quinta-feira, 22 de março de 2012

BDpress # 329: O MENINO TRISTE - PUNK REDUX & ENTREVISTA COM JOÃO MASCARENHAS – Por Pedro Cleto

SOBRE "O MENINO TRISTE"

Texto de Pedro Cleto em “As Leituras do Pedro


1– Demasiado (?) elogiada por alguns, a autobiografia - também aos quadradinhos – tem que cumprir (pelo) menos um de dois pressupostos para ser interessante:
2 – O autor fez/viveu coisas interessantes ou…
3 – O autor conta o que viveu de forma interessante.
4 – (Há ainda – caso ideal! - a conjugação dos dois aspectos, quando o autor conta de forma interessante, algo interessante que fez/viveu).
5 – Em O Menino Triste – Punk Redux, João Mascarenhas recorda a sua primeira vista a Londres, no Verão de 1976, estava o movimento punk a dar os primeiros passos, o que faz dela uma BD que pode ser catalogada na categoria do autobiográfico…
6 – … mesmo que ao tom recordatório evidente, Mascarenhas acrescente igualmente momentos ficcionais e uma forte componente documental…
7 – … sendo que este último ponto transforma este álbum num caso único entre nós.
8 – A sua base, é evidente, são as memórias de Mascarenhas, aquilo que ele viveu durante um Verão em Londres…
9 – … mas o seu propósito vai mais além, pois pretende evocar as bases e princípios do movimento punk.
10 – De forma empenhada e militante, é evidente – e não me parece que haja qualquer mal nisso – pois João Mascarenhas viveu de forma intensa, embora curta, aquele momento único, mas também com bastante lucidez, traçando uma imagem bastante nítida do que levou tantos jovens de então a desafiar – pela forma de vestir, sim, mas principalmente por palavras, atitudes e ideias – o conformismo, o cinzentismo, a falta de saídas, então existentes
11 – (E que em muitas questões não estão longe – ou estarão longe apenas pela dimensão mais global dos problemas – das que afectam os jovens europeus de hoje).
12 – A par disso, Mascarenhas, estabelece um paralelo com a situação – antagónica ou similar…? – que se vivia então em Portugal, na sequência da revolução de Abril.
13 – Se tudo isto já era suficiente para justificar a leitura desta nova vivência de O Menino Triste, Mascarenhas acrescenta-lhe mais um aspecto: a qualidade da sua narração.
14 – Em que, sem o desvirtuar, adequa o seu grafismo – geralmente limpo e claro, aqui mais duro, sujo e pesado – a linguagem utilizada (bem próxima do vernáculo que o punk utilizou) e a própria concepção das pranchas, com vinhetas de contornos recortados, por vezes atravessadas por alfinetes ou fora da esquadria que tradicionalmente os quadradinhos seguem.
15 – Para além disso, distribui pelo relato referências, homenagens e piscares de olho, não só ao punk e aos seus símbolos exteriores mais visíveis, mas também a Portugal, a músicos portugueses e à própria banda desenhada, que justificam uma segunda leitura, mais atenta a eles do que à narrativa em si.

16 – Posto isto, se este texto fica por aqui, após a leitura (ou antes dela?) de Punk Redux, aconselho vivamente a (re)leitura da entrevista com João Mascarenhas ontem aqui publicada (ler mais abaixo aqui no Kuentro), como complemento útil – e interessante – deste - interessante - pedaço de vida que ele conta - de forma interessante.


Banda sonora aconselhada


Para acompanhar a leitura de O Menino Triste – Punk Redux (que pode ser encomendado), João Mascarenhas, “sem ser exaustivo e sem qualquer ordem de preferência ou temporal”, tendo em conta as suas “preferências pessoais” e porque dão “uma visão daqueles tempos iniciais”, aconselha como banda sonora os seguintes temas:

- Anarchy in the U.K. – Sex Pistols
- God Save the Queen – Sex Pistols
- Should I stay or should I go – Clash
- Bored Teenagers – The Adverts
- How much longer – Alternative TV
- Pay to Cum – Bad Brains
- Boredom – Buzzcocks
- Forces of Victory – Linton Kwesi Johnson
- Hong Kong Garden – Siouxsie and the Banshees
- Denis – Blondie
- New rose – The Damned
- Do anything you wanna do – Eddy and the Hot Rods
- If the kids are united – Sham 69
- Blitzkrieg Bop – The Ramones
- Don’t worry about the government – Talking Heads

