segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

JOBAT NO LOULETANO – MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA (150-151)


O Louletano, 22 | Setembro | 2008

NA PISTA DE UM SONHO – AUGUSTO TRIGO – 11
Por José Batista

E justo salientar que, nas várias peripécias sucedidas a Augusto Trigo, aqui narradas nas duas últimas semanas, Lucete Cabral, esposa do Presidente da República da Guiné, nessa altura – Luís Cabral –, teve um papel preponderante no desfazer dos imbróglios causados tanto pela inexperiência de alguns novos governantes, como pela incúria, excessos revolucionários ou poucos escrúpulos de muitos outros.

Tal como aconteceu aqui no continente, logo após o 25 de Abril, com alguns patriotas de fresca data, mais opor­tunistas que verdadeiros democratas, querendo resolver de uma penada o crónico atraso de meio século, também nesse novo país africano a pressa e o fervor revolucionário de alguns, permitiram comportamentos que de modo algum dignificaram o momento de alegria e libertação recém conquistados.

Senhora de uma educação, cultura e porte esmerados, Lucete Cabral sentiu no ambiente pós-independência a pressão demasiado intimista de alguns pseudo revolucio­nários guineenses que a tratavam por "tu" e "camarada", influência do fervor "sucializante" que na época permeava quase todos os movimentos de libertação dos territórios ainda colonizados, várias vezes desabafando com Augusto Trigo o incómodo de tal tratamento.

Outra das áreas a que o artista se dedicou com bastante determinação foi a da cerâmica artística, decorativa ou de uso utilitário, tanto na recolha de peças artesanais produ­zidas no país por artistas autóctones, bem como na criação de novos modelos saídos da sua capacidade inventiva, pois um dos projectos do novo governo após a independência foi o da construção de uma ampla e moderna fábrica dedicada a esse mister, cabendo a Augusto Trigo concretizar esse objectivo. Ciente da dimensão da tarefa que o esperava, e da qual era o responsável, o artista deslocou-se a Portugal para contactar pessoal especializado nesse ramo, e bem assim inteirar-se das técnicas de produção a utilizar – algo que seria impensável realizar sem sair da Guiné –, perma­necendo por isso algum tempo na metrópole.

José Marquês, gerente de uma empresa cerâmica artís­tica sediada na zona da Malveira, foi o elemento escolhido, devido à sua experiência no ramo, para dirigir a nova unidade

industrial a implantar na Guiné, o qual se deslocou durante uma semana a esse país para formalizar contratos e analisar no terreno as condições para a implementação da futura unidade fabril.

Escolhido o local onde esta seria implantada pelo técnico contratado na metrópole por A. Trigo, a mesma foi construída com relativa rapidez. Seria apetrechada com dois fornos eléctricos comprados em Portugal, adquiridos aquando da deslocação do artista guineense ao nosso país. »»

Esboço de guerrilheiros do PAIGC, feito por Augusto Trigo na Guiné, em 1975

Vinheta da série humorística inédita e inaca­bada, " A Vaca Sagrada de Mulei Molusco", ilus­trada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965.

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O Louletano, 29 | Setembro | 2008

NA PISTA DE UM SONHO – AUGUSTO TRIGO – 12
Por José Batista

No projecto da fábrica de cerâmica artística – visto ficar longe da fonte abastecedora –, constava a construção de um ramal eléctrico para lhe fornecer a energia necessária, o qual nunca foi concretizado, inibindo, por esse motivo, o seu normal funcionamento.

Para valorizar o lote de peças a produzir nessa unidade fabril, Augusto Trigo criou alguns novos modelos inspirados em artefactos locais, mas a produção nunca ultrapassaria o volume artesanal. Para cúmulo do azar, o encarregado levado de Portugal, artista competente nessa área, foi vítima de um absurdo acidente provocado por um jipe militar, que lhe custou a vida.

Um colono nórdico aí estabelecido, especialista em cerâ­mica de construção civil – telhas, tijolos e demais produtos –, foi a infeliz escolha, talvez à falta de melhor, para dirigir a nova fábrica. De facto, era um profissional de cerâmica, mas sem possuir o conhecimento e a sensibilidade necessários para o género artístico que o cargo exigia, o que originou, a breve trecho, o colapso de um belo, mas talvez megalómano sonho. E foi pena, pois vários rapazes guineenses com apreciável perícia, tinham aprendido a difícil arte da olaria de roda mercê do ensino do mestre ido da metrópole, aptidão que depois utilizaram em oficinas próprias e à qual se dedicaram com êxito e proveito.

Entrementes, embora o cargo de Director de Artesanato bastante o ocupasse, Augusto Trigo não perdia o contacto com as formas, volumes, pincéis e cores como se chama interior o impelisse a materializar o que os seus olhos de artista, mais do que viam, sonhavam. Para além disso, era constantemente solicitado para colaborar na feitura das mais díspares tarefas, mormente as de cunho artístico, algo que, quando requeri­do por algum elemento ligado à área governamental – mas executadas fora do horário de serviço –, ele fazia de forma gratuita, escusando-se a cobrar o que quer que fosse. E tanto assim foi que o presidente Luís Cabral, reconhecendo esse facto, pensou recompensar o artista oferecendo-lhe um carro, o que Augusto Trigo, sensibilizado, declinou.

– "Bem – disse-lhe então o presidente –, visto que não aceitas o carro, não podes recusar que te ofereça algum dinhei­ro, pois sempre te fará jeito. Quase todos me pedem alguma

coisa, porém, tu nunca o fizeste. O que te pedimos, sempre de graça e de forma espontânea o executaste. Vou pessoalmente tratar disso".

Dias depois, para sua surpresa, o artista tinha na mão um cheque de 400 contos, quantia apreciável na altura, a qual, pouco tempo depois, já na metrópole, utilizaria para sinalizar a compra da casa onde ainda hoje vive. »»

Esboço de guerrilheiros do PAIGC, feito por Augusto Trigo na Guiné, em 1976

Vinhetas da série humorística iné­dita e inacabada, "A Vaca Sagra­da de Mulei Molusco", ilustrada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965.

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