OS LABIRINTOS DA ÁGUA
(adaptação de três textos de Herberto Helder)
DINIZ CONEFREY
NO JL-JORNAL DE LETRAS
por João Ramalho-Santos
Nos últimos anos têm coexistido dois grandes movimentos de sinal oposto na banda desenhada portuguesa. Um relaciona-se com grandes coleções editadas em parceria com jornais, o outro aposta em pequenas tiragens e na autoedição. Maria João Worm e Diniz Conefrey, dois autores nacionais de referência, fundaram a Quarto de Jade, e têm editado livros fundamentais. "Os labirintos da água", no qual Conefrey adapta a BD três textos de Herberto Hélder, é o último.
(Texto publicado no JL-Papel, mas que pode ser lido no blogue de J.R-S, AQUI)
João Ramalho-Santos
Sexta feira, 20 de Dezembro de 2013
"Aquele que dá a vida" (de "Os passos em volta") e "(uma ilha em sketches)" (de "Photomaton & Vox") já eram conhecidos (Íman, 2001), mas surgem aqui numa edição com qualidade superior. A novidade é "A máquina de emaranhar paisagens" (adaptado de "Poesia Toda"). Três textos distintos, violentos, com elementos que migram do telúrico concreto ao abstrato cósmico.
"Aquele que dá a vida" é uma surpreendente adaptação "clássica" de uma história de superação e vingança, na qual um homem é confrontado com obstáculos. Uma vida rural dura, um touro. E, claro, o pior de todos, a inveja mesquinha de outros homens. Com a componente realista e simbólica a interpenetrarem-se, destaca-se o modo preciso como o desenho define espaços e gere o tempo, prolongando-o em momentos cruciais, encurtando-o nas transições; e utilizando cor e luz de um modo excelente para criar ligações e contrastes, definir estados de espírito.
Mantendo os mesmos temas, mas muito mais liberta (a vários níveis) a experiência de "(uma ilha em sketches)" é brilhante, propondo uma BD muda colocada a seguir ao texto integral em prosa que adapta. O leitor tem pois direito a duas abordagens, nas quais virtuosismos distintos dão corpo a um mesmo território. As palavras adornam o retrato da vida dura e pobre dos ilhéus; mas, ao contrário daquilo que tende a suceder em abordagens deste género, não oferecem qualquer redenção. A ilha em forma de cão sentado é amorfa nas suas paisagens abruptas; os habitantes inanes, derrotados, preguiçosos. Ou, pior ainda, a caminho. A sua vida é dura? Pois paciência; pouco fazem para o contrariar, têm o que merecem. Mantendo uma narratividade clara (o texto lido imediatamente antes "ouve-se" nos desenhos mudos que se seguem) as planificações e o uso magnífico da cor dão o mesmo tom de beleza horrível, oferecendo uma qualidade figurativa que o sujeito não parece merecer; dando da ilha e seus habitantes um retrato diferente, mas igual. Com uma resignação e sentimento de inexorabilidade a que o protagonista de "Aquele que dá a vida" nunca cede, "(uma ilha em sketches)" é uma das mais belas e cruéis BDs portuguesas.
Por último, no mais recente "A máquina de emaranhar paisagens" completa-se uma viagem, do particular ao cósmico. Com cores mais frias a BD assume aqui contornos de pintura narrativa, com Conefrey a utilizar várias técnicas, da fotografia trabalhada ao abstrato, para ilustrar com elementos comuns (mas grafismos distintos) sequências das mesmas palavras, unidas (emaranhadas) em frases que mutam constantemente, retornando ao Génesis antes de partir para uma nova variante. Palavras e desenhos compartilham aqui um equilíbrio agitado entre criação e destruição que nunca se sabe para que lado irá cair. Diferente dos registos anteriores há, no entanto, uma evolução lógica, no sentido em que as imagens, tanto figuras humanas como motivos abstractos, são depurações de representações anteriores.
Movendo-se numa direção clara que parece interessar ao seu autor "Os labirintos da água" é um dos grandes livros recentes, com uma das melhores histórias de sempre. Tal com o poeta que o inspirou, merece o privilégio de recusar prémios.
Os labirintos da água. Argumento e desenhos de Diniz Conefrey, adaptando três textos de Herberto Hélder. Quarto de Jade, 120 pp., 18 Euros. www.quartodejade.com
Diniz Conefrey
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