sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

BDpress # 317: ENTREVISTA COM ÁLVARO PONS COMISSÁRIO DA EXPOSIÇÃO DA BD “ESPANHOLA” NO 39º FESTIVAL D’ANGOULÊME – Carlos Pessoa no Público online


“AUTORES NÃO CONSEGUEM VIVER 
DA BANDA DESENHADA”

ENTREVISTA COM ÁLVARO PONS, COMISSÁRIO DA EXPOSIÇÃO SOBRE A BD ESPANHOLA EM ANGOULÊME

Público online, 26.Janeiro.2012

Por Carlos Pessoa

Álvaro Pons (1966, Barcelona) é professor da Universidade de Valência, crítico e estudioso de banda desenhada. É nesta última qualidade que foi convidado para comissariar a exposição sobre a banda desenhada espanhola que representa o país no Festival de BD de Angoulême, a decorrer entre hoje e domingo naquela cidade francesa.


Como surgiu a ideia de fazer esta exposição e o que lhe foi pedido para apresentar?

A ideia nasce em Angoulême, que tomou a iniciativa de convidar Espanha para a edição de 2012. A ideia foi bem aceite pelo Ministério da Cultura espanhol, através da Direcção-Geral do Livro. Depois de reunir-se com as diferentes entidades relacionadas com a banda desenhada em Espanha, o ministério propôs-me para comissário da exposição.

Quais foram os principais critérios seguidos para organizar a exposição?

O primeiro objectivo é apresentar um amplo panorama da “historieta” espanhola aos que não a conhecem, desde a sua longa história até à realidade actual, passando pela presença de autores espanhóis nas principais indústrias dos quadradinhos, como a França, os Estados Unidos, o Japão ou a Itália. Mas foi também nossa intenção proporcionar uma perspectiva lúdica, implicando os visitantes na descoberta de novos autores. Tentamos atingir esse objectivo com uma exposição dividida em duas partes; uma é interactiva, onde se realizará todo o tipo de actividades e estará à disposição uma ampla bedeteca com as últimas obras publicadas em Espanha; a outra é expositiva, onde se mostrará a obra de mais de 100 autores, com especial atenção para os que ganharam o “Premio Nacional del Cómic”.

Como reagem os autores espanhóis de BD ao fim da ditadura franquista?

No período final da ditadura verificava-se uma situação paradoxal: após décadas em que a banda desenhada era a principal forma de ócio dos espanhóis, praticamente todos os grandes autores tinham de trabalhar nas indústrias de outros países (Warren, nos Estados Unidos, Fleetway, no Reino Unido, em França, etc.) para sobreviver. Essa realidade mudou radicalmente com a aparição de revistas que deram lugar a uma época de ouro da banda desenhada de autor, na qual se destacaram autores como Carlos Giménez, Alfonso Font, José Ortiz e tantos outros. Foi essa mesma conjuntura que permitiu o aparecimento de uma geração de ruptura de autores vanguardistas, como Daniel Torres, Micharmut, etc.

O que distingue os autores que viveram durante o franquismo da nova geração surgida na democracia?

Além da óbvia condição política e da ausência de liberdade de expressão, a principal diferença é, possivelmente, a própria consciência do autor como criador. Nos anos 40, 50 e 60 do século XX, os desenhadores consideravam-se a si próprios mais como artesãos de um ofício, sem dar valor à importância da sua obra como criativa, uma perspectiva que vai mudar radicalmente a partir da década de 1970.

Que importância e que peso têm a problemática da guerra civil na obra dos autores espanhóis de BD?

A guerra civil é uma fractura da sociedade espanhola que será muito difícil superar. Ora, os autores não são alheios a essa realidade, sendo difícil, ainda hoje, encontrar uma família sem uma história que tenha a ver tristemente com aquele conflito. No entanto, durante anos a guerra civil foi um tema-tabu; primeiro, pela própria imposição censória da ditadura, depois pela dor ligada à memória. Felizmente, isso foi superado e muitos autores, com Carlos Giménez na primeira linha, souberam tratar e expressar tanto o que ocorreu como as respectivas consequências. Mas não é um tema obsessivo, apesar de se dizer amiúde que os autores espanhóis só sabem fazer banda desenhada sobre a guerra civil, os quadradinhos que tratam o tema são uma percentagem muito baixa.

Em que temas e áreas considera que a BD espanhola dos últimos 30 anos teve mais êxito?

Em todos. Os criadores espanhóis destacaram-se tanto como autores de super-heróis, como no género de fantasia ou na área das novelas gráficas de costumes. Se nos limitarmos apenas ao que é publicado em Espanha, é verdade que este último tema e as autobiografias registam maior presença no mercado, mas isso não é mais do que um reflexo do que ocorre em outros campos da produção cultural, onde tais temas também estão muito presentes.

Que dificuldades enfrentam os autores para serem publicados e chegarem ao mercado?

Fundamentalmente, com a reduzida dimensão do mercado. Com tiragens de apenas mil exemplares, as obras correm o risco de ficar esquecidas face à concorrência das produções americanas, japonesas ou francesas. Embora as livrarias generalistas já acolham a banda desenhada de forma habitual, ainda são as livrarias especializadas que concentram a maior parte das vendas. É nelas que a BD mais “mainstream” tem habitualmente uma maior exposição, embora por outro lado seja graças a elas que se pode manter uma política de pequenas tiragens...

Que retrato faz do universo editorial espanhol de BD?

Variado, diverso e rico. As pequenas editoras contribuíram para uma incrível diversidade temática e formal da “historieta”. Praticamente qualquer obra tem possibilidade de ser editada (no quadro das limitações desse mesmo mercado tão exíguo, a que me referi antes) sem limitações de qualquer natureza. E os autores respondem com uma variedade incalculável de estilos e propostas, numa oferta global como os leitores espanhóis nunca tiveram antes.

Há autores que fizeram carreira e foram bem-sucedidos no estrangeiro. O futuro dos novíssimos autores espanhóis está do outro lado dos Pirinéus?

Infelizmente, sim. A infra-estrutura comercial não permite que um autor viva da banda desenhada. É uma utopia viver da obra de criação pessoal e muito difícil trabalhar no quadro de uma estrutura comercial estabelecida; só editoras como a Panini têm uma estratégia clara nesse sentido, com uma ampla produção que emprega jovens autores, mas muito longe das possibilidades económicas de mercados como o americano ou francês.




Álvaro Pons, à direita...

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Imagens da responsabilidade do Kuentro

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