quarta-feira, 21 de julho de 2010

BDpress #147: DE NOVO SOBRE PEDRO VICTOR DE LA FUENTE SÁNCHEZ, POR CARLOS PESSOA, NO PÚBLICO

Público, 19 Julho 2010

Por Carlos Pessoa

1927-2010 – VÍCTOR DE LA FUENTE – SEMPRE UM PASSO À FRENTE DO SEU TEMPO

Foi um dos grandes autores espanhóis do século XX. Deixou uma obra magnífica, incompleta e dispersa, sem um herói facilmente identificável, muitas vezes feita apenas para sobreviver. Merece ser redescoberto

Fundador do comic adulto em Espanha, personalidade gráfica única, estilo naturalista inimitável, um dos primeiros autores internacionais antes da mundialização. Todos estes atributos assentam como uma luva no perfil e na obra de Víctor de la Fuente, criador espanhol de BD que morreu a 2 de Julho, na localidade francesa de Le Mesnil Saint Denis, onde vivia há quase 40 anos.

Não há exagero em dizer que desapareceu um dos grandes autores espanhóis do século XX, embora nem sempre De La Fuente tenha mantido uma cotação alta entre os editores ou conseguido captar a simpatia do grande público. Doente há vários anos e afastado da actividade, também já pouco dizia às gerações mais novas.

Muitos autores poderiam rever-se nessa dualidade contrastada e algo paradoxal da vida e obra do artista espanhol, razoavelmente divulgado em Portugal nas décadas de 70 e 80. Patrick Gaumer, crítico francês e autor do Larousse de la BD, sintetizou bem a situação quando disse ao P2 que "tem-se sempre a impressão de oportunidades falhadas ao olhar para o percurso de De La Fuente, o que é realmente uma pena". Lembra que algumas das páginas do western Sunday ou das séries de heroic fantasy Haxtur e Mathaï-Dor incluem pranchas que, "ao misturarem o texto e o desenho, flirtavam com o romance gráfico". E explica que o autor "soube trabalhar com os maiores argumentistas europeus, de Victor Mora a Jean-Michel Charlier, passando por Guy Vidal, François Corteggiani ou Alejandro Jodorowsky".

Didier Pasamonik (editor do site especializado em informação ActuaBD) acrescenta: "À semelhança de Hugo Pratt ou Alberto Breccia, De La Fuente foi um dos primeiros autores "internacionais" a trabalhar tanto para os Estados Unidos como para França, Itália ou Inglaterra, anunciando a mundialização que estava para vir."

Tudo somado, eis-nos perante uma obra superlativa, excessivamente dispersa e incompleta (nunca conseguiu criar um herói durável, lembra o estudioso português Leonardo de Sá), muitas vezes subordinada a exigências "alimentares", e longe de conferir ao seu autor o título de artista popular.

Pelo mundo

Pedro Víctor de la Fuente Sánchez nasce em 1927 em Ardisana de Llanes, nas Astúrias. No começo dos anos 1940, em plena ditadura franquista, começa a trabalhar no estúdio gráfico de López Rubio (Madrid), colaborando em revistas da época - Maravillas, Flechas y Palayos ou Chicos. Parte em 1945 para o Chile, onde se instala e dirige a revista El Peneca. Viaja por Cuba e pela Argentina, trabalhando ao mesmo tempo para o mercado norte-americano (Dell Publishing, Nova Iorque). Regressa à Europa em 1959 e trabalha para as editoras de língua inglesa Fleetway e DC Thompson. Em 1967 conhece Victor Mora, com quem desenvolve o western Sunday a partir do ano seguinte.

O aparecimento da revista espanhola Trinca em 1970 proporciona a De La Fuente a afirmação como autor de primeira grandeza, com a série de heroic fantasy Haxtur e, depois, no mesmo registo, Mathaï-Dor. Os ares do franquismo crepuscular não lhe são muito favoráveis e o autor decide instalar-se em França no começo dos anos 1970, iniciando uma nova fase da sua carreira.

São desse período as suas colaborações avulsas na Histoire de France en Bandes Déssinées e em La Bible (1975 e 1976). Mas volta a estar em foco com Haggarth, uma banda desenhada de heroic fantasy publicada nos primeiros números da mítica revista francesa (À Suivre). Seguem-se outras séries: Les Gringos (argumento de Jean-Michel Charlier, 1979), Les Anges d"Acier (Victor Mora, 1983), La Sibérienne (também com Mora, 1985), Francis Falko (com Corteggiani, 1987), Aliot (com Jodorowsky, 1996), Josué de Nazareth (com Patrick Cothias, 1998).

Pelo meio, o autor continua a assegurar uma presença regular no mercado espanhol, nomeadamente nas revistas Tapón e Zona 84. Em 1992, é o primeiro desenhador não italiano a animar a série Tex Willer (argumento de Claudio Nizzi).

Exemplo a seguir

A importância de Víctor de la Fuente na banda desenhada espanhola é incalculável. Quem o diz ao P2 é Alvaro Pons, professor universitário, especialista em BD e crítico do El País: "Foi um exemplo para toda uma geração. Muitos desenhadores, como Carlos Giménez, Josep Maria Bea, Luis Garcia ou Adolfo Usero, comentaram que quando entraram nas Selecciones Ilustradas, uma agência que trabalhava para o mercado britânico, os desenhos de Víctor eram um exemplo a seguir, uma academia com a qual aprendiam."

Didier Pasamonik não hesita em qualificar De La Fuente como "um líder que levou uma certa escola realista espanhola ao cume criando um desenho "espanhol" imediatamente reconhecível pelas suas marcas decorativas e o sentido um pouco barroco da composição".

Acrescenta Pons: "O seu domínio da figura humana e a facilidade de desenhar são lendários. Obras como Haxtur significam, para muitos, o começo do comic adulto em Espanha."

O investigador português Leonardo de Sá lembra que o trabalho deste espanhol se "insere num movimento de renovação da historieta com início no final dos anos 1960, levado a cabo por uma série de autores que começaram a realizar uma obra mais pessoal". Este especialista considera que é difícil dizer se De La Fuente influenciou de forma evidente outros autores espanhóis. "Eles tinham todos estilos tão individuais em termos gráficos que a única maneira de sofrerem influência seria plagiando, coisa que não traria grande mérito a ninguém..."

A opinião de Alvaro Pons vai no mesmo sentido: "De La Fuente é um daqueles desenhadores cujo nível é tão, tão elevado que é muito difícil segui-lo. Pertence a uma categoria selecta de autores como Foster [criador de Príncipe Valente] ou Salinas [Cisco Kid], com um tal domínio do desenho naturalista que tornava complexo e quase impossível que alguém pudesse sequer imitá-los."



Imagens da responsabilidade do Kuentro.
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