segunda-feira, 26 de agosto de 2013

JOBAT NO LOULETANO (128-129) – AUGUSTO TRIGO (4 e 5)



NONA ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(CXXVIII – CXXIX)

O Louletano, 24 de Março de 2008

AUGUSTO TRIGO - 4
O menino que
RABISCAVA PAREDES (2)
por: José Batista

O ano de 1944 terminara mal para a família de Augusto Trigo devido a um trágico acidente de caça no qual seu pai fora vítima. Esse perigoso desporto era normalmente praticado de noite, utilizando os faróis dos carros ou então um aparelho luminoso colocado na cabeça, no género dos que os mineiros usam, porém mais potente. A área para onde decidiram ir nessa noite era zona de leopardos, felinos atentos e ágeis, o que requeria atenção e redobrado cuidado. Grávida de alguns meses, Irene Trigo, a esposa, recomendou-lhe cautela, pressentindo talvez o perigo que a todos espreitava. Que não, tudo iria correr bem, disse o marido, tranquilizando-a. E partiu num largo adeus. Chegados ao local, e com os faróis nos máximos, Eugénio Trigo separou-se do colega que com ele partilhava daquela caçada, atento ao rumor e aos luzidios olhares das feras para que estas os não surpreendessem. Distanciados um do outro, em busca do alvo que ali os levara, fácil foi confundir o olhar das feras com a luz emitida pelo aparelho situado na cabeça do pai de Augusto Trigo. Julgando ver bicho naquela luz que ao longe se movia, na noite negra de breu, um tiro soou, certeiro, atingindo Eugénio pouco abaixo do peito. Um grito fendeu a noite alertando o companheiro para a tragédia que acontecera. O perigo era agora redobrado, pese embora o ruído do disparo ter espantado as feras para longe dali. Surpreso com o acontecido, o socorro possível foi rápido mas ineficaz. Transportado para uma unidade hospitalar não adequada para aquela emergência, o pai de Augusto Trigo viria a falecer poucos dias depois.

Tudo iria mu­dar a partir desse momento. A braços com três filhos me­nores, e à espera de outro para breve, a vida não parecia risonha para a fa­mília Trigo. Para enfrentar a situação, D. Irene iniciou os preparativos para dar aulas na primária, porém, cinco meses depois, já em 1945, por imposição do então Governador-Geral, os três primeiros filhos do casal, Armando, Manuel e Augusto foram enviados para a metrópole. Primeiramente para a casa de uma tia, e poucos dias depois Augusto Trigo, então com sete anos, foi internado na Casa Pia, na Secção de Nuno Álvares Pereira, na Junqueira. Os dois anos seguintes foram aí passados, mas o aproveitamento escolar seria escasso, pois que os rabiscos ocupavam o tempo e o espaço que às letras e números pertenciam. Prioritariamente dotado para as artes manuais, e de um modo muito especial para o desenho, os professores cedo concluíram que o pequeno Augusto obteria melhores resultados numa área onde essa aptidão fosse aproveitada, razão pela qual foi transferido para a disciplina de carpintaria da mesma Casa Pia, na Secção de Pina Manique, a funcionar num anexo junto à Igreja dos Jerónimos. »»

“Luta de Felupes”, mural pintado por Augusto Trigo em 1961, em Varela (São Domingos), na Guiné, no parque de turismo do Hotel Pireza. 3,5 x 2,5m.

Vinheta da série incompleta “Turú-Bã”, desenhada por Augusto Trigo na Guiné em 1965

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O Louletano, 31 de Março de 2008

AUGUSTO TRIGO - 5
O menino que
RABISCAVA PAREDES (3)
por: José Batista

Comparada com a Guiné, Lisboa deve ter cativado a atenção do jovem Augusto Trigo e irmãos pelo tamanho, arquitectura, movimento e pregões e desvairadas gentes, muitas delas refugiadas ou de passagem, vítimas da heca­tombe que ainda ensanguentava a Europa nos primeiros meses de 1945. Foram recebidos na grande cidade por sua tia, uma irmã do pai que morava em Campo de Ourique, a mesma que o aconselhou a oferecer lápis de cor ao filho. Pouco tempo aí estiveram, pois que o seu internamento na Casa Pia era já questão resolvida pelo Governador-Geral quando deixaram a Guiné.

Chegados à metrópole, e por medida profilática, antes da frequência nas aulas na instituição a que vinham destinados, todos os irmãos foram internados de quarentena. Foi aí que Augusto Trigo pela primeira vez pousou os olhos numa revista aos quadradinhos, pois que um miúdo também aí internado, leitor d'O Mosquito, lhos emprestou. Cativado pelas ilustra­ções de Vitor Péon e E.T. Coelho que a revista publicava – desenhadores que anos mais tarde viria pessoalmente a conhecer – um novo mundo se abriu para o jovem aspirante a artista cujo fogo lhe esquentava a imaginação.

Nesse tempo, àqueles a quem os proventos não permitiam adquirir essas publicações restava-lhes o empréstimo, quase sempre a troco de qualquer coisa, porém nunca gratuito. Para A. Trigo a quarentena cumpriu-se integralmente, que não para os seus irmãos que saíram antes dele. Esse tempo proporcionou algum convívio entre os jovens aí internados e, a troco de uns bonecos feitos por si, o dono dos Mosqui­tos ofereceu ao ávido apreciador talvez umas dezenas deles quando terminado o seu internamento se foi embora. Esse pecúlio seria inestimável para o futuro ilustrador.

Embora as matérias dadas nos dois anos em que frequentou a secção Nuno Álvares Pereira, da Casa Pia, na Junqueira, em 1945, não fossem do seu inteiro agrado, a presença dos irmãos mais velhos, Armando e Manuel ajudou a amenizar a inesperada mudança para a metrópole. Outro factor importante e bastante positivo foi a simpatia da professora que lhe coube em sorte, uma loura afável e simultaneamente apreciadora dos seus desenhos, os quais lhe pedia, retribuindo-os a troco de pastéis de nata, uma inusual e agradável forma de pagamento, o que tornou também me­nos duro o seu forçado afastamento da mãe e do irmãozito de poucos me­ses deixados na Guiné.

O min­guado apro­veitamento nas matérias dadas nos dois primeiros anos nessa insti­tuição mo­tivou a sua transferência para a secção de D. Maria Pia, em Xabregas, na disciplina de carpintaria. Esta escolha não foi um mero acaso, mas sim a conselho de seu irmão Manuel, o qual conhecia o mestre que dirigia essa área, boa pessoa, brando e paciente, e melhor do que tudo isso, disciplina onde, na sua opinião, pouco se fazia. Aliciado por esse argumento de peso, ei-lo a manejar goivas e formões nos ornamentos e encaixes geométricos que essa disciplina exigia, porém muito distante da área artística a que o jovem aspirava.

O ambiente era de facto menos agressivo nas aulas de carpintaria, mas de modo algum as aspirações de Au­gusto Trigo se realizavam nessa área. Verdade que nunca deixou de garatujar, pois que sempre colaborara nos jornais de parede com várias ilus­trações, inclusive retratando elementos da sua Guiné natal, mas isso era apenas uma gota de água do imenso oceano que era urgente vazar. »»

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LUZ DO ORIENTE
(4 e 5)
Jorge Magalhães (argumento), Augusto Trigo (ilustrações)



(continua...)

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