no n° 60 dessa artéria.
Embora homem sem grandes estudos, M. de A. era excepcionalmente dotado na área da edição. Vaidoso quanto baste, da empresa que criara, exigia que o seu nome saísse nas publicações como Director-Geral da mesma. Embora sócios com a mesma quota, na empresa, António Dias aparecia somente como Gerente ou Director Comercial.
Legendas das imagens:
Capa da colecção "Condor Popular" n° 6, a primeira ilustração por mim publicada, nessa revista, talvez no inicío de 1955
Pormenor da primeira vidraça da direita, do desenho da capa impressa ao lado, onde se nota o nome de um amigo do autor, que só vários anos mais tarde assinaria como Luís Furtado
Capa da colecção "Condor Popular" n° 6, a primeira ilustração por mim publicada, nessa revista, talvez no inicío de 1955
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ULISSES (XXII e XXIII)
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