segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

JOBAT NO LOULETANO — 9ª ARTE — MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA (XC e XCI) — JOSÉ RUY SOBRE EDUARDO TEIXEIRA COELHO (10 e 11)


Imagem do genérico inicial do documentário filmado sobre o Cortejo Histórico de Lisboa de 1946, que apresentamos no final deste post, onde se podem ver algumas das figuras previamente desenhadas por E.T.Coelho


NONA ARTE 
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA 
(XC – XCI)

O Louletano, 14 de Maio de 2007 

O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO - 10
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy 

(...Continuação)

Leitão de Barros solicitava insistentemente o mestre Rodrigues Alves para o lugar. Mas este, não podendo conciliar esse trabalho com a sua actividade no jornal «O Século Ilustrado» e na Escola António Arroio, esquivava-se sempre:

- É-me impossível, Dr. Leitão de Barros. Mas conheço um rapaz amigo, muito bom desenhador...

- Não me venhas com essa! Só tu és indicado para o lugar. É um cargo de responsabilidade, que diabo!

O tempo ia passan­do, e o bom do mestre Alves não podia es­quivar-se mais. Uma manhã disse para o E.T. Coelho:

- Junta aí uns de­senhos numa pasta e vem comigo a um sítio. Vou arranjar-te um bom trabalho.

E lá foram para os armazéns da alfânde­ga, que se erguiam onde é hoje o Campo das Cebolas, ao Ter­reiro do Paço e onde estava a ser elaborado o cortejo histórico. O Dr. Leitão de Barros, do recinto envidraçado onde se improvisara um escri­tório, viu o Rodrigues Alves aproximar-se e alegrou-se...

- Até que enfim te decidiste!

- Bem, doutor... - começou - trago-lhe aqui este rapaz, o Eduardo Coelho, que...

- Isto não é trabalho para rapazinhos! - interrompeu, re­pentinamente colérico, o Leitão de Barros. - De ti é que eu preciso, dum artista com experiência, que domine o desenho, que conheça bem história do trajo...

Nesta altura, o Rodrigues Alves teve de segurar por um braço o Coelho que dava já meia-volta para se «raspar à francesa». «Sacou-lhe» a pasta com os desenhos, e enquanto Leitão de Barros continuava a gritar (ele era muito tempe­ramental) abriu-a e começou a mostrar o conteúdo.

Subitamen­te interessado, o doutor inter­rompeu o res­ponso, pôs os óculos e come­çou a observar os desenhos. Passava-os um a um, demo­radamente, e a certa altura di­rigiu-se ao E.T. Coelho, olhou-o por cima das lentes de ver ao pé e disse:

- Foi você quem fez isto? - e con­tinuou a folhear o trabalho. Por fim. voltou ao principio exclamando:

- Quer vir para cá trabalhar? Quanto quer ganhar? Pode ficar já hoje?

O E.T. Coelho ficou, e até partir para fora do país, muitos anos depois, não mais deixou de colaborar com esse grande artista, para cortejos históricos, filmes, empreendimentos artísticos, decorações...

Este contacto com o Coelho teve uma importância relevante na opinião do doutor Leitão de Bar­ros. Logo a seguir pede ao mestre Rodrigo Alves para lhe arranjar uns alunos da Escola António Arroio onde este leccionava, para traba­lharem na decoração do cortejo. Passara a acreditar que os artistas não se medem pela idade.

E lá fui eu com mais dois colegas amigos, o Luís Osório e o Daciano Costa, hoje arquitecto, trabalhar sob a orientação do pintor Domin­gos Saraiva, também da equipa do «Século Ilustrado».


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O Louletano, 21 de Maio de 2007 

O ARTISTA, O MESTRE, O COMPANHEIRO, O AMIGO - 11
Recordações de Tertúlia confidenciadas por José Ruy 

Aí criámos uma forte amizade com o Manuel Jorge, um jovem artista que acabara de sair da Marinha e grandes ensinamentos nos deu quanto a coisas do mar.

Como era fatal, deu-se uma nova tertúlia nesse cortejo. Para mim, era o primeiro trabalho pago (e bem pago), e uma forma de criar novas e saudáveis amizades que nunca mais se quebraram.

O escultor Alípio Brandão, o pintor Hermano Baptista, e o neto de Matos Sequeira, o Gustavo, completavam o grupo que viria a celebrizar-se entre os obreiros desse cortejo histórico. Quantas noites inteiras de trabalho seguido, sem descanso... mas quanta satisfação ao ver o êxito do esforço dispendido!

Para lazer a figura de S. Jorge montado a cavalo trespassando o dragão com uma lança, e que iria ser executado em pasta, com quatro metros de altura, o Leitão de Barros chamou um escultor famoso para modelar no barro a maqueta em formato reduzido. Mas o escultor não conseguiu fazer um cavalo decente.

Fazer animais correctamente não é assim tão fácil. E uma manhã, o Lei­tão de Barros, sob um acesso de cólera, despede o escultor, chama o E.T. Coelho e diz-lhe:

-Tens aí barro, faz o S. Jorge a cavalo. Anda!

O Coelho franziu o sobrolho, no seu jeito peculiar quando sentia o «barco aos solavancos». - Mas eu nunca modelei... eu não sei se... - balbuciou. Mas já o Leitão de Barros se afastava, lançando um último grito:

- Tens quatro horas para acabares isso! Há três dias que es­tou encalhado com essa maqueta e não posso esperar mais!

O Eduardo Coelho não levou só as quatro horas, mas no dia seguinte estava pronta a pequena estátua. Um cavalo cheio de movimento com a mesma graça e saber que o nosso artista imprime aos desenhos, estava ali, em três dimensões, sobre o dragão vivo, que o cavaleiro atacava com a lança. Toda a equipa foi admirar a pequena obra-prima. Depois, o formador João Barros fez a réplica da estátua para o tamanho gigante que desfilou pelas ruas de Lisboa. A nós, aos rapazes da Escola António Arroio, coube-nos pintar e decorar esse gigante.

Estava também programado que dois elefantes asiáticos viriam de um «zoo» espanhol para participarem no desfile, já que o nosso Jardim Zoológico só tinha exemplares africanos.




A figura de S.Jorge a cavalo, a matar o dragão, de que José Ruy fala no texto.
Da UBIcinema, realização de António Lopes Ribeiro, 25 minutos

Clique em cima desta última imagem para ver o documentário filmado.

(Continua...)

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17 e 18

Baseado no conto de Eça de Queiroz 
Desenhos de Eduardo Teixeira Coelho




(Continua...)

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