MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(159-160)
O Louletano, 8 de Dezembro de 2008
CARLOS ROQUE – ESBOÇOS DE MEMÓRIA
Por José Batista
Se as histórias aos quadradinhos – como então se chamava a hoje BD, galicismo criado por Vasco Granja na década de 70 – nalgum local foram ensinadas, em nenhum outro o foram melhor que nas aulas do Mestre Rodrigues Alves, na ampla sala onde, com o Mestre Mendes, ministravam a disciplina de Litografia e Desenho de Letra. Quantos artistas não utilizaram as compridas mesas de pedra ao longo de várias gerações, ensaiando os primeiros passos numa área artística rica de criatividade, exteriorizando beleza, cor e forma para alimento do olhar e satisfação da Alma? Uns conseguiram a projecção com que sonharam, outros nem tanto, porque nem a todos a vida estende a passadeira vermelha do êxito... e das oportunidades.
Rodrigues Alves era um pedagogo nato, profundamente humano e também um profissional de fina água, competentíssimo. Era o chefe da secção de desenho do jornal "O Século" e simultaneamente professor da António Arroio, e, como se isso não bastasse, íntimo amigo daquele que era considerado o melhor ilustrador de BD português da altura: Eduardo Teixeira Coelho, o qual algumas vezes levou a essa escola para espanto e deslumbramento dos seus alunos.
Beneficiando de tal ambiente, fácil foi aos alunos dessa instituição de ensino – especialmente os mais dotados na área da BD –, absorver os elementos básicos desse género artístico fornecidos pelo Mestre Rodrigues Alves, fruto da sua experiência no campo da ilustração e do grafismo, embora essa área artística – a BD – não constasse oficialmente como matéria do curso.
Dotado de inata capacidade para o desenho, Carlos Roque, alto, seco de carnes, portando óculos no nariz afilado, fazia parte desse pequeno lote de alunos vocacionados para a ilustração e o grafismo, que sofregamente sorviam as imperdíveis lições do mestre. Era, já nessa altura, um profundo admirador dos desenhos de E. T. Coelho, doença endémica da qual muitos foram 'vítimas", inclusive o autor destas linhas. Embora a minha frequência nessa Escola fosse à noite, participava com eles na feitura de um jornal de parede, exemplar único cujo nome não recordo, que afixávamos na vitrina no átrio de entrada, o qual contava com a colaboração do Ricardo Neto, entre outros elementos do grupo.
Recordo ter trabalhado com Carlos Roque no atelier publicitário de um gráfico chamado Zeiguer, situado na Rua Silva Carvalho, em Campo de Ourique, ainda durante alguns meses. Depois, quando ingressei na Agência Portuguesa de Revistas, em fins de 1954, perdi o contacto com ele. A última vez que o vi foi em Dezembro desse ano, quando lá apareceu levando o desenho de uma capa para o "Mundo de Aventuras". Sabendo que eu aí trabalhava, disse à menina Lita, a funcionária do guiché, que desejava falar comigo. Foi para mim uma agradável surpresa reencontrá-lo. Queria saber se estaríamos interessados em publicar, gratuitamente, o desenho da capa que fizera, o qual desenrolou para que o visse. Era um original maior que um A4, muito bem feito e com uma grafia muito equilibrada e apelativa. Acompanhei-o até junto de Mário de Aguiar, o director-geral da empresa, e expus-lhe o desenho, pondo-o ao corrente da situação.
Gostou imenso da capa e ficou assente publicá-la... mas paga! Acompanhei-o até à larga porta de saída e despedimo-nos. Esse aperto de mão foi o último que demos... há mais de 50 anos. O desenho da capa, conforme o combinado, foi publicado em 6/1/1955, no n° 282 dessa revista juvenil.
Mundo de Aventuras nº 282, de 6/1/1955 - imagem de ogatoalfarrabista.wordpress.com
A publicação de "Os Passarocos de Manfredo Ycxkcoc", foi um preito de homenagem à amizade e à memória do artista, colega e amigo, que o tempo, por razões que só ele conhece, junta e afasta os simples mortais que somos. O nosso agradecimento a Monique Roque, co-autora da BD apresentada e esposa do ilustrador, pela sua gentileza para com a 9ª ARTE. As nossas saudações. ■
Desejamos aos nossos leitores, bem como a quantos generosamente connosco têm colaborado, nomeadamente A. Dias de Deus, A. J. Ferreira, Augusto Trigo, Carlos Alberto, Catherine Labay, Dâmaso Afonso, Jorge Magalhães, José Antunes, José Garces, José M. Vilela, José Pires, José Ruy, Leonardo De Sá, familiares de Carlos Roque, Eduardo T. Coelho e Fernando Bento, um Natal feliz e Próspero Ano 2009. A todos o nosso reconhecimento.
Jobat
Mário Correia, Carlos Roque, Geraldes Lino e Monique Roque, em 2/8/2003, aquando da inauguração da exposição da obra de Rodrigues Alves, na Igreja de S. Roque, em Lisboa.
"Era como ele que eu gostaria ser!" - Expressão de Carlos Roque para Dâmaso Afonso perante uma ilustração de Eduardo Teixeira Coelho, na exposição acima referida.
Fotos de Dâmaso Afonso
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O Louletano, 12 de Janeiro de 2009
CAROS LEITORES
É com um misto de prazer e reconhecida gratidão que hoje iniciamos a publicação de um trabalho em BD do grande mestre espanhol [catalão] Jesus Blasco. Prazer, porque iremos recordar os cativantes desenhos que enriqueceram de beleza os nossos ainda jovens olhos de criança; gratidão, porque foi com ele, entre outros mais que aqui temos referido, que o gosto pela ilustração desabrochou para esse género de arte que é a Banda Desenhada, à qual muitos – tal como eu – dedicámos toda uma vida. Podemos afirmar, sem margem para erro, que o artista catalão foi sem dúvida o maior entre a plêiade de ilustradores que a pátria irmã nos ofereceu no século passado.
A publicação deste trabalho é, simultaneamente, para além de uma homenagem ao grande artista, também ao Homem de nobres ideais cujo sentido do belo e da justiça veiculou através das séries que concebeu. Cuto, a personagem da BD que hoje vos oferecemos, é talvez a mais emblemática da sua fértil e diversificada criação. Esta história foi inicialmente publicada no nosso país em Fevereiro de 1949, a partir do n° 10 da revista infantil "O Gafanhoto", dirigida por António Cardoso Lopes, um grande nome ligado às publicações infantis em Portugal.
O Gafanhoto nº10. Imagem de divulgandobd.blogspot.com
Aos leitores que porventura sejam contemporâneos da primeira publicação desta história, será um prazer a sua releitura; aos outros, será certamente a novidade perante o contacto com um artista ímpar pela harmonia, elegância e beleza do traço, do enquadramento e do claro-escuro, em que foi Mestre.
Agradecendo a todos quantos tornam possível esta página dedicada à BD, desejamos aos nossos leitores agradáveis momentos de entretenimento... e um muito Bom Ano 2009.
PS- Motivos de força maior não nos permitiram a publicação desta página na passada semana. As nossas desculpas.
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JESUS BLASCO – O PAI DE “CUTO” (1)
Por José Antunes
Jesus Blasco Monterde foi o mais popular e mais internacional dos autores espanhóis de histórias aos quadradinhos do século vinte.
Em Portugal, nos anos quarenta e cinquenta, praticamente todos os jornais juvenis publicaram trabalhos seus.
O jovem aventureiro Cuto foi a mais popular das suas criações, chegando mesmo a ter, entre nós, nos anos 70, uma publicação com o seu nome, o "Jornal do Cuto", editado pelo incansável Roussado Pinto, prolífico argumentista e novelista, grande admirador do mestre catalão.
Jesus Blasco nasceu em Barcelona, no dia 3 de Novembro de 1919, o mais velho de cinco irmãos: Pilar, Alejandro, Adriano e Augusto.
Desde pequeno manifestou vocação para o desenho e aos 14 anos ganhou o primeiro prémio num concurso do jornal "Mickey", cujo director, J. M. Huertas Ventosa, o convidou para colaborar com "historietas".
Terminado o ensino secundário com 16 anos, dedicou-se ao desenho publicitário.
No ano seguinte, deflagrou a Guerra Civil de Espanha e o jovem foi recrutado para o exército republicano. Após a derrota desta frente às forças fascistas do generalíssimo Franco, Blasco foi internado num campo de refugiados em St. Cyprien, perto de Perpignan, em França.
Ali passou fome, e para fortalecer a sua parca dieta, desenhava, com um bico de lápis, as noivas, os filhos e cenas familiares dos seus companheiros de cativeiro, a troco de algumas moedas.
Os oficiais franceses que controlavam o campo, aperceberam-se do talento do jovem artista e este ganhou novos e mais abastados clientes.
A primeira encomenda foi o retrato da esposa de um tenente, mais feia do que o pecado. Embora favorecendo escandalosamente o modelo, Blasco conseguiu manter a semelhança, o que lhe mereceu os elogios dos observadores.
Não correu tão bem outra encomenda, desta vez um coronel de cavalaria que pretendia ser retratado em grande uniforme, coberto de condecorações e montado no seu cavalo.
Tudo correu muito bem, com frequentes elogios do modelo, até chegar à cabeça do cavalo, que não agradou ao garboso coronel. Após várias tentativas e desesperado por não conseguir satisfazer o cliente, Blasco deixou de comparecer às sessões e quando o coronel mandava o seu ordenança chamar o artista, este escondia-se, e assim foi até ao dia em que o coronel foi transferido de unidade, acabando o pesadelo do jovem catalão.
Terminado o internamento de oito meses, Blasco regressou a Barcelona e às "historietas" mas, como o serviço militar cumprido no exército republicano não era contado, teve de voltar às fileiras, desta vez colocado nos Serviços Cartográficos. »»
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