O “EUSÉBIO – PANTERA NEGRA”
DE EUGÉNIO SILVA
NO JORNAL "A BOLA "
Este post, além do propósito de continuar o que editámos AQUI – sobre EUSÉBIO NA BANDA DESENHADA – serve também de pretexto a uma pequena homenagem a Eugénio Silva, um autor muitas vezes imerecidamente esquecido na banda desenhada portuguesa.
A VERDADEIRA DIMENSÃO
DE SUPER-HERÓI
Eugénio Silva fala sobre o seu livro
A Bola, 15 de Janeiro de 2014
'Pantera negra' na galeria das aventuras aos quadradinhos
Nem todos os melhores de entre os melhores se podem gabar do mesmo feito
Pedro Figueiredo
Tem sido tendência crescente dos últimos anos ver as aventuras dos super-heróis das bandas desenhadas retratadas no cinema. Confere-lhes um grau de humanidade que simplesmente não existe quando estão em ação, geralmente a salvar o mundo. Foi assim com o Super-Homem, primeiro, Batman, depois, Homem-Aranha, a seguir, e todas as demais figuras imortalizadas pela DC Comics ou pela Marvel.
Fazer o percurso inverso é que já não é normal, muito menos uma tendência. Só está ao alcance dos predestinados, dos eleitos não sufragados, dos que mergulham na admiração popular das massas por direito próprio.
O lado humano dessas figuras, cujas aventuras da vida real passam à banda desenhada, nem sequer é questionado. Sabe-se que não vieram de um planeta distante ou surgiram de uma qualquer metamorfose científica envolvendo seres vivos com capacidades que os tornam extraordinários. Podem, muito bem, vir de uma pacata aldeia moçambicana, de um bairro pobre de Buenos Aires ou do mais recôndito lugar de Minas Gerais, chamado Três Corações. Mais humanos não poderiam ser.
Eusébio não salvou o mundo, mas foi dos primeiro a ter a sua vida contada aos quadradinhos, muito antes de Maurício, o pai da Mónica, do Cebolinha e do Cascão, ter criado a Turma do Pelézinho (1976). Em 1967, o Pantera Negra mereceu, imagine-se, do outro lado do Atlântico, mais propriamente no México, o direito a figurar na galeria das Estrellas del Deporte com o livro El Gran Eusébio.
O QUE É UM PENALTY?
Eugénio Silva, um dos nomes grandes da ilustração nacional, tinha um estúdio em Santos-o-Velho, bem no centro de Lisboa, quando em 1989 lhe apareceu por lá um diretor artístico da desaparecida editora Meribérica-Liber. «Trabalho não se recusa, mas lembro-me que avisei logo: não percebo nada de futebol, nem gosto muito!», começou por dizer o autor do livro Eusébio, Pantera Negra, publicado em abril de 1990. «Ficou tudo acertado e encontrei-me muitas vezes com o Eusébio para conversar sobre a vida dele. No meu estúdio ou em casa dele. De uma humildade impressionante. Sem manias, apesar de tudo o que tinha alcançado.»
A ironia, no facto de Eugénio Silva não gostar nem perceber de futebol, levou-o a estudar mais do que seria de esperar para a realização do livro. «Sempre fui muito meticuloso nas coisas. A primeira vinheta da obra é o centro de Lourenço Marques. Já estava o livro quase pronto quando me recordaram que em Moçambique os carros circulam à esquerda, como os ingleses. Pormenores desses. Quando ia a casa do Eusébio para conversarmos, até o cão, o Tarik, já me conhecia. Pelo menos era o que a Dona Flora dizia. No final, desenhei a família a inteira para outra vinheta. Havia um cão, mas não era igual ao Tarik. Eusébio disse-me que era uma pena que o cão do desenho não fosse igual. Acabei por fazê-lo de novo, como Tarik. Gostavam muito dele.»
Seria difícil, para alguém como Eusébio, relatar a sua vida inteiramente dedicada ao futebol a alguém que não entendia a modalidade. «Tinha uma paciência infinita para mim. Uma vez disse-me que já era a terceira vez que me explicava o que era um penalty. Até me explicou o que era um frango!»
É PRETO, COMO EU!
Eusébio cedeu uma gaveta inteira cheia de fotografias da sua carreira. Eugénio Silva digitalizou tudo e continuou com as conversas de memória fotográfica que ajudaram a construir a história. «Às vezes vinha de fato de treino. Era de uma simplicidade e uma simpatia incrível. Quando viu as provas, olhou para o cauteleiro só com um braço que chegou a ser seu treinador, riu-se e disse-me: 'Ó Eugénio, o Ti Chico não é branco. É preto, assim como eu!'»
Detalhes que valorizam a obra. A luta pelo pormenor. «Fui uma vez com uns amigos ao futebol, na CUF. Passei mais tempo do jogo a ver a reação das pessoas do que propriamente o que se passava dentro do campo», conta. Chegou a fazer pesquisa na redação de A BOLA para estudar centenas de jogos disputados pelo craque do Benfica e da Seleção Nacional. «E percebi, pelas páginas do vosso jornal, que o Real Madrid, em maio de 1962 [final da Taça dos Campeões], jogou de azul porque o equipamento branco ofuscava na transmissão televisiva.» Aliás, Eugénio contactou o Real Madrid, o Barcelona, o Torino e alguns outros clubes para se rodear do máximo de informação possível. «Lembro-me também que foi muito difícil arranjar o símbolo do Estrela Vermelha de Belgrado. Nem a FPF o tinha.»
RIJO. SEM COXEAR
Dar um ar de super-herói a Eusébio não foi difícil. Momentos de exaltação, clubística e nacional, não faltavam. Estão todos no livro. Dos tempos de Mafalala aos Estados Unidos e terminando em Lisboa, com a sétima operação ao sacrificado joelho esquerdo. «Mesmo assim, era rijo. Não me recordo de o ver coxear. Em 1990, já com a carreira futebolística do pantera negra completa, Eugénio cedo percebeu a dimensão planetária do seu objeto de trabalho. «No dia do lançamento da obra até um jornalista da União Soviética veio!» Por essa razão, Eugénio Silva, também autor dos textos que acompanham as ilustrações, termina a obra assim: «Em boa verdade, Eusébio, o pantera negra, um enorme valor e uma extrema humildade, continua além de símbolo de um clube, de um país, de um desporto, a imagem viva da simpatia... até entre a nova geração.» Faltou o plural: gerações.
Lisboa com esconderijo em Lagos e A BOLA na chegada à Portela.
Do fato novo para a viagem ao choro por deixar pela primeira vez Moçambique.
Eugénio Silva confessou que Eusébio era uma pessoa que se comovia com facilidade. Um dos episódios retratados na obra é a sua chegada a Lisboa, depois de ter comprado um fato novo para deixar pela primeira vez Moçambique. A BOLA promoveu, a 15 de dezembro de 2010, um jantar entre o pantera negra e Cruz dos Santos, o jornalista de A BOLA que estava na chegada à Portela, para celebrar os cinquenta anos da data.
Na altura, Eusébio apenas recordou que tinha muito frio, sentindo as diferenças de temperatura entre Lourenço Marques no solstício de verão e Lisboa no de inverno. Eugénio Silva recorda: «Não me pediu para desenhar nenhum momento especial da vida, mas achei que esse era um marco. Até porque o desenrolar da história é curiosa. Outra das pessoas que lá estava presente era Domingos Claudino, o encarregado de campo do Benfica que nunca deixou de o acompanhar para todo o lado e foi um dos seus melhores amigos. Com receio que o Sporting ainda fizesse valer algum direito, foi precisamente o Claudino que o levou para fora de Lisboa. Estiveram 12 dias em Lagos, escondidos, até ter tudo realmente acertado e não haver volta a dar.»
Episódios contados em 52 páginas [de BD] e que levaram mais de um ano a construir.
A POLÉMICA NOS EUA POR SER “PANTERA NEGRA”
Eusébio teve que explicar que a alcunha não tinha conotações políticas...
Apesar de ter começado a carreira no Sporting de Lourenço Marques, era no Desportivo que Eusébio gostaria de ter jogado. Até ao dia em que o tio o levou a ver o Benfica, que jogou na inauguração do estádio do Desportivo. Ficou de tal forma encantado que foram as águias da Luz que passaram a fazer parte do imaginário do jovem Eusébio, como se pode ver na vinheta ilustrada em cima. No entanto, este não é o único pormenor curioso da vida do pantera negra que Eugénio Silva retratou. Em 1977, na sua segunda passagem pelo futebol norte-americano - a primeira foi no Rhode Island Oceaneers e no Boston Minutemen -, pelo Las Vegas Quicksilver, surgiu a controvérsia da sua alcunha ser pantera negra. Isto porque em meados da década de 1960 foi criado um movimento em Oakland, na Califórnia, denominado Black Panther Party, com o propósito de proteger os bairros negros da brutalidade policial, desenvolvendo-se depois para ações de extrema-esquerda de contra-cultura ensombradas pelo radicalismo de alguns membros, pela confrontação com a polícia, recorrendo a táticas de violência. Eusébio, porque não quis ser associado a tais movimentos, fez questão de explicar nos Estados Unidos que o facto de ser pantera negra nada tinha a ver com os Black Panthers, até porque já o era antes mesmo do movimento surgir. Uma passagem que também está retratada no livro Eusébio - Pantera Negra com uma figura toda vestida de cabedal e de óculos escuros, uma vez que essa era a indumentária mais usada por quem pertencia e partilhava da ideologia dos Black Panthers. Eusébio deixou os Estados Unidos depois de jogar nos New Jersey Americans.
Justíssima esta homenagem ao meu amigo Eugénio Silva, bom aguarelista e grande autor de Banda Desenhada. Curiosamente fui o primeiro a ser contactado pela «Meribérica Editora» para fazer a vida de Eusébio. Mas como não percebo de futebol, e para realizar o trabalho teria de aprender tudo sobre esse desporto (Rei) e a editora ter urgência na entrega, falei com o Eugénio Silva, que se disponibilizou. Ao fazer a sua apresentação na editora, o Orlando Campos, nessa altura o braço direito do Telmo Protásio, descobriu terem os dois sido vizinhos na infância. Criou-se aí uma empatia que levou mais tarde à ligação mais íntima que o Eugénio teve com a «Meribérica Editora». Esta história em BD do famoso jogador de futebol é um dos marcos a destacar no percurso artístico do Eugénio Silva, como autor desta Arte. Parabéns. E obrigado ao Kuentro por dar destaque e visibilidade a esta homenagem do jornal A Bola.
ResponderEliminarAbraço
José Ruy