terça-feira, 17 de abril de 2012

JOBAT NO LOULETANO – 9ª ARTE – MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA (XXXVI e XXXVII) – NO CENTENÁRIO DE RAUL CORREIA (1) – por Jorge Magalhães

9ª ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(XXXVI - XXXVII)

O Louletano, 30 de Novembro a 6 de Dezembro de 2004

Assinalando os cem anos do nascimento de Raul Correia, director que foi do jornal "O Mosquito", que neste final de ano se comemora, é com prazer que nesta coluna publicamos o texto de Jorge Magalhães, referente a esta efeméride.


Damos também início à série ilustrada "A Maldição Branca" a qual foi publicada nesse jornal, da autoria de José Garcês, a cujo artista já nos referimos nesta coluna.


Uma boa leitura para ambos os trabalhos são os nossos votos, assim como o nosso agradecimento aos respectivos autores.
J.B.

NO CENTENARIO DE RAUL CORREIA - 1

por Jorge Magalhães

O estilo de um novelista

Com uma prosa inimitável, duma sonoridade quase cristalina, aliada a uma fluência de água corrente e a uma singeleza sem artifícios, capaz de fazer inveja a muitos escritores de maior nomeada, Raul Correia – director literário d' O Mosquito desde o seu 1º número – escreveu novelas de todos os géneros, com destaque para as de temática policial, em que foi realmente um mestre incontestado, embora as suas preferências se inclinassem para as aventuras de ambiente histórico, como demonstrou mais tarde, ao tornar-se argu¬mentista, fazendo dupla com Eduardo Teixeira Coelho.

Raul Correia parecia cultivar aquela máxima de Hemingway: "Uma risca a menos não altera a pele do tigre, mas uma palavra a mais mata qualquer história". Algumas das principais características do seu estilo, a fluência narrativa, o poder descritivo e a icástica
simplicidade do verbo, livre de quaisquer redundâncias estéticas, resultam, além disso, da síntese homogénea entre a forma literária e uma linguagem cinética.

Em tudo o que escreveu – mas particularmente nos seus contos e novelas – o ritmo flui dinâmica e harmoniosamente e a acção progride numa sincronia absoluta de planos, como os destinatários da sua prosa, ou seja, o público infanto-juvenil, estavam habituados a ver
no cinema. Foi esse ritmo cinematográfico que Raul Correia transpôs para o seu estilo novelístico, aliando como poucos a sobriedade da forma à intensidade da emoção.

Um mestre que ensinava distraindo

Raul Correia foi um verdadeiro precursor, não só ao criar um estilo novo e emotivo, apreciado por todos os leitores (em que transparece a cada passo a influência de Eça de Queirós, o seu escritor favorito), mas, sobretudo, abrindo múltiplos caminhos a uma geração de jovens novelistas – como Orlando Marques, Lúcio Cardador, José Padinha e outros – que apadrinhou e acarinhou como um verdadeiro mestre.

Os seus contos e novelas tiveram, além disso, o condão de fomentar o hábito (voluntário) da leitura entre uma juventude ávida de aventuras e de emoções fortes, que nem sempre tinha dinheiro para ir ao cinema, mas que todas as semanas poupava cinco tostões para comprar o seu jornal favorito, onde descobria, pela primeira vez, o valor de palavras e conceitos como honra, nobreza, heroísmo, abnegação, lealdade, coragem e muitos outros.

Will Murray, um escritor americano, afirmou mais ou menos textualmente que um dos axiomas da literatura popular destinada aos jovens é que estes nunca esquecem os seus ídolos, os heróis e os autores que encantaram (e moldaram) o seu espírito.

E quem não ficou efectivamente rendido a um estilo tão directo e coloquial como o de Raul Correia, ao raro fascínio de uma prosa que despertava irresistivelmente o interesse de linha para linha? Mesmo nos assuntos mais áridos e abstractos (para um leitor de 9 ou 10 anos) com que, por vezes, iniciava os seus contos, o ritmo fluía com a naturalidade de uma amena cavaqueira, ligando os fios invisíveis da imaginação a uma espécie de música de fundo, recôndita e silenciosa mas audível, como um comentário em surdina que abria as janelas do conhecimento e da fantasia, revelando o sentido oculto e maravilhoso das palavras.

Raul Correia foi também um criador de atmosferas, como Lúcio Cardador, mas menos rude, mais sensível e poético. O que aproxima dois novelistas tão diferentes, pelo estilo e pelo espírito, é o seu sentido cinematográfico da mise en scène, mais apurado em Raul Correia, mais instintivo em Cardador. Orlando Marques seguiu os passos do primeiro, seu mestre absoluto, mas cingindo-se mais a modelos ingleses, em que predominava uma certa ênfase narrativa, vestígio ainda da tradição teatral vitoriana. Quanto a José Padinha – outro novelista que foi um dos pilares d'O Mosquito – a sua imaginação fantasista e o seu estilo extravagante, aparentemente mais descuidado, levaram-no por caminhos diferentes, rasgando novas janelas num imaginário já de si tão rico como o do jornal criado em 1936 por dois amigos inseparáveis que viviam, então, na Amadora: António Cardoso Lopes e Raul Correia, e que rapidamente se tomou, ultrapassando todas as dificuldades, um êxito absoluto, ao ponto de em 1945 a sua tiragem rondar os 60.000 exemplares semanais.

