MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
O Império editorial da Agência Portuguesa de Revistas - 1.7
Do album do Mundo de Aventuras saído em Dezembro de 1954, já referido nestas colunas, quase se poderia dizer que teve um parto difícil. Creio que ao iniciar a minha colaboração na APR, Fernando Esteves já andava às voltas com os originais, bastantes, que sairiam nas suas 84 páginas.
Nesse Outono, sem ainda estar ligado o aquecimento que a Textil Sedeira, situada na cave, mais tarde forneceria, o frio era imenso no desconfortável armazém. No escritório, reservado à redacção, os meus primeiros trabalhos de montagem e retoque foram executados numa ampla secretária de madeira, com tampo de vidro. Assim, dado o extenso número de páginas do album que era necessário manusear, impossível no tampo da secretária, uma parte da feitura do mesmo decorreu no armazém, sobre uma mesa corrida utilizada para a expedição das revistas. Nesse local, o frio fazia-se sentir com mais acutilância, quase não primitindo, por vezes, segurar no pincel ou caneta necessários para executar as tarefas que a publicação exigia, pois esse serviço só poderia fazer-se após essas bancadas estarem livres, depois das 19 horas.
Ao contrário de "O Mundo de Aventuras" cujas legendas eram apostas sobre as películas, pela casa impressora, a Bertrand & Irmãos, as do referido album, depois de impressas em coché, eram recortadas e coladas nos respectivos balões, e estes depois retocados, o que exigia uma atenção, cuidado e esforço suplementares, agravados pelo frio que na altura se fazia sentir.
Um dos óbices surgidos aquando da execução desse album, foi causado pelo excessivo tamanho dos originais de uma história – Jim das Selvas? – cujas legendas, depois das provas reduzidas ao tamanho da página da revista, ficavam com o tipo demasiado pequeno, não compatível com o tamanho mínimo – corpo 8 – exigido pela comissão de censura, pois nenhuma publicação era impressa sem o seu aval. O album quase esteve para não sair se as legendas não fossem ampliadas, o que era impossível dada a proximidade da data de saída. Após algumas demarches, o assunto ficou desbloqueado e lá foi impresso, com o tipo inferior ao permitido, o que, se bem atendermos, era uma medida correcta visando proteger a vista dos jovens leitores.
Certa noite, já perto do acabamento do miolo do album, Fernando Esteves – F.E. – e uma senhora vieram fazer-me companhia nesse início de noite. Seroámos os três, nas imensas instalações da APR. A presença feminina – que deduzi ser sua esposa –, vendo-me recortar umas legendas, ofereceu-se para o fazer, deixando para mim a tarefa de as colar nos balões respectivos. F.E., numa sercretária próxima, escrevia ou revia qualquer texto do referido album. Porém, receoso que ela trocasse algumas das legendas, vez por outra alertava-a para que tivesse atenção, que não tesourasse as palavras, etc.. etc.... Porém, tantos foram os alertas que, na minha juvenil ingenuidade, julgando-os excessivos, a dada altura exclamei: – Está
calado, Esteves! Não te intrometas! A tua mulher está agora por minha conta!
A senhora, a custo, disfarçou um subtil sorriso, ocultando o rosto. Já o F.E., esse, gargalhou ruidosamente, como se o meu aparte fosse a coisa mais insólita e deslocada do mundo. Fiquei pasmo, observando-o, intrigado. E o serão continuou, sereno, pela noite dentro.
Só passado algum tempo compreendi que a expressão que inocentemente utilizara, tinha conotação com outras situações e circunstâncias alheias à minha experiência de vida.