O MENINO TRISTE - PUNK REDUX
João Mascarenhas
Qual Albatroz (Portugal, Novembro de 2011)
215 x 305 mm, 48 p. & b, cartonado
10,00 €

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ENTREVISTA COM JOÃO MASCARENHAS


Por Pedro Cleto no blogue “As Leituras do Pedro

“O Menino Triste sou eu”

Chama-se João Mascarenhas, nasceu em Luanda, Angola, em 1960, e é engenheiro mecânico de formação. Na banda desenhada é conhecido como criador de O Menino triste, cujo mais recente álbum Punk Redux serviu de mote para a conversa por mail que se segue.

As Leituras do Pedro (ALP) - Quem é o Menino Triste?

João Mascarenhas (JM) - ;) O primeiro a escrever que O Menino Triste é o meu alter ego foi o Geraldes Lino. E acertou! Começou em 2001 com a publicação do primeiro livro, de 16 páginas. Nele abordei aquilo a que chamo o “complexo Peter Pan” (esse livro é dedicado a Peter Pan), ou seja, o “não querer crescer” ou melhor, o “não querer abandonar a infância”. Na altura não tinha ideia de continuar a escrever/desenhar mais nada sobre a personagem, inclusivamente, o livro aborda o arco de vida da personagem entre a infância e a idade adulta. Contudo, as pessoas que iam lendo o livro começaram a questionar-me sobre a continuidade da personagem e de mais histórias. E assim nasceram os seguintes. Portanto, podemos dizer que O Menino Triste sou eu.

ALP - Porque é Triste o Menino?

JM - Já reparaste que a tua questão é apenas sobre o “triste”? A palavra e o conceito têm um peso enorme na nossa cultura, que leva constantemente as pessoas a repetirem essa tua questão. O Ziraldo tem “O Menino Maluquinho” e ninguém estranha. Existem também outras personagens de BD como “O Menino Vampiro”, “O Menino Caranguejo” e outros, mas ninguém estranha. Agora O Menino TRISTE, esse sim, é muito mais “forte” enquanto nome. Se reparares, apenas no Punk Redux as personagens que nele entram têm nome. Até agora, nunca precisei de as “baptizar”. Embora eu não faça o culto da tristeza, penso que ela é tão natural no ser humano como qualquer outro sentimento. Aliás, ela é uma fonte da criatividade.

Peço-te para leres o texto que te envio em separado e que escrevi há uns tempos sobre este mesmo tema (reproduzido no final da entrevista). Mas na origem está o facto de a personagem deixar a infância. A tristeza pela infância perdida.

ALP - Sair do mundo da infância é motivo de tristeza? A idade adulta não tem - também - muitas alegrias?

JM - Em relação à segunda questão, não elimina a questão dos prazeres de adulto que focas, só que a ausência de responsabilidades “a sério” quando somos putos, e outras questões mais profundas, faz com que sintamos (pelo menos eu) uma grande nostalgia da infância. É por isso que existe a expressão “criança crescida”, e aplica-se a mim.

ALP - Quanto de ti há n’O Menino Triste?

JM - Tudo! Os meus pensamentos, preocupações, vivência, experiências enquanto ser humano. Não é que a minha vida seja particularmente interessante para ser contada às pessoas, mas utilizo-a como pano de fundo. Podemos dizer que é auto-biográfico. Uma vez Hergé disse: “toda a minha vida está em Tintin”. Com as devidas distâncias ao mestre, acho que n’O Menino Triste se passa a mesma coisa em relação a mim. Por exemplo, conheces com certeza a história “O Sorriso”, que criei exactamente quando nasceu o meu filho.

Não é o relato do nascimento, mas é esse o momento que marca a história, e todos perceberam a mensagem.

ALP - Porquê o punk neste momento?