Raul Correia (1904 - 1985), fundador e director de O Mosquito

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O Louletano, 7 a 13 de Dezembro de 2004

NO CENTENÁRIO DE RAUL CORREIA – 2

por Jorge Magalhães

Com a chegada de Padinha, Orlando Marques e Cardador, a presença de Raul Correia como novelista tomou-se mais discreta, no propósito deliberado de dar lugar aos novos. Nâo por cansaço ou penúria criativa, como demonstrou ainda com algumas soberbas novelas, "O Navio Negro", "A Última Jomada" e "O Livro de Apontamentos", embora espaçadas por um período de sete anos. Os seus maiores êxitos anteriores tinham sido "Rudy Carter G-Man", "Os Cavaleiros da Espada" e "Aventuras de Jim West", a primeira das suas novelas ilustrada por E. T. Coelho, sem referir as que já publicara no Tic-Tac a partir de 1934, ano do seu 30° aniversário.

Não começou cedo mas começou bem, de forma empolgante, com "Aventuras no Far-West" e "A Vida Aventurosa de António de Lencastre", primeiros marcos das suas preferências novelísticas: cowboys e detectives tornaram-se as personagens centrais de um vasto e heterogéneo mundo de ficção, que ninguém anteriormente abordara como ele em jornais juvenis portugueses; personagens que tinham todas as características típicas e tópicas da novela popular e dos filmes de acção e que perduraram no tempo e na memória dos leitores, como Rudy Carter, James Donald, Ronald Campbell e Jim West, o pai de Falcão Negro, a par de outras tão destras no manejo dos "colts" como da espada ou do sabre de abordagem e tão intrépidas e cavalheirescas como os seus ícones cinematográficos e os heróis de Dumas, Mayne-Reid e Salgari.

Tratando-se de um novelista que fez escola e deu ao Mosquito o carácter único, inconfundível, de primeiro entre os seus pares, é curioso assinalar a influência indirecta que Raul Correia sofreu com a entrada em cena de E. T. Coelho e José Padinha. Embora não falte movimento às suas histórias nem vigor muscular aos seus heróis, a acção – tanto nele como em Orlando Marques – nunca se confunde com o culto da violência, reflectindo a mesma idoneidade moral dos comics ingleses dessa época, mesmo quando paradoxalmente parece sádica, desumana e fria, como nalgumas aventuras de Rudy Carter e Ronald Campbell. Mas a exuberância gráfica de Coelho, com as suas espirais cinéticas em que os corpos descreviam as mais incríveis piruetas, e a vertigem narrativa de Padinha, impuseram outro ritmo e outras regras às novelas d'O Mosquito.

Raul Correia colaborou lambem n’A Formiga, suplemento para as meninas dirigido por Tia Nita (Mariana Cardoso Lopes), e noutras publicações das Edições O Mosquito, como Filmagem e Mosquito Magazine (nesta última, sobretudo como tradutor): além disso, participou nas emissões radiofónicas d'O Mosquito na Rádio S. Mamede e na Rádio Graça, de que infelizmente não há quaisquer registos sonoros.

O cariz diferente desses trabalhos – bem como as impagáveis legendas que escreveu para Serafim e Malacueco e muitas outras séries cómicas – dão bem a ideia da sua versatilidade.

A última etapa d'O Mosquito

A partir de 1949 – depois da cisão com Cardoso Lopes, que lançou quase de seguida o Gafanhoto, experiência abortada que o decidiu a emigrar definitivamente para o Brasil – Raul Correia ficou sozinho ao leme do jomal que ambos tinham criado. Embora tivesse traduzido também muitos contos de grandes mestres da literatura de mistério e aventura (como Maurice Leblanc, Rafael Sabatini, Jack London, O. Henry) e de "western" (como Max Brand, C. E. Mulford, Emest Haycox, James Warner Bellah), com a interrupção da sua carreira novelística O Mosquito pareceu entrar em declínio, cada vez mais pressionado pelo aparecimento de novos títulos (como o Mundo de Aventuras e o Cavaleiro Andante) e da avalanche de séries americanas, italianas, francesas e belgas. Numa tentativa de reanimação, Raul Correia começou ainda a publicar os contos de Eça de Queirós, magnificamente ilustrados por E. T. Coelho, então no auge dos seus dotes artísticos. A ideia era meritória: enriquecer a formação literária dos leitores, de modo a que aprendessem a distinguir o trigo do joio e procurassem no jornal algo mais do que a mera distracção lúdica.

Capa d'O Mosquito nº 427, 8º ano, de 28 de Julho de 1943
com a ilustração de Eduardo Teixeira Coelho para a novela O Navio Negro, de Raúl Correia


Vinheta de Eduardo Teixeira Coelho no conto O Suave Milagre, de Eça de Queiroz

Mosquito-Magazine #16 (4-3-1941)

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A MALDIÇÃO BRANCA (1 - 2)
Por José Garcês



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