Legenda da imagem:
Capa do Álbum do "Mundo de Aventuras" saído no Natal de 1954, da autoria de Filipe Figueiredo
Álbum Mundo de Aventuras saído no Natal de 1954, com capa de Filipe Figueiredo (exemplar de coleccionador, dentro da capa que vimos na ilustração do topo deste post)
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O Louletano19 a 25 de Outubro 2004
O Império editorial da Agência Portuguesa de Revistas - 1.8
Um bom filme, nesse tempo, podia estar em exibição várias semanas ou meses. Só era projectado nas salas da província depois de esgotado o interesse nos principais cinemas das grandes cidades. Assim, o papel da Colecção Cinema, era possibilitar o acesso ao grande público dos filmes que só meses depois teria possibilidade de apreciar no cinema mais próximo, em qualquer recanto do país. Fernando Esteves e Rolo Duarte colaboravam, ambos, nessas duas publicações. Fazia também parte do pelouro de LM – como em cima se assinala –, a tradução e montagem da revista Rato Mickey, cujo primeiro número saiu em Agosto de 1955, e terminou no seu n.° 13. Recordo ter retocado e feito cabeçalhos para essa publicação, inteiramente preenchida com personagens de Walt Disney.
A edição de maior êxito da APR, nessa altura, fins de 54, era a colecção de cromos "Raças Humanas", da qual se fizeram várias reedições, tal como já acontecera com "A História de Portugal", de Carlos Alberto, e "Os Três Mosqueteiros", adaptação do filme com o mesmo nome, protagonizado por Gene Kelly e Lana Turner, entre outros.
A revista feminina de lavores, "Mãos de Fada" foi a primeira publicação da APR, sendo ela, aliás, a origem da própria empresa. O padrasto de Mário de Aguiar Cartaxo, de seu nome completo, tinha um pequeno estabelecimento , a "Loja dos Figurinos", numa das ruas da baixa – Rua do Ouro ou da Prata? – especializado em revistas para senhoras, modistas, etc, os chamados figurinos, mos¬truários de modelos onde a última moda, normalmente desenhada, era o elemento de consulta das modistas, que muitas havia nesse tempo. Essas publicações eram quase todas importadas, especialmente de Inglaterra, França, Bélgica, e Itália. De entre elas, havia uma deste último país, de enorme sucesso em Portugal, a "Mani Di Fatta", a qual durante a guerra de 39-45, devido ao boicote imposto aos países do eixo, desapareceu do mercado, logo ausente dos escaparates da "Loja dos Figurinos".
Mário de Aguiar que, nessa altura, teve conhecimento da ausência forçada dessa apreciada revista, a qual lhe era familiar de há muito na Loja dos Figurinos, onde por vezes atendia clientes, decidiu editar uma que a substituisse, à qual chamou "Mãos de Fada". Como para distribuir a edição, necessitaria de uma empresa especializada que o fizesse, contactou a "Editorial Organizações" – E.O. – a mesma que distribuia "O Mosquito" – na qual António Joaquim Dias A.J.D., – seu futuro sócio na APR, trabalhava. Da conversa entre ambos resultou a fundação de uma nova editora e distribuidora, pois que somente a distribuição cobrava de 40% a 50% sobre o preço de capa da publicação. Foi assim fácil iniciar a APR, pois que AJD, funcionário que era da E.O. , trouxe consigo para a nova empresa a lista total de clientes que essa distribuidora possuía, fruto de muitos anos de experiência no mercado. Esta a génese da revista "Mãos de Fada" e, simultaneamente, da " Agência Portuguesa de Revistas", a qual viu terminar ingloriamente a sua actividade em Janeiro de 1987.
Baptista Rosa, Oficial do exército, adstrito aos Serviços Cartográficos, foi durante quase toda a vigência da revista Plateia o seu director. Colaborador externo, devido ao seu vínculo militar, esteve desde sempre ligado à área do cinema, sendo já nos derradeiros anos da A.P.R., o seu penúltimo director.
Legenda da imagem:
Ilustração publicada no "Album do Mundo de Aventuras". É o primeiro desenho por mim executado impresso numa revista
Ilustração publicada no "Album do Mundo de Aventuras" acima citado, da autoria de Jobat
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