segunda-feira, 17 de março de 2014

JOBAT NO LOULETANO – MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA (157-158) – EM MEMÓRIA DE CARLOS ROQUE (1 e 2) por Monique Roque


MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA (157-158)

Personagem de uma série ilustrada por Carlos Roque

O Louletano, 24 | Novembro | 2008

EM MEMÓRIA DE CARLOS ROQUE - 1
por Monique Roque

Ao emigrar pela 2ª vez para a Bélgica, em 1964, voltou a tra­balhar para a revista Tintin, das Edições Lombard. Depois, foi co­ordenador gráfico do Spirou e de outras publicações da Dupuis, até 1987. Foi no Spirou que sucedeu a internacionalização d'O Cruzeiro do Caranguejo, numa versão to­talmente colorida, que os leitores belgas acolheram também com agrado. Carlos era já um dos pilares da revista, graças ao seu trabalho gráfico e a séries como Angélique e Wladimyr. Em Télé Moustique, outra revista das Edições Dupuis, viria a publicar, mais tarde, a sua última criação, Patrake, uma personagem que parodiava o mais famoso mágico da BD: Mandrake.

O meu trabalho com Carlos era uma tarefa em conjunto. Os "gags" e as histórias nasciam em con­versas do tipo: "Se um diz mata, o outro diz es­fola!". Começámos com a série Angélique, uma miúda endiabrada que moía o juízo do tio. Fizemos também uma história curta de 4 páginas, de que gosto muito, "Os Passarocos de Manfredo Ycxkcoc", uma fantasia inspirada no famoso filme de Alfred Hitchcock, que foi publicada em Portugal no suplemento O Insec­ticida, d'O Mosquito 5ª série.

Um belo dia, nasceu o Wladimyr.

Aqui, vou deixar a palavra ao Carlos.

"Foi a Monique que disse:
— E se fizéssemos uma história com um patinho?
— Pois – disse eu –, e até podíamos assinar Walt Disney ou Benjamin Rabier!
À primeira vista, o caso estava arrumado. Mas à "segunda vista", ela contou-me duas ou três ideias de "gags"... e boas!
— Com um pato não pode ser, está mais que gasto, além de que tenho horror de desenhar animaizinhos que falam, usam chapéu e gravata, sabem guiar e tocar piano!

Ora, os "gags" eram mesmo giros e só "davam" realmente com um pato. Afi­nal, a Monique tinha razão." Foi assim que nasceu o nosso "bebé" pato!

Procurámos escapar às ratoeiras da facilidade. As­sim, decidimos que, à parte a fala e o raciocínio, os bicharocos, se bem que estilizados e simplificados, seriam mesmo bicharocos, sem antropomorfismo.

Em seguida, para nos obrigarmos a "puxar pela cabeça", resolvemos manter SEMPRE o mesmo cenário: o charco de Wladimyr!

De tal modo a coisa marcou que a pergunta: Por que é que Wladimyr tem sempre o mesmo cenário?, se tornou quase um chavão, sendo origem de vários "gags", colocando o pobre pato em situações bem insólitas. A série desenvolveu-se pouco a pouco. No início, a gente pensava ter ideias para uma dezena de "gags"... chegámos a uma centena! Aos poucos, o charco viu passar vários animais, mais ou menos "exóticos"! »»

Capa do "Pim Pam Pum" Ilustrada por Carlos Roque em 25/12/1969

Personagens da série "Angélique", de Carlos Roque, publicadas na revita "Spirou"


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O Louletano, 1 | Dezembro | 2008

EM MEMÓRIA DE CARLOS ROQUE - 2
por Monique Roque

Uma Avestruz, um Pelicano contrabandista, um Camelo, um Hipopótamo, umas Vacas, etc., vieram juntar-se aos personagens de base:

O Pato Wladimyr, o protagonista. Filósofo nas horas vagas (que são muitas), rezingão, mas "boa pessoa". Elodie, a Rã. Um tanto "coquette" e sofisticada nas maneiras. Tem um "fraquito" por Wladimyr. Ygor, o Cão, o melhor amigo do pato, e o seu principal fornecedor de noticias do exterior. É muito viajado. Tchou-pik-ho, o Ouriço. É um Doutor em acupuntura, que abandona este "espinhoso" oficio e procura reciclar-se. Popov, a Toupeira. Esforçado proletário de vista baixa e verbo alto! Boris, o Caracol. Gostaria de chegar a horas. Frequenta uma maníaca das velocidades, a Tartaruga.

O Peixe encarnado. Pedicuro e Chinês, especialista em à partes estúpidos, aparecido no charco sabe-se lá porquê. O Homem, bêbado, sempre o mesmo (é o único estereótipo da série). É o pescador, o caçador, o poluidor, o predador, o "estupor"!

Por fim, criou-se um "espírito" Wladimyr que encantou muitos leitores e até nos valeu o Prix Saint Michel de la BD de Fantaisie, em 1976.

Escreveu um leitor de Spirou: "Os que acham Wladimyr simples e ingénuo não percebem a profundeza desta série. Este maravilhoso pato é, no seu charco, um espectador dos acontecimentos exteriores com grande e sensata lucidez. "

Em 1987, tendo regressado a Portugal — embora continuasse a manter contactos com a Bélgica —, Carlos Roque colaborou também no TV Guia — onde voltou a ser publicado O Cruzeiro do Caranguejo — e na fase final da revista Rua Sésamo.

Mais tarde, nas Selecções BD 2ª série, elaborou ilustrações de sumários e reeditou, com grande su­cesso, vários episódios de Wladimyr.

A sua última história, a partir de uma ideia de Jorge Magalhães, foi publicada num álbum de homenagem a Vasco Granja, das Edições ASA, em 2003.

Ultimamente, estava a trabalhar na série Patrake e num novo personagem, o Gato Moska.

Quando faleceu em Bruxelas, em Julho de 2006, com 70 anos, Carlos Roque era considerado nos meios bedéfilos internacionais mais Belga do que Português. ■

Página da série "Angélique", de Carlos Roque, pu­blicada no "Pim Pam Pum" n° 2.278, de 25/12/1969.

Carlos Roque e esposa, Monique Roque, argumentista da série "Angé­lique" e autora do presente texto.

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