JM - Depois d’A Essência, eu tinha dito que ia “fazer umas férias” em relação a O Menino Triste. Este livro não tinha sido pensado até então. Acontece que um dia acordei com uma imagem na cabeça, semelhante à capa do livro. Fui para o estirador, desenhei-a e coloquei-a no blog. Começaram a chover mensagens a perguntar se era esse o tema do próximo livro. Sinceramente, em termos de novas histórias, o que eu tinha pensado era uma sobre o “porque é que nós acreditamos nos contos de fadas”, ou melhor, “porque é que precisamos da fantasia na nossa vida”. Um tema que revela muito da essência da personagem. Agora, não tinha pensado em nada sobre o punk. Falei com a editora (Qual Albatroz), dizendo-lhes que podia fazer uma pequena história (tipo 20 páginas) sobre o tema. A resposta foi que “sim, senhor, mas em formato de álbum de 48 páginas!” Fiquei entusiasmado com a ideia e então fui buscar as minhas memórias da minha primeira visita a Londres, no Verão de 1976, e os meus contactos com algumas pessoas envolvidas no punk.

A saída do álbum nesta altura não podia ser mais oportuna: nele são abordadas questões que na altura, no Reino Unido, fizeram despontar o movimento (punk), e que são similares às que actualmente estamos a viver por toda a Europa. O livro não fala apenas da música, mas de todo o enquadramento envolvente. A realidade sócio-cultural de Portugal (da altura) é também abordada, fazendo-se notar as várias diferenças face ao Reino Unido. O que gosto no livro é que ele é perfeitamente actual, e recomendo-o não apenas aos que gostam do punk.

ALP - Quem conheceste realmente nesse meio quando viveste em Londres?

JM - Não conheci muitas pessoas. O primeiro foi exactamente o rapaz que me disse chamar-se “Punk”, e do qual nunca cheguei a saber o verdadeiro nome. Exacto, como está no livro.

Depois através dele conheci alguns elementos que estiveram na génese do grupo Siuoxsie and the Banshees.

Na altura eles ainda não se chamavam assim, e a Sue (aliás Susan, aliás Siouxsie) tinha um aspecto completamente diferente daquele pelo qual depois ficou mais conhecida (com maquilhagem tipo Clara Bow e cabelos espetados). Conheci também o Malcolm McLaren, na sua loja SEX, em Kings Road (ainda a minha rua favorita em Londres), onde o Punk me levou e com o qual estivemos um pouco a conversar. Os diálogos do livro entre o Malc e a Soo Catwoman não aconteceram como estão no livro, embora sejam exactamente as ideias de cada um deles. No caso da Soo Catwoman, foi o que ela me transmitiu quando lhe mostrei as palavras do Malc, e achei que dava um excelente pedaço de conversa.

ALP - Tu tocaste mesmo naquele concerto no 100 Club ou foi só O Menino Triste?

JM - Infelizmente não toquei naquele concerto. O meu percurso real com aquele grupo vai até aos ensaios da banda (tal como está no livro). O que aconteceu a seguir foi que a Susan queria actuar no 100 Club com umas braçadeiras com a cruz nazi! O que efectivamente chegou a fazer. Assim que vi aquilo, é evidente que não me identifiquei com a questão e “saltei” fora.

Entretanto, aconteceram uns riots no carnaval em Notting Hill por essa altura também, com grande confusão e violência, e os meus tios, em casa de quem eu estava, não me voltaram a deixar sair sozinho (epá, eu só tinha 16 anos, afinal). Esta questão da braçadeira nazi, segundo li quando estava a fazer a pesquisa para o livro, fez com que o manager dos The Clash, a quem a Susan tinha pedido a P.A. emprestada para o festival, lha negasse. Só muito recentemente é que eu consegui ligar “os putos” com quem eu andei e toquei, aos Siouxie, e a Susan à dita!

Contudo, e embora EU não o tenha feito, O Menino Triste sim, foi tocar no Festival e além disso foi o impulsionador de outros ícones do punk, tal como por exemplo as botas Doc Martens!

A partir daí, e como não havia nem telemóveis nem e-mails na altura, perdi completamente o contacto com o grupo.

ALP - Onde estarias hoje, se tivesses chegado a tocar naquele concerto? Teríamos perdido um autor de BD e ganho um músico?

JM - Também eu coloco muitas vezes essa questão. Sabes, naquela altura era muito fácil ter-se algum impacto no mundo musical, desde que se soubesse alguma coisa de música e composição. A banda “punk” que nós estamos a preparar para tocar nas apresentações do livro, se existisse naquela altura tinha grande probabilidades de singrar. Até por cá era a mesma coisa: lembro-me de ir correr a comprar um single duma banda mesmo chunga (já não me lembro do nome, mas era portuguesa) só por ter estampado na capa “Banda PUNK”!

ALP - Todos estes anos depois, o que ficou em ti do movimento punk?

JM - Eu continuo a ser punk. Não exteriormente, não em termos de uniforme, que não é isso que nos faz punks (veja-se a banda The Clash). Mas a máxima “Do it yourself” continua a ser algo muito forte em mim.

Tento continuar a ser empreendedor e fazer coisas. E não apenas na Banda Desenhada! Outra questão que teve suprema importância também, foi a conquista de uma maior liberdade de expressão, e que sempre defendi em todas as vertentes!

ALP - O momento actual precisa de outro movimento semelhante?

JM - Não está à vista? Só que na altura era muito mais simples ser-se notado, dado o cinzentismo (que infelizmente ainda hoje existe) geral. Penso que se houvesse os meios que existem hoje, o movimento tinha tido um impacto ainda maior. Mas há uma coisa curiosa, é que enquanto nos Estados Unidos da América o punk foi sobretudo musical, no Reino Unido as coisas tomaram outros rumos, já que a origem era bem mais abrangente, tocando os aspectos sociais, artísticos (nas suas mais variadas expressões), políticos… Mas não há dúvida de que a música foi o que de mais proeminente aconteceu, levando a ter que se “rotular” as coisas como “antes…” e “depois do punk”. É natural que um “qualquer” movimento com natureza semelhante possa ter impacto equivalente.






Porque é que sou “O Menino Triste”!

A Tristeza tem na moderna sociedade ocidental, ocupado um lugar de personna non grata. Esse lugar tem sido imposto à custa da necessidade (artificial) de todo o cidadão tentar atingir a felicidade a qualquer preço, mesmo que de forma aparente ou mesmo fictícia. O volume de consumo de ansiolíticos nas sociedades ocidentais é algo que nos deveria deixar (muito) preocupados, já que na maior parte dos casos uma simples tristeza é tomada como algo imensamente grave, conduzindo essa atitude muitas vezes, então a verdadeiras depressões. A melancolia é algo que é natural no ser humano, tal como a noite é o oposto do dia, tal como o escuro é o contrário da luz, tal como o grande é o oposto do pequeno.

De facto, a melancolia encoraja novas formas de conceber misteriosas ligações entre antónimos. Reporta-nos à inocência, à ironia, e faz com que enfrentemos o “status quo”, e se consigam novas realizações.

De facto, frequentemente o mundo torna-se um pouco entediante, dado que muitas vezes é controlado por hábitos ultrapassados, que o tornam cansativo e repetitivo. Isto pode causar tristeza, mas é essa mesma tristeza que nos faz dar o salto, fazer cair o véu entediante e perante nós revelar novas possibilidades. Assim, todos nós somos chamados a ser criativos, mesmo que para isso tenhamos que passar por uma breve tristeza.

Sou O Menino Triste, mas muito, muito feliz!

Existe ainda uma segunda visão do porque é que sou O Menino Triste, mas tem esta a ver mais com uma interpretação da Psicologia. É algo que decorre daquilo que eu chamo o “síndrome Peter Pan”: quando uma criança não tem hipótese de crescer nos braços da sua mãe, ou por qualquer razão os seus sonhos não se tornam realidade, essa criança pode-se tornar numa criança triste. Também tem a ver com a melancolia da infância perdida, e de a tentar perpetuar pela vida fora.

De facto, no primeiro livro d’O Menino Triste é mais esta vertente que é focada, esbatendo-se mais nos trabalhos seguintes, a favor da tristeza como preocupação e como fonte de criatividade.




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Como complemento, ler também aqui no Kuentro a opinião de João Miguel Lameiras sobre 
O MENINO TRISTE - PUNK REDUX

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