GAZETA DA BD NA GAZETA DAS CALDAS (11)
in Gazeta das Caldas, 16 de Agosto de 2013
ARTES, ARTISTAS E BANDA DESENHADA
Jorge Machado-Dias
Tudo isto demonstra talvez, a baixa cotação cultural que este meio de expressão sempre teve, sendo até conotado, na maior parte dos países como “histórias para miúdos” (leia-se “adolescentes”), mesmo quando o não é. E tem sido muito difícil tirar a BD desse gueto. Outras expressões entretanto inventadas para fugir a essa conotação, como “literatura desenhada”, “narração figurativa”, “arte sequencial”, ou mesmo “novela gráfica”, nunca conseguiram consenso.
Quanto à designação da Banda Desenhada como Nona Arte vem de uma classificação algo lunática do francês Claude Beylie (membro do Club des Bandes Dessinées), em Março de 1964, por extensão ao que já há muito tempo se designava por Sétima Arte – o Cinema. Ora esta ambição de classificar as Artes numa lista por ordem numeral, vem do romantismo, no século XIX, quando aparecem as primeiras listagens. Já no início do século XX um jornalista italiano, teórico e crítico de cinema, Ricciotto Canudo, querendo à força (que ele pensava ser a da razão) encaixar o cinema, publicou uma lista das Artes, em que colocou o Cinema na sétima posição, em Outubro de 1919.
Ora bem, recuemos no tempo, ao tempo em que tudo começou. Os gregos antigos presumiam a existência de três artes “plásticas” e três artes “ritmicas” – respectivamente a Arquitectura, a Escultura e a Pintura, na primeira categoria e a Música, a Dança e a Poesia, na segunda. Isto sem qualquer ordem particular mas presumindo-se que as primeiras teriam dado origem às outras. Ou seja, a Arquitectura terá dado origem à Escultura e à Pintura, suas “artes decorativas” e a Música à Dança e à Poesia, suas “artes interpretativas”.
Quando Ricciotto elaborou a sua lista baseou-se nas anteriores, surgidas pela mão dos românticos alemães e franceses, Von Schiller, Hegel, Taine, Nietzsche, etc... E a coisa ficou assim, quando o italiano publicou o seu “Manifesto das Sete Artes”:
1 – Arquitectura, 2 – Escultura, 3 – Pintura, 4 – Música, 5 – Dança, 6 – Poesia, 7 – Cinema
Existem actualmente mais duas ou três “Tabelas das Artes”, em que a Arquitectura desaparece em algumas, para dar lugar ao Teatro e à Literatura, sendo que a oitava posição é ocupada ora pela Fotografia, ora pela Televisão... o que torna tudo isto completamente ridículo. E porquê? Porque no nosso entender, se a Arquitectura e a Música deram origem a outras Artes, nem o Cinema, nem a Banda Desenhada (e muito menos a Televisão) o fizeram, sendo pelo contrário, disciplinas compostas por outras Artes – derivando delas.
Tanto o Cinema como a Banda Desenhada nascem da cultura popular, ou “de massas”, que aparece no século XIX com a chamada revolução industrial. A Banda Desenhada, impressa, tal como a conhecemos hoje, aparece pelo menos por volta de 1841, sendo subsidiária da Literatura e do Desenho (ilustrativo). Curiosamente o Desenho Ilustrativo nunca aparece em nenhuma das “Tabelas das Artes”. Quanto ao Cinema, existe desde 1895 e, tal como o conhecemos hoje, é subsidiário da Literatura, da Fotografia, do Teatro, da Música, etc...
Portanto não será lícito que a BD e o Cinema possam ser considerados Artes, na plenitude da concepção histórica desta palavra. Serão, no mínimo, Artes Compostas, se é que tal designação se pode usar.
Contudo um argumentista e um desenhador de Banda Desenhada serão sempre Artistas – praticantes das Artes da Literatura e do Desenho Ilustrativo. A questão que colocamos a seguir tem a ver com o uso generalizado e muitas vezes abusivo, mesmo depreciativo, da palavra “artista” e daí a nossa preferência, sempre, pela designação de “Autor”.
Acontece que a palavra “artista” foi de tal modo depreciada ao longo do tempo, que se tornou risível. Nos dias de hoje referem-se os “artistas” do cinema (os actores, porque os realizadores – responsáveis pela “arte final” de um filme –, nunca são designados por esse termo), do teatro, da televisão, da música, do circo, etc..., tendo mesmo ficado famosa a piada do humorista Herman José “artista da TV e disco e da cassete-pirata”, que pode servir de paradigma para o que dizemos atrás. Junte-se ainda o uso depreciativo da palavra, como por exemplo em “saíste-me cá um artista” e teremos o panorama do modo risível como se usa o termo. Existe no entanto muita gente, mesmo críticos e divulgadores, sem este tipo de discernimento e de senso crítico, que continua a tratar os autores como “artistas” da banda desenhada – mas curiosamente só tratam assim os desenhadores, porque os argumentistas são muitas vezes menosprezados.
Para nós, é um tratamento nada dignificante. Preferimos tratá-los por Autores!
Nota: Alguns dos dados referentes ao historial da Banda Desenhada que constam neste texto, foram (de forma muito sumária) recolhidos no Dicionário Universal da Banda Desenhada de Leonardo De Sá, Pedranocharco Publicações, Caldas da Rainha, 2010.
O movimento para a designação da Banda Desenhada como Nona Arte, “culminou” em Dezembro de 1971, com a publicação do livro Pour un Neuvième Art, la Bande Dessinée, de Francis Lacassin, outro dos teóricos do Giff-Wiff (mas o autor não chegou a justificar a denominação).
In Dicionário Universal da Banda Desenhada, de Leonardo de Sá.
Nota: Alguns dos dados referentes ao historial da Banda Desenhada que constam neste texto, foram (de forma muito sumária) recolhidos no Dicionário Universal da Banda Desenhada de Leonardo De Sá, Pedranocharco Publicações, Caldas da Rainha, 2010.
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