BDÉFILOS. OS FANÁTICOS POR HERÓIS DE PAPEL
por André Rito, Publicado em 21 de Outubro de 2010
Conhecem todos os alfarrabistas, têm colecções avaliadas em milhares de euros e vão estar amanhã no Amadora BD
No cartão de visita de Geraldes Lino, além dos contactos e páginas web da sua autoria, pode ler-se a expressão "militante da BD e dos fanzines". Noutros tempos, talvez aquele espaço fosse utilizado para referir a sua profissão de controlador de tráfego do aeroporto de Lisboa. Hoje, já depois de se reformar, a banda desenhada tornou-se muito mais do que um simples hobbie: tem exemplares avaliados em milhares de euros, alguns deles religiosamente guardados desde a infância. "Comecei a coleccionar muito novo, num tempo em que não havia sequer televisão." Em Portugal, embora não exista uma tradição comparável aos EUA, há uma comunidade devota dos super-heróis da Marvel ou de Corto Maltese, Muitos deles vão estar presentes no Amadora BD, festival que arranca amanhã.
"Hoje, as gerações mais novas passam muitas horas em frente à televisão. Antigamente, o nosso entretenimento era a banda desenhada", justifica Geraldes, pouco depois de investir em mais um livro da especialidade. Para este reformado, o culto não se resume aos álbuns - uma espécie de livro onde estão compiladas as histórias completas - ou às revistas. "Compro também muitos livros de estudo desta que é considerada a nona arte. Um deles, talvez o primeiro publicado em Portugal, em 1970, chama-se ''Sociologia das Histórias aos Quadradinhos''e é uma autêntica raridade."
Corto Maltese, o marinheiro criado por Hugo Pratt, é o seu herói de eleição, mas são os personagens dos livros portugueses que mais valorizam a sua colecção. "A minha primeira revista foi o ''Mosquito'', que acabei por perder num incêndio em casa dos meus pais. Só mais tarde a consegui reunir. Foi pouco depois do 25 de Abril, e já na altura me custou trinta contos. Hoje, a colecção completa deve rondar os cinco mil euros."
Com alguma sorte, será possível encontrar alguns exemplares nos alfarrabistas do Porto e de Lisboa. Mas o negócio compra e venda de raridades conheceu um avanço considerável com a proliferação dos leilões online, além das lojas da especialidade que foram surgindo nos centros urbanos.
Foi nos leilões do ebay e sapo que Nuno Neves conseguiu comprar uma boa parte da sua colecção de BD franco-belga. "Comecei a juntar os livros por influência do meu pai, ainda em criança. Por azar, as colecções perderam-se com a mudança de casa", recorda este inspector tributário, de 39 anos, que passa várias horas sentado em frente ao monitor a pesquisar raridades e a actualizar um blogue sobre banda desenhada.
"A minha favorita é a Blueberry, mas dou prioridade aos livros editados em português." Em casa, Nuno tem cerca de 700 álbuns, na sua maioria de BD franco-belga. "Também gosto da americana, do Homem Aranha e Batman, que foram duas personagens que me acompanharam na infância. Ainda assim prefiro aquelas que têm personagens humanas."
Talvez seja a nostalgia do passado que leva muitos dos fãs de BD a gastar rios de dinheiro na compra de álbuns e revistas. Pelo menos é essa a explicação de Vincent Zurzolo, avaliador de livros de BD na Metropolis Collectibles. "Normalmente, os coleccionadores são pessoas que leram durante uma boa parte da sua infância e adolescência. Quando chegam à idade adulta e começam a ganhar dinheiro, esta é a forma que encontram de regressar a um dos períodos mais felizes da sua vida." É o caso de Nuno Amado, um mecânico de reactores de aviões, de 46 anos, que começou a ler BD "antes de saber ler. "Devorava os livros do Hulk a preto e branco e, mais tarde, já depois de entrar na escola, os do Tintim." Há cinco anos, "quando se tornou economicamente viável", Nuno decidiu investir, não por "mero coleccionismo" mas por paixão à leitura. "Gosto de praticamente todos os estilos, compro livros japoneses, americanos e europeus." Tal como muitos dos coleccionadores contactados pelo i, Nuno também se debate com um problema: espaço. "É o grande inimigo de quem gosta destas coisas de coleccionar. Sobretudo porque é importante que estejam bem conservados." Aparte importante: o detalhe mais valorizado na venda é o estado de conservação dos exemplares.
"Já houve quem me oferecesse muito dinheiro pelos meus livros", garante. Por agora, as Absolut Editions norte-americanas vão manter-se nas prateleiras de sua casa."Mas se um dia precisar, sei que consigo vender pelo triplo."
Saiba tudo sobre o festival Amadora BD amanhã no Guia de Fim-de-Semana
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