GAZETA DA BD (23)
NA GAZETA DAS CALDAS
OS ARGUMENTISTAS
NA BANDA DESENHADA PORTUGUESA (2)
NUNO DUARTE
Gazeta das Caldas, 18 Abril 2014
Por Jorge Machado-Dias
Nuno Duarte, outro dos mais activos argumentitsas da BD portuguesa actual, nasceu em Lisboa em 1975, tendo, como ele escreve na sua biografia, “crescido entre o melão e a sopa da pedra, lá para os lados de Almeirim”. Estudou Direito na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e tem um bacharelato em Inglês, na Universidade de Cambridge. Deu aulas de Inglês em Santarém e em Lisboa, voltando-se depois para a escrita e o guionismo desde 1999, desempenhando funções de editor e guionista na empresa de animação "Magic Toons".
Free lancer desde 2001, desenvolveu trabalhos de jornalismo, tradução e guionismo para empresas e entidades como o jornal Público, as editoras Devir, Meribérica e Vitamina BD, e o canal de televisão SIC. Foi vencedor do apoio do ICAM para séries de animação em 2002, com a série "O turno da noite". Em 2003 tornou-se produtor associado das Produções Fictícias, sendo Coordenador dos Workshops semestrais de “Escrita para TV”, etc...
A produção de Nuno Duarte, estendeu-se até agora por uma impressionante série de textos escritos para Teatro, Cinema e séries de TV – neste último registo, salientamos a série de animação “O Turno da Noite”, para a produtora Animanostra, a série “O Homem que Mordeu o Cão” e o tele-filme “Pecados de Família” para a TVI, por exemplo.
Para Banda Desenhada, que é o que nos interessa aqui, este autor produziu já onze argumentos: “Génese” para a revista “Selecções da BD”; “Jazz” para a antologia Canadiana “Hallucination Studios Anthology Collection”; “Mande-me um Fax”, ilustrado por Ana Freitas, para a antologia “Mutate & Survive” da Editora Chili com Carne; “Paris Morreu” e “Virgin’s Trip”, ilustrados por Pepedelry, para a Editora El Pep; “Mega” para a antologia “Mesinha de Cabeceira Popular #200” da Editora Chili com Carne; “Quebra Queixo – Technoverse I” e “Quebra Queixo – Technoverse II” para os livros “Technorama 2 e 3” da editora Brasileira Devir; “A Fórmula da Felicidade” – volumes 1 e 2, ilustrados por Osvaldo Mediana (coloridos por Ana Freitas), para a Editora Kingpin of Comics; “O Baile”, ilustrado por Joana Afonso, para a Kingpin Books e “F(r)icções”, uma adaptação para BD de vários contos do autor, ilustrados por João Sequeira, para a ElPep.
Mas é sobretudo, para já, em “A Fórmula da Felicidade”, em dois volumes, desenhados por Osvaldo Medina e coloridos por Ana Freitas, editados pela Kingpin Books, que Nuno Duarte exibe as suas melhores (em nosso entender) capacidades de escritor para Banda Desenhada, apresentando uma construção equilibrada e com um ritmo clássico e legível, conquistando o público leitor.
A personagem principal de "A Fórmula da Felicidade" é Vitor, um pequeno génio matemático nascido algures num Alentejo rural, que atravessa a turbulenta vida que lhe foi proporcionada pela mãe meio “despassarada”, refugiando-se nos números como escape e modo de entender o mundo. Na história seguem-se os adensamentos típicos da ficção, com um crescente conjunto de personagens, mais ou menos esquemáticas e tipificadas, mostrando-nos quais as relações entre elas e clarificando qual o seu significado para a construção da personalidade de Vitor.
Na opinião de Pedro Moura (talvez o crítico de BD mais pertinente deste país), “há um caso ou outro em que os episódios são demasiado curtos, digamos assim (...) mas no cômputo geral, a estrutura e o ritmo entre a narração supra-diegética de Vitor e o que nos é revelado “em directo” constroem uma trama viva. Um aspecto curioso é a integração de pequenos momentos e pérolas de referências de uma cultura popular que pertencerá a toda uma geração de portugueses, como é raro suceder na ficção nacional, quer na de banda desenhada quer na literária. O papel da televisão, aqui, torna-se factor de adensamento de referências, de uma rede na qual nos instalamos com algum conforto (se correspondermos a essas mesmas referências, claro está). Um apêndice final no livro, do matemático Filipe Oliveira, explica a origem e desenvolvimento da fórmula matemática que dá nome e centro ao livro, mas suscita-me uma dúvida. Que o recurso a uma boa equação matemática possa suscitar uma empolgante trama narrativa, depois de “Good Will Hunting” ou de “Π/Pi”, não há dúvida, mas tratando-se de algo maravilhoso (no sentido literário deste termo) neste livro, será que a sua apresentação frontal é a melhor opção? Claro que o contrário seria empregar mais uma vez a fórmula de um McGuffin, o que seria mais clássico ainda... Todavia, devendo confessar desde já a minha inultrapassável incapacidade em sequer “ler” o primeiro termo da equação, terei de aguardar por perspectivas mais informadas e sapientes (...)
Em “A Fórmula...”, a modelação das personagens antropomórficas com cabeças de animais não procuram empregar as características desses mesmos animais senão de um modo telegráfico, rápido, quase de um modo como certos budistas adivinham o animal que uma pessoa era numa vida anterior, sem que se explorem de imediato quais os traços de comportamento sobreviventes... Algo para além da fisiognomia à “la Le Brun”, algo aquém da metempsicose.
A construção do livro, com toda uma série de chamadas de atenção à geografia cultural portuguesa, torna esta experiência de um interesse marcado, sobretudo no que diz respeito à sua dimensão editorial, que prova a possibilidade de apostas em textos capazes de seduzir um público relativamente alargado, sem a necessidade de se procurarem outras fórmulas – de género, de desenho, de humor, etc... (...)”.
Não lemos ainda o último livro do autor, “F(r)icções”, ilustrado por João Sequeira e editado pela ElPep, mas pelas pranchas que já vimos na internet, quer-nos parecer que este livro poderá ser um outro caso de sucesso junto do público, desde que devidamente propagandeado. Deixamos em baixo duas pranchas deste livro, para as primeiras impressões.
Presentemente, Nuno Duarte tem no prelo um argumento de aventura e ficção com implicações espacio-temporais, pensado para o mercado estrangeiro; e de algo mais contido e pessoal, uma espécie de parábola sobre os fardos da passagem à idade adulta por uma série de adolescentes endeusados, estando ainda em busca dos ilustradores ideais para estes conceitos...
Nuno Duarte
IMAGENS QUE NÃO COUBERAM NO ESPAÇO IMPRESSO